Enseada e aterro da Maxaquene - fotos e texto dos estudos de Lisandra e Vales complementado (3/16)

Continuando a falar da enseada da Maxaquene e do seu aterro temos mais fotos e a informação que aqui sumarizo de dois recentes estudos académicos, as teses de doutoramento de Teodoro Vales e Lisandra Mendonça de que já falámos e que tento contextualizar e complementar, neste caso com o que observo nas fotos. 
Começamos com uma foto de 1929, uns nove anos depois da conclusão dos trabalhos do aterro. É uma vista do alto da Ponta Vermelha para a Baixa da cidade de Lourenço Marques (LM), actual Maputo em foto do DMO+.

FOTO 1
Antiga enseada da Maxaquene após conclusão do aterro com a Baixa ao fundo
Como se vê na FOTO 1 o antigo estuário entre a Ponta Vermelha e a Baixa da cidade no sentido leste-oeste e para sul da base da encosta da Maxaquene na direcção perpendicular ao estuário tinha sido aterrada. Estava nivelada um pouco acima do nível do estuário, havia uma linha traçada na direcção da Av. da República, actual 25 de Setembro que não era ainda a estrada para a praia da Polana que mantinha o traçado inicial junto à barreira e não havia árvores plantadas. 
A zona do aterro foi primeiro plantada de eucaliptos para acelerar a sua secagem e para criar uma extensa zona verde na cidade. Esteve depois previsto construir-se o centro cívico na sua faixa litoral de que só se concretizou um edifício e quarteirões de habitação mais junto à barreira. Mas finalmente a maior parte do aterro manteve-se como mata  e zona de lazer com lagooutra parte recebeu a feira de exposições e outras construções de pequeno porte e os últimos planos de urbanização antes da independência previam mantê-la assim, não edificada na maior parte.
O enchimento para o aterro veio da escavação e regularização da barreira da Maxaquene, da terraplanagem de pequenos montes em redor e de dragagens feitas no estuário (dum corte na Ponta Leckemer na costa da Catembe frente à Baixa). Inicialmente estava previsto o aterro para cais necessitar de 6.5 milhões de m3. Eu recalculando por alto no artigo anterior concluí que o que foi feito necessitou de 3 milhões de m3, o que acho dá uma ideia aproximada da diferença entre as duas soluções.
Seguem-se três imagens muito interessantes pois vê-se nelas o aterro durante os trabalhos de construção. Na seguinte (gentileza de delagoabayworld) vê-se a partir da Ponta Vermelha o muro de suporte construido no estuário e a antiga enseada para a sua direita = norte em fase de esvaziamento, que se nota óbviamente acontecer mais rápidamente na zona que rodeava a barreira por ser mais baixa. Esta foto é por isso do início da drenagem:

FOTO 2 (clique para aumentar)
Laranja: empreiteiros BuccellatoPaulino Santos Gil e Tonetti
Vermelho e Amarelo: Governadores-Gerais responsáveis, 
General Machado e Álvaro de Castro
Verde: Eng. Sá Carneiro, director dos Caminhos de Ferro

A legenda completa da FOTO 2 retirada da tese de Lisandra Mendonça é: “Machaquene Reclamation Scheme, showing the sea wall, and the Dredger at work filling in the reclaimed area. Wharf and town on the right, Polana and the open sea away to the left. Inserts: P. B. Buccellato, P. Santos Gil, A. Tonetti, the contractors; Dr. Domingos Frias, acting Governor-General, 1915, who signed the contract on behalf of the Government; General Joaquim Machado, Governor- General, 1915, who initiated the scheme; Dr. Álvaro de Castro, present Governor-General of the Province; T. Monteiro de Macedo, Engineer-Inspector of Public Works; Carlos de Sá Carneiro, Director of Railways; Ribeiro Artur, Government Inspector of Works; and Duarte Viega (s?), Government Engineer, who designed the scheme. (ver NB ao fundo sobre os três construtores).
Na FOTO 3 da tese de Teodoro Vales: fonte Arquivo Histórico de Moçambique, temos outra perspectiva do aterro durante o decorrer dos trabalhos, vendo-se a partir da barreira o muro de suporte de que se vê uma abertura ao centro. Esta devia ter um mecanismo que subia quando a maré enchia fechando-o e que descia quando a maré estava baixa, para se ir vazando a água que se fosse acumulando do lado interior à medida que por causa do aterro e do declive do terreno ela fosse fluindo em direcção ao muro e estuário (ver uma possivel válvula no último parágrafo):



FOTO 3

Panorama do aterro da praia da Machaquene
Estado do trabalho em Novembro de 1918
Na parte inferior da FOTO 3 vê-se a antiga estrada (e que tinha a linha férrea ao lado) que seguia no sopé da barreira e que continuou a ser usada pelo menos até cerca de 1929, quer dizer muito depois do aterro estar feito - vê-la aqui na FOTO 6 com a Ponta Vermelha pelas costas. Suponho que isso aconteceu porque, mesmo que se na FOTO 1 o aterro parecia feito, devem ter sido precisos muitos anos para que o seu solo ficasse bem consolidado. Claramente a drenagem na FOTO 3 estava mais avançada do que na FOTO 2 e dá a ideia que se construiam diques interiores nas partes já relativamente enxutas para se irem enchendo com a terra e pedras trazidas para esses espaços. Uma parte do lado esquerdo da enseada parecia estar já a nível mais elevado do que o resto.
A FOTO 4 é da tese de Lisandra Mendonça que aí indicou a vermelho a linha de caminho de ferro para a Polana, os paços do concelho no limite a leste da terra firme original e da Baixa da cidade e o paiol que tinha sido construído sobre uma das elevações de terreno que foi desbastada para se encher o aterro. Aí vê-se que entre a zona já aterrada e a da doca seca uma parte continuou por uns tempos em estado próximo do natural. Essa parte  corresponde na FOTO 2 (a panorâmica) à que está entre as marcas horizontais amarela e verde. 

FOTO 4
Vista da barreira para sul no lado oriental da Baixa urbanizada que começa à direita

Na FOTO 4 o aterro está à esquerda e fechado à direita por um dique em terra e para o centro da foto via-se ainda superfície liquida até junto aos paços do concelho.  
É interessante notar que a primeira intenção do Estado para fazer o porto nesta zona para o final do século XiX (19) passava por deixar os privados fazer o muro e o aterro em troca do qual receberiam parte dos terrenos recuperados ao estuário. O primeiro candidato foi a firma Allen Wack que estava instalada na zona costeira à direita da FOTO 4 e onde tinha feito uma ponte de atracação para serviço dos seus armazéns. Mas não houve nem progresso nesses obras nem interesse de outras firmas e passado algum tempo o Estado decidiu assumir de novo a responsabilidade das obras do porto que incluiriam o aterro. Mas como a seguir foi decidido construir o porto para poente = oeste = ocidente deste local, só em 1915 aqui se voltou para os trabalhos que que aqui vemos e foram únicamente de aterro. 
Para finalizar duas fotos dos anos 60/70 da tese de Lisandra Mendonça mostrando o aterro no seu estado antes da independência e na sua dimensão mais longa, de oeste para leste ou seja na paralela ao estuário. Foi nesse eixo que foi construída a Av. da República, actual 25 de Setembro que se observa nas fotos. Na FOTO 5 temos uma vista para poente = oeste com a Baixa ao fundo e na FOTO 6 uma vista para nascente = leste com a Ponta Vermelha em cima e a ligação à estrada marginal à baía ao fundo

FOTOS 5 e 6
Tese de Lisandra Mendonça: AHM, Coleção da Câmara de Lourenço Marques,

 “Anos 60 e 70”, Cx. 8, Icon. 432
Tese de Lisandra Mendonça: CUF - Profabril

Para completar eis o mais importante do que Vales e Lisandra Mendonça disseram nas teses e donde retirei parte dos dados do texto de cima:
Lisandra Ângela Franco de Mendonça - "Conservação da Arquitetura e do Ambiente Urbano Modernos - A Baixa de Maputo"
Pag 139: "No pântano do Maé continuaram as obras de aterro e saneamento e na enseada
alagada da Maxaquene foram dados os primeiros passos para a continuação do muro de cais junto à Ponta Vermelha nos últimos anos do século XIX, sem sequência imediata devido à falta de verbas. .... Depois de aterrada a enseada da Maxaquene, durante a Grande Guerra, a “cidade continuou parada algumas décadas no limite do aterro, que foi atravessado por uma via férrea para a Praia da Polana, então distante”"
Pag 125: "Para jusante, seria aprovado o aterro da Maxaquene, entre o molhe Allen Wack e a Ponta Vermelha, em 1914. O aterro, juntamente com as obras de consolidação das Barreiras, ao longo da encosta da cidade (depauperadas pelas escavações para os aterros na cidade baixa), foi iniciado em 1915, com o impulso do então governador-geral 
general Joaquim José Machado."

Teodoro Cândido Vales - De Lourenço Marques a Maputo : genése et formation d'une ville. Architecture, aménagement de l'espace. Université de Grenoble, 2014. Français. <NNT : 2014GRENH012>. <tel-01155128>
Pag 190 (texto muito centrado sobre o que não chegou a ser feito): "La mise en chantier du terrassement de la zone de Maxaquene voit le jour en 1915, pendant le gouvernement du général Machado. Ce travail faisant l’objet de différents changements il a fallu plusieurs décennies pour qu’il puisse aboutir, étant donné que cette zone marécageuse à bénéficier d’un terrassement devrait devenir, une future zone d’activité commerciale de Lourenço Marques. Ainsi différents plans ont été proposés, qui par le biais d’un tracé et une métrique apportent une logique de continuité de l’extension de la ville. Pour ce tracé, la voie structurant est la Rua Araújo et apporte également une orientation au mur-quai à construire et au tracé orthogonal, ayant au nord le système de drainage. Au carrefour de quatre voies, est aménagée une place. Localisé vers l’Est du centre-ville, un ensemble de pâtés des maisons assure un rôle de permanence, en permettant également la continuité de l’Avenida D. Carlos (ou 25 de Septembre). Une étude visant les réformes et les extensions du port en 1909/10 sous commandement de l’ingénieur Costa Serrão, comporte un tracé orthogonal dont l’inspiration est assise sur le Plan Araújo. Ce dernier joue un rôle crucial en tant qu’élément structurant, et en apportant une orientation au nouveau tracé ainsi que au mur-quai, ce dernier comportant deux docks, un voué aux bateaux de pêche et l’autre pour les petits bateaux. Des extensions des axes comme l’Av. da República et l’Av. Cândido Reis débouchent sur la ligne côtière par un rond point."

Ligações às duas teses académicas que cobrem também este tema e que foram por isso por mim largamente consultadas para estes artigos:

Título da tese: De Lourenço Marques a Maputo : genèse et formation d'une ville.
Architecture, aménagement de l'espace. Université de Grenoble, 2014. Français. <NNT :
2014GRENH012>. <tel-01155128>
HAL Id: tel-01155128
https://tel.archives-ouvertes.fr/tel-01155128

Título da tese: Conservação da Arquitetura e do Ambiente Urbano Modernos: A Baixa de Maputo
Orientadores: Professores Doutores Arquitetos Walter Rossa e Giovanni Carbonara
Coorientador: Professor Doutor Arquiteto Júlio Carrilho
Ramos de conhecimento: Arquitetura e Urbanismo/Restauro da Arquitetura

NB: Esta biografia no site macua de Paulino dos Santos Gil (PSG) tem o seguinte texto: "Em 1915 PSG assina com Pietro B. Bucellato e Tonetti, como empreiteiros, o contrato para a drenagem e aterro do pântano da Machaquene. Por parte do Estado outorgou no contrato o Dr. Francisco Frias, encarregado do Governo da Província". Está por isso em linha com a legenda da FOTO 2.

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