Automotoras Micheline em Lourenço Marques, Moçambique

A primeira imagem é dum anúncio da firma Salm (ver aqui) e nela aparecia um veículo de aspecto estranho que se tratam de automotoras Michelines. 
Dois veículos à espera de passageiros de paquetes acostados
no cais Gorjão de Lourenço Marques (LM), actual Maputo.

Apareceram agora duas novas imagens de 1935 e 1936 destes veículos que se reparamos bem estavam sobre linhas de combóio. A primeira pode-se ver que foi tirada na mesma ocasião da do anúncio mas é uma foto diferente e a segunda é doutra ocasião.  
Michelines em LM em 1935/36 com
à esquerda: navio Resolute acostado
à direita: navio não nomeado

Estas duas imagens são reproduzidas da publicação Moçambique Documentário Trimestral que foi digitalizada e incorporada na Biblioteca Digital da Memória de África através de protocolo para a cedência de conteúdos assinado entre a Caixa Geral de Depósitos e a Fundação Portugal-África. 
Segue-se uma foto de boa qualidade da DRISA com uma destas automotoras cerca de 1936:
Lourenco Marques, Mozambique, 1936. CFM railcar No ABY9

A dita Micheline é uma automotora ligeira criada no início dos anos 30 pela fábrica Michelin interessada em vender os seus produtos à base de borracha e também em publicidade. A roda da automotora tem um pneu da parte de fora e uma guia de aço na parte de dentro dos carris. A vantagem desta solução técnica era criar mais conforto para os passageiros (menos vibração e ruído) e acelerações e travagens mais rápidas no que se refere à operação. O seu problema é que a borracha suporta menos carga que o aço duma roda de combóio normal e por isso o veículo tem de dispor de muito mais eixos/rodas e de ter peso mais reduzido. Para se conseguir isso este tinha chassis de alumínio e carroçaria de chapas rebitadas como os aviões. Os motores eram a diesel e Michelines adaptadas para via estreita (tipo 51 et 52) foram utilisadas no ultramar.
Site Michelin: Micheline Tipo 51 colonial e protótipo da jante/roda sobre o carril

Houve vários modelos mas pode-se confirmar que este T 51 era o mesmo de LM. Isto eram quase inovações mundiais pois os primeiros protótipos de Micheline tinham sido apresentados às companhias ferroviárias francesas em 1931 e como vemos 4 anos depois estava um modelo comercial em LM. 
Em Madagáscar segundo a wikipedia há ainda 3 Michelines iguais à de LM (ou havia pois parece que uma foi comprada pela Michelin para o seu museu) e 2 continuam a fazer algum serviço turístico. Por isso podemos ver fotos em detalhe de como deviam ser as de LM:
Fotos: Micheline em Madagáscar na linha de Fianrantsoa
Em funcionamento: 
pequeno filme aqui (a última Micheline)
Micheline de Madagáscar da linha de Tananarivo (ver início do filme aqui)

As Michelines de LM eram, pelo menos, usadas para excursões dos passageiros dos cruzeiros de navios a Marracuene/Vila Luisa, vila interessante situada a uns cerca de 30 km da cidade e de que se fala nestas mensagens (1, 23, 4 e 5 combóios). Uma foto de Micheline em Marracuene pode ser vista aqui.
A partir de 1939 os cruzeiros internacionais devem ter parado devido à segunda Guerra Mundial e por isso o seu mercado original desapareceu e foram usadas para serviço normal dos Caminhos de Ferro no norte de Moçambique. Um leitor do HoM informou que viajou entre Nampula e o Lumbo e o Facebook Arsilnet publica estas duas fotos relativas à ligação entre Mocuba e Quelimane e tem leitores que disseram que a viagem era muito confortável e que esta automotora deve ter circulado até 1969/70.
Mudando pneus furados ou rebentados na "Miquelina" 
o que seria frequente devido ao calor ambiente

Podemos também ver uma Micheline colonial como a de LM em marcha no Entroncamento, Portugal - youtube (vê-se a funcionar para o fim).
Uma Micheline T51 como as de LM, suponho que do Museu da Michelin
emprestada ao da CP no Entroncamento há uns anos

Há também espectaculares imagens de protótipos de Micheline no site da Michelin. Inclui filme muito interessante mostrando as rodas, como passava pelas agulhagens e como andava em marcha atrás.
Ver aqui também boa apresentação com muito mais modelos de Michelines: foram produzidas 125 e deixaram de circular em França cerca de 1952.
Ver aqui bom artigo em espanhol - as Micheline dos CFM foram as únicas utilisadas fora dos territórios sob administração francesa.

Comentários

António Noronha disse…
Nos anos 40 viajei na Micheline da linha Nampula-Lumbo.o seu condutor era o Miguel do Vale e Vasconcelos, originário de Cabeceiras de Basto.
Rogério Gens disse…
Caro António: Sim, depois de escrever isto vi mais referências e até fotos da utilização das "Miquelinas" no norte. A utilização para Marracuene terminou com o início da Segunda Grande Guerra que originou o fim dos cruzeiros e deve ter sido aí que se decidiu mudá-las.
Rogério Gens disse…
Artigo actualizado com mais referências à utilização no norte de Moçambique