Enseada e aterro da Maxaquene - construção da doca seca e evolução da barreira (5/16)

Vamos aqui seguir a construção da doca seca e o seu local para além da evolução da barreira na zona do Paiol e dos Paços do Concelho vista a partir da orla do estuário, um ângulo que não tinhamos utilisado no artigo anterior. Como aí referímos temos agora acesso a novas fotos desta época e por isso um grande agradecimento a quem as disponibilisou. 
A primeira é duma instituição do estado moçambicano, ARPAC - Instituto de Investigação Sócio Cultural e pertence à pasta “Maputo Cidade XI, Monumentos e Locais Históricos”


FOTO 1
Estado dos trabalhos da doca seca em Dezembro de 1920.
A mesma foto com marcas:

FOTO 1 com marcas (clique nas fotos para aumentar)
Vermelho: doca seca em construção em Dezembro de 1920
Branco e preto: Hugh Le May
Amarelo: Paços do Concelho 
Branco: escarpa à esquerda =  oeste dos Paços
Laranja: escarpa à direita = leste dos Paços
Noto que a firma Hugh Le May Engineer ficava na esquina da rua que passa a sul da Fortaleza actual Ngungunhane, com o princípio da Rua da Imprensa (Nacional) e era aí onde chegava o estuário originalmente. Como se pode ver no primeiro artigo sobre a doca seca em duas fotos penso que de Cunha de 1911, a firma tinha ao lado do pavilhão que se vê também na FOTO 1 um estaleiro para pequenos barcos seguindo o princípio da doca seca mas muito mais pequeno e situado muito mais para o interior do que a doca seca veio a estar e está.

Quanto ao que se vê ao fundo, a FOTO 1 é de Dezembro de 1920, já depois do paiol ter sido demolido e das elevações na sua zona terem sido removidas. À esquerda dos Paços mas mais ao fundo (marca branca) vê-se uma escarpa que me parece ter resultado da escavação das elevações que havia ao nivel da Baixa da cidade para se usar o material resultante no aterro da Maxaquene. Pelos mapas nessa zona havia declive entre o alto das elevações e o nível inferior mas essa escarpa devia ser irregular e de pouca altura, ficando a sua parte sul próxima dos Paços. Por isso aí não havia barreira no sentido que a palavra tinha em Lourenço Marques duma escarpa com cerca de 30 metros de altura e que fazia transição abrupta entre a parte alta e a parte baixa da cidade. Nessa zona da marca branca a escarpa que passou a haver em 1920 (mas mais tarde pode ter sido modificada) terá assim resultado da escavação das elevações que na zona ligavam as partes alta e baixa. 
Para a direita dos Paços (marca laranja na FOTO 1) vê-se também escarpa que penso na maior parte deve ter sido escarpa natural (barreira na acepção local) que tivesse escavada e assim recuado em relação ao estuário e ficando com aspecto final uniformizado.  
Pode-se ver aqui vários locais elevados dessa zona e as suas variações: na FOTO 4 havia escarpa para leste mas para sul junto ao Paiol só elevações como explicámos em cima, nas FOTOS 1 e 2 havia escarpa e na FOTO 3 junto à enseada viam-se montes separados por ravinas o que é muito diferente da barreira contínua que já existia nos anos 30 ou 40.
Acho que o diagrama seguinte explica melhor as minhas ideias. Embora não pretenda ter correspondência exacta com o que se vê na FOTO 1, os seus traços laranja claro e escuro devem lá corresponder à escarpa (barreira) na parte direita do que está aí marcado a castanho.


DIAGRAMA EXEMPLIFICATIVO dos possíveis trabalhos na barreira
Amarelo: Paços do Concelho
Losango preto e branco: paiol
Traços verticais brancos: do lado esquerdo havia elevações talvez com pequena escarpa na extremidade que chegava muito a sul. Forem escavadas para se obter terra para o aterro criando-se uma nova escarpa nessa zona
Traços verticais laranja: onde a barreira era alta e foi profundamente escavada
Traços verticais castanhos: onde havia escarpa que estava afastada do estuário
 e por isso só teve de se uniformizar
Os objectivos na zona dos traços laranja foram: obter-se material para o aterro e alinhar-se com o que tinha sido feito à esquerda. Em termos gerais os trabalhos na barreira até 1920 devem ter ido mais ou menos da actual Av. Lenine até à direcção da actual Av. Allende. Daí mais para a direita na FOTO 1 = leste = nascente aparece na escarpa = barreira muita vegetação e que aparentava ser antiga. 
Recuamos agora no tempo e revemos uma foto recuperada do livro de Alexandre Lobato de nome Xilunguíne. 

FOTO 2
Verde: prédio do Baptista (ver aqui e aqui a evolução da zona)
Castanho: fundição
Rosa: Cruz do Oriente
Losango: paiol
A FOTO 2 deve ser anterior a 1901 ano em que foram construídos os Paços do Concelho que não se vêm. Rodeando o paiol temos as elevações mais próximas e por trás dele um pouco para a direita = leste mais elevações e escarpa = barreira, presumívelmente no estado natural. Como dissemos o que estava mais perto do paiol terá sido depois escavado, consolidado e uniformizado como aparecia na FOTO 1. Na barreira mais para a direita não deve ter havido tantas alterações entre o que se vê na FOTO 2 e na FOTO 1 posterior, mas a partir destas duas fotos é difícil fazer tal comparação.

Para nos posicionarmos, a FOTO 2 foi tirada a olhar para a barreira duma posição e com ângulo semelhantes ao da FOTO 1. O mais provável é que tenha sido tirada do pontão do Allen Wack que esteve numa posição onde foi colocada a doca seca donde se tirou a FOTO 1. Quer dizer o espaço que rodeia a doca seca na FOTO 1 foi obtido por aterros para o interior do estuário feitos na direcção da praia que se via na FOTO 2, para a esquerda = oeste acrescentando a faixa de terreno para sul da fortaleza e para a direita = leste acrescentando o terreno da Capitania do Porto (Inamar)  e o que está para sul dele ocupado com algumas construções. Olhando para as datas parece confirmar-se a minha ideia de que a doca foi colocada num espaço deixado de reserva entre esses dois aterros em vez de ter sido escavada depois deles terem sido terminados.   
Os edifícios ao fundo da FOTO 2 correspondem à posição da ponte do Allen Wack e depois da doca seca dado que o Prédio do Baptista estava no lugar da parte sul do actual Hotel Tivoli na esquina com a Rua da Imprensa, a Cruz do Oriente fazia a esquina no lado oposto da Rua da Imprensa com a actual Av. 25 de Setembro e a Fundição ficava um pouco antes e ao lado da actual direcção das Águas (onde foi o antigo almoxarifado).

Recuando ainda mais no tempo vamos para cerca de 1890 com uma foto da Universidade de Leiden que já tinhamos visto com muitíssimo menos qualidade. Esta foto deve também ter sido tirada do pontão do Allen Wack ou dum antecessor, por isso na mesma posição da FOTO 2 e como vimos acima próxima da da FOTO 1.  


FOTO 3
Castanho: fundição
Losango: paiol
Como a FOTO 3 é anterior à FOTO 2 nela a situação da barreira seria mais próxima do estado natural mas comparando as duas não se notam diferenças. Mantém-se assim as linhas gerais da comparação que fizemos em relação à barreira entre a FOTO 2 (situação inicial) e a FOTO 1 (de 1920 por isso depois da demolição do paiol, da remoção das elevações e da consolidação da barreira para a direita). 

Podemos ver a evolução de toda a zona afectada pelo aterro na enseada da Maxaquene e até à doca seca à esquerda = oeste com dois mapas, o de 1915 (de fundo castanho) que é anterior aos trabalhos e o de 1925/26 (de fundo branco) que lhe é posterior. Maiores referências são a mancha azul clara do estuário inicial junto à barreira e a linha preta quase horizontal na parte inferior do desenho mostrando até onde foi feito o aterro: 

 MAPAS de 1925/26 (de fundo branco)  e de 1915 (de fundo castanho) SOBREPOSTOS
Linha preta inferior = sul: muro de suporte do aterro 
que é o paredão do "passeio dos tristes" junto ao estuário
Verde: prédio do Baptista na parte sul do Hotel Tivoli (ver na FOTO 2)
Castanho: fundição, próxima da actual Direcção das Águas (ver nas FOTOS 2 e 3)
Rosa: esquina da Rua da Imprensa com a Av. 25 de Setembro
Losango branco: paiol (ver nas FOTOS 2 e 3)
Amarelo: Paços do Concelho, actual Tribunal (ver na FOTO 1)
Vermelho: doca seca (ver na FOTO 1)
Traços branco e preto: Hugh Le May, depois Pendray e Sousa (ver na FOTO 1)

Foram estes os mapas originais usados para a sobreposição de cima aos quais juntamos mais duas referências no mapa de 1915 como explico a seguir:

MAPAS de 1925/26 e de 1915 originais
quadrados brancos e círculo carmesim: ver explicações em baixo
vermelhos: em baixo a nova crista da barreira, em cima onde a nova crista estaria inicialmente, mostrando-se com as setas laranja o que foi escavado nessa zona
Olhando no mapa de 1915 para a ampliação que introduzi no canto inferior esquerdo da zona do pontão do Allen Wack podemos ver que a sua ponta no estuário (a sul) estava definida por um traço branco horizontal. Na sobreposição vê-se que a posição dessa ponta do pontão acabou por estar a a cerca de metade do comprimento da doca seca e ficar assim a uns 40 metros do limite norte da doca da capitania quando esta foi construida. Comparando nos mapas a evolução da escarpa, é claro do lado ocidental = esquerda que ela se deslocou para norte em parte devido à remoção das elevações e em parte devido a escavação do que era mesmo barreira (escarpa de cerca de 30 metros de altura, que começaria na zona marcada a vermelho). Mas para o resto não tiram grandes conclusões, para além de que a precisão dos mapas pode não ter sido grande. No entanto o que me parece mais visível é que a crista da escarpa em 1925/26 aparecia mais linear (ver PS ao fundo). 

Em conclusão neste artigo vimos a construção da doca seca e relacionamos a sua posição com o pontão de Allen Wack com mais precisão do que antes se tinha feito. Quanto à barreira, com as imagens de longe tentamos perceber melhor o tipo de trabalhos que nela se efectuaram muito aproximadamente e em relação à construção do aterro da Maxaquene penso que deixamos pistas para quem queira aprofundar (ainda) mais o assunto.

PS: Com o círculo carmesim do mapa de 1915 marquei o que me parece ser o que na FOTO 3 do artigo anterior aparecia ao fundo à esquerda e de que disse o seguinte: parece ainda que uma parte da barreira estava saliente para o lado do aterro e que por isso só terá sido cortada depois. De facto no mapa de 1925 parece ter sido aberto um caminho de ligaçao entre a parte alta e baixa da barreira por essa zona e a saliência parece-me ter sido esbatida. Não podemos analisar o caso a partir da situação actual porque na segunda metade dos anos 60 essa parte mais oriental da barreira foi completamente refeita e recentemente pode ter havido mais alterações dado que quase toda a zona baixa está agora construída.

Sobre a doca seca em tempos antigos ver mais aqui.

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