Teatro Varietá de Lourenço Marques de 1910 a 1967 - pavilhão e teatro (1/4)

FOTO 1
Foto de anúncio ao Varietá de Lourenço Marques na segunda metade de 1911

Alfredo Pereira de Lima (APL) no livro Edifícios Históricos de Lourenço Marques (LM) escreveu que um rinque da patinagem chamado Varietá abriu ao público em LM, actual Maputo a 16 de Julho de 1910 o que se confirma aqui por notícia da altura publicada no site delagoabayworld.wordpress.com. O nome italiano que em português significa Variedades ou Espectáculo deve ter estado ligado à nacionalidade dos seus dois empreendedores, Pietro Buccellato, um empreiteiro e Ângelo Brussoni, um comerciante. 
Eu não conhecia imagens desse primeiro Varietá mas será certamente o pavilhão que se vê na FOTO 1, que apareceu num anúncio de jornal penso também divulgado no site delagoabayworld.wordpress.com e que reproduzo aqui com a devida vénia.
Antes de ver esse anúncio completo veremos um outro que lhe é anterior com data de 10 de Novembro de 1910 e onde P. Buccelato aparentemente aparece como único dono:

ANÚNCIO 1
10.11.1910: patinagem e cinema em paralelo no Varietá

A seguir temos o anúncio completo da FOTO 1 de que não anotei a sua data de publicação original mas para estar a ser exibido o filme de reportagem da "coroação do rei George V" teria de ser posterior a 22 de Junho de 1911, a data dessa cerimónia. 

ANÚNCIO 2
Ringue de patinagem e cinematógrafo no Varietá, funcionando em paralelo 

Com esta informação temos agora ideia das instalações e da actividade do primeiro Varietá digamos entre quatro meses após a sua abertura e meados de Junho de 1911 o que nos ajudará a visualisar o que APL escreveu. Segundo APL o ringue do primeiro Varietá tinha um "estrado de 800 m2, de planta rectangular de 20X40 metros, bar, salão de chá, etc. ao qual se acrescentou depois um pequeno palco no interior do recinto para música e concertos" e como já dissemos "o recinto foi aberto ao público em Julho de 1910". Podemos dizer que o ringue visto em cima corresponderia às dimensões mencionadas por APL e continuando os "achismos" do HoM, acho que os "bar e salão de chá" estariam nos espaços laterais do pavilhão virados para o ringue. Quanto ao "pequeno palco" não se consegue ver bem dadas a distância e fraca qualidade da foto mas podia ser ao fundo dessa sala.
APL escreve depois que em Setembro de 1910 o rinque "foi modificado com projecto para primeiro andar, para mais tarde, se poderem realizar espectáculos cinematográficos". Como explico em baixo não percebo bem esta parte mas ...     
Escreve APL de seguida: "Daí a transformá-lo num teatro foi outro passo". E passa para novo parágrafo: "Desta forma a patinagem  ... teve de ser interrompida para a construção do teatro". Suponho então que com estas duas últimas frases APL tinha saltado para as grandes transformações no local que levaram ao edifício com a fachada principal em estilo neo-renascentista, que foi inaugurado a 5 de Outubro de 1912 e que vemos em baixo na FOTO 2. É no entanto de referir que como escrevo em PS um membro da família informou que o telhado do rinque ardeu e depois se construiu o teatro, pelo que dá ideia que o rinque e o teatro foram duas construções sucessivas pelo menos muito distintas, embora no mesmo local,  : 

FOTO 2
Fachada principal do Teatro Varietá de 1912 na Rua Major Araújo, actual Bagamoyo

A foto de cima é dos albuns de Santos Rufino e de cerca de 1929. Santos Rufino informava que por essa altura o teatro era mais frequentado por estrangeiros e coincidência ou não parece-me estar uma família de cidadãos de origem oriental à esquerda.
Em termos de concorrência, quando o Teatro Varietá (TV) abriu em 1910 estava já em funcionamento o Salão Edison, instalado num barracão que embora não tivesse sido construído de raíz para ser cinema devia ter condições um pouco melhores do que o pavilhão de utilização mista do Varietá do ANÚNCIO 1. 
Essa situação mudou quando em 1912 o TV foi inaugurado mas a sua vantagem competitiva em relação â empresa de Manuel Rodrigues não durou muito dado que em 1913 ela substituíu o Salão Edison pelo primeiro Teatro Gil Vicente que pelo que se lê tinha melhores condições que as do TV (diz aqui que o TV tinha lotação de 1800 lugares enquanto o Gil Vicente tinha de 870 a qual está correcta, mas à primeira vista não acredito que a diferença fosse tão grande por isso seria caso a analisar). Quando em 1933 o segundo Gil Vicente foi construído o TV foi completamente ultrapassado em termos de conforto e técnicos e  aprtir daó melhores salas foram sendo disponibilizadas na cidade e arredores pelo que o TV terá entrado em declínio progressivo até ser demolido em 1967.

De seguida explico as minhas dúvidas em relação a algumas frases de APL relativamente à evolução e calendário do ringue nos primeiros tempos.
A. Escreveu APL: "o rinque de patinagem "Varietá" foi em Setembro de 1910 modificado com projecto para primeiro andar, para mais tarde, se poderem realizar espectáculos cinematográficos". 
Não fica daí claro se esse Setembro de 1910 foi o momento de se preparar o projecto desse primeiro andar, de se solicitar a licença camarária, de se iniciar a construção ou de se ter concluido o que a 10.11.1910 já devia acontecer pois havia já exibição de cinema no Varietá (ANÚNCIO 1). Para que serviria esse primeiro andar e onde estaria colocado não sei, na foto do ANÚNCIO 2 não aparecia à vista. 
Para se usar o ringue inicial para cinema - e como se vê na FOTO 1 tinha já sido desenhado para ter pouca luz - bastaria descer um écran, colocar uma máquina de projectar a meio da sala, colocar umas cadeiras e poder-se-ia começar a sessão. Da maneira como APL o disse, estranhei que o Varietá tivesse sido inaugurado em Julho e que só depois de Setembro tivesse havido cinema pois como já havia exibição comercial de cinema em LM desde 1907 os proprietários do Varietá tinham tido tempo para avaliar esse negócio e a possibilidade de o combinar com o da patinagem. De facto neste artigo do site delagoabayworld aparece uma notícia dando conta de que a 18 de Julho de 1910 - dois dias depois da inauguração - havia alguma forma de exibição de cinema (belas vistas de animatógrafo, cinematograph em inglês). Teria sido o primeiro andar que APL refere necessário para melhorar a forma inicial de exibição de "imagens em movimento" no Varietá? 
Resumindo não percebo bem o que APL quis dizer com essa frase e também estranho que as dezenas de pessoas que a copiaram para os seus textos não a tenham sequer discutido mas ...

B. Escreve APL depois: "Daí a transformá-lo num teatro foi outro passo. .... Desta forma a patinagem  ... teve de ser interrompida para a construção do teatro". 
APL fala em transformação e essa palavra deve ter levado a muitas más interpretações posteriores. APL não o descreve mas em termos físicos tudo leva a crer - como analizaremos melhor no segundo artigo - que o pavilhão da FOTO 1 ou ANÚNCIO 2 foi demolido (o que terá obrigatóriamente acontecido depois de 22 de Junho de 1911) e que o Teatro da FOTO 2 foi uma construção completamente nova.
Recordando o passado desta zona, no artigo anterior vimos a Rua Araújo, actual Bagamoyo por aí e antes e depois da construção do Varietá. Podia-se também vê-la aqui antes da abertura da Travessa e da construção do primeiro pavilhão. E há também uma foto de Fowler ainda mais antiga desse lado da rua que pode ser vista aqui.

PS: Informação de familiar dum dos fundadores do teatro no site bigslam
Pietro Buccellato foi meu tio-avô. Chegaou a Moçambique nos finais do século dezanove para a construção do porto da Beira. Seguiu-se a construção da ponte cais de Lourenço Marques já com a ajuda do seu irmão e meu avô, Giuseppe. 
Os dois, entusiastas de hockey em patins, construíram um ringue de patinagem onde decorreram jogos com equipas sul-africanas, saraus de patinagem artística, campeonatos de esgrima e do que mais me lembro do meu avô contar. Tenho algures a constituição da equipa moçambicana, aliás a primeira de todo o império português, e que notáveis frutos deu para a modalidade em moçambique. 
Esse ringue tinha uma cobertura que ardeu e na sequência desse incêndio foi decidido construir o Varietá. 
Lamento a destruição da fachada e das estátuas do seu interior e sobretudo o desaparecimento das inúmeras placas de mármore que no hall de entrada enchiam as paredes. A história cultural de Lourenço Marques fazia-se através dessas placas evocativas das companhias de ópera, bailado, teatro, revistas, música e até comícios políticos. 

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