Escola Joaquim Araújo (actual Estrela Vermelha) - descrição mais pormenorizada (4/5)

A Escola Estrela Vermelha foi na origem a Escola Preparatória Joaquim de Araújo de que apresentamos fotos e história noutras três mensagens (1 e 2 e 3). 
A escola foi implantada em terrenos que cerca de 1929 eram de abegoaria O blog terra mágica informa que depois pelo menos em parte foram usados para a Albergaria Municipal que servia de garagem para os carros de recolha do lixo (dos "machopes") e para o antigo campo de futebol do Grupo Desportivo 1º de Maio.
Nesta mensagem - a mais "pesada" da série - vamos-nos basear no texto do Arquitecto André Ferreira na sua Dissertação de Mestrado de 2006. Apresentamos esse texto no fim, ao qual acrescentamos pequenos comentários dentro de parêntesis e pomos a negrito (bold) a informação que aparece depois transcrita na imagem do Google Earth em baixo.
Olhar para a imagem com alguma atenção deve ter o suficiente para satisfazer a curiosidade depois de se ter lido as mensagens anteriores. 
Para os antigos e actuais alunos e pessoal da escola, como no texto é por exemplo dada informação da memória descritiva do projecto, lendo tudo poderão perceber melhor o como e o porquê de cada edifício está no seu lugar, por exemplo em relação ao sol, ao vento, à chuva e ao ruido, e ver quais foram as preocupações dos projectistas e as soluções que eles propuseram. E isto é só uma parte desse trabalho de preparação dum projecto, pois concerteza na memória descritiva muitos outros aspectos terão sido elaborados.
Junto depois da foto do Google Earth algumas peças do projecto que estão no trabalho de André Ferreira mas a sua qualidade gráfica é fraca.

Google Earth da actual 
Escola Estrela Vermelha (ex Escola Joaquim de Araújo)
clique na foto para aumentar
Avenidas (orientação cardeal simplificada): 
Luthuli à esquerda (poente=oeste); Guerra Popular à direita (nascente=este)
Dausse em baixo (sul); Kankhombe em cima à direita e Rua da Munhuana em cima à esquerda (ambas norte)
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Branco com fundo preto: indicando o que o texto de André Ferreira 
mostrado em baixo refere
Amarelo com fundo preto: O que o texto não refere mas é importante adicionar.
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(pavilhão das) aulas de matemática: provávelmente seria originalmente 
o pavilhão para salas de trabalhos manuais feminino. 
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Duas galerias principais cobertas de circulação na direcção norte-sul
Gal 1: Galeria principal central, marquei os extremos norte e sul
Gal 2 Galeria principal do lado nascente=este, idem
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Mocidade Portuguesa: principalmente no R/C era o salão de festas
Zona desportiva a norte: lembrança aproximada a 85% (!)
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n.e.: edificios não constantes do projecto inicial

Não é dito no texto de André Ferreira mas nos pavilhões com dois pisos, que eram o das "aulas normais" (esse passou depois a 3 pisos) e o das "salas de desenho", as escadas eram junto à Galeria principal central (Gal 1), e penso que eram as únicas em cada pavilhão.

pavilhão para aulas normais (alçados sul e norte)
a Galeria principal central (Gal 1) está à direita do alçado sul

pavilhão para salas de desenho (alçados sul - e - poente)
dum lado tem a Galeria principal central (Gal 1)

e do outro a Galeria princiapl do lado nascente=este  (Gal 2)
pavilhão para salas de trabalhos manuais - corte transversal
este projecto foi replicado noutras escolas 
e até num mercado em Moçambique

Texto do arquitecto André Ferreira (com comentários HoM):
Em 1959, o arquitecto Fernando Mesquita iria usar os seus modelos (HoM: de escolas primárias com número de salas variáveis que adaptou às secundárias fazendo galerias cobertas às quais juntava os pavilhões na perpendicular) como ponto de partida para o seu projecto escolar mais importante, a Escola Técnica Elementar Governador Joaquim Araújo (actual Escola Secundária Estrela Vermelha), em Lourenço Marques.
Neste caso, a implantação assenta numa grelha ortogonal de circulação desenvolvida a partir de duas largas galerias cobertas de direcção norte-sul, junto às quais se agrupam os pavilhões de acordo com as afinidades programáticas com galerias de acesso cobertas, perpendiculares às primeiras (HoM: não se vêm pois estão sob os telhados dos pavilhões), criando entre si um variado conjunto de espaços exteriores. 
A maior complexidade nesta escola – resultante da existência de duas galerias principais - justifica-se pelas novas condições de implantação, e sobretudo pelo aumento do programa (HoM: os arquitectos gostam muitos deste termo! Quer dizer o carderno de encargos, o que se pretende fazer), culminando um importante trabalho interdisciplinar que envolveu o projectista, a Direcção dos Serviços de Instrução, os professores, entre outros responsáveis.
A escola previa uma capacidade de 1 000 alunos (1) ocupando um terreno de 4 000 metros quadrados, junto às Avenidas:
- General Machado (HoM: actual Guerra Popular à direita na foto, básicamente este=nascente), 
- J. Serrão (HoM; actual Emília Dausse em baixo na foto, básicamente sul=baixa da cidade), 
- Luciano Cordeiro (HoM: actual Albert Luthuli, à esquerda na foto, básicamente oeste=poente=Alto-Maé) e
- Gomes Freire (HoM: actual Paulo S. Kankhomba, parcialmente em cima na foto, básicamente norte=cidade do caniço mais adiante).
Esta era uma zona ocupada por população com fracos recursos económicos (HoM: claro que não era a Polana mas não sei com que propósito aparece esta ideia certamente originada no HPIP or vice-versa e já comentada por mim em mensagem anterior. Evidentemente, há 50 ou 60 anos não havia a situação actual observável para quem visite agora a escola com o mercado à esquerda e os "malfeitores associados" como a imprensa moçambicana amplamente relata).
O complexo é dividido em três sectores - administrativo, escolar e desportivo - relacionados de modo diferente de acordo com as suas especificidades funcionais, e aproveitando para isso as condicionantes topográficas do lote. Os vários pavilhões desenvolvem-se em um ou dois pisos, e espalham-se pelo terreno de modo a garantir entre si um afastamento que lhes permita o posterior aumento de altura (2). Existem sete tipos diferentes de pavilhões, de acordo com o programa. O pavilhão administrativo desenvolve-se num piso único - junto aos acessos principais - e alberga o gabinete médico, a sala de professores, a secretaria e a direcção (entre outros espaços). O pavilhão para aulas normais é construído originalmente em dois pisos (com acessos em galeria), com seis salas de 8,24 por 7,44 metros em cada um dos pisos, para além de depósito de materiais e gabinete do contínuo. O pavilhão para salas de trabalhos manuais – existente em duas unidades,uma masculina e outra feminina – corresponde a um volume de piso térreo, ocupado por três grandes salas com amplo pé-direito, protegidas por uma expressiva cobertura inclinada. As salas são equipadas com armários e lavatórios, para além de espaços anexos para depósito de materiais e gabinete do mestre. O pavilhão para salas de desenho desenvolve-se em dois pisos, com 3 salas cada, dimensionadas para 36 estiradores individuais (também equipadas com armários e lavatórios), para além do gabinete do contínuo e do vestiário para serventes. O pavilhão-ginásio inclui duas salas de ginástica com 15,14 por 11,40 metros cada, com pé-direito duplo (para além dos balneários e outros espaços de serviço). Na sua fachada exterior voltada a norte, uma galeria de acesso elevada serve de varanda para o público, utilizável em caso de espectáculos de ginástica ao ar livre (sobre um relvado anexo). O pavilhão da Mocidade Portuguesa ocupa um só piso, com um salão de festas (3) e a copa (HoM: deve ser o bar de que indico a posição na foto). A sala de canto coral ocupa num único piso o último pavilhão, o mais pequeno do conjunto.

A área construída é protegida do ruído envolvente por uma espessa cortina vegetal de grande porte, com folha permanente, uma condição que se repete em todos os projectos escolares de Fernando Mesquita. Neste caso, a área exterior envolvente inclui ainda uma piscina e campos de jogos (basquetebol, patinagem, voleibol, andebol), junto ao limite norte, para além de parques para estacionamento de automóveis e bicicletas, junto à avenida General Machado (o principal eixo viário de acesso).

Tal como nos outros projectos-tipo de Fernando Mesquita, a arquitectura desenvolve-se a partir das potencialidades construtivas dos materiais usados, e dos requisitos funcionais do programa, manipulados com simplicidade e rigor. Procurou-se honestamente, sem sofismas nem artifícios – fáceis ou não – modelar em espaço, construção, vegetação e luz, as soluções funcionais para problemas humanos de indivíduo e do grupo, ao nível do espírito e da fisiologia. [...] tentou-se [...] evitar o êxito seguro através do maneirismo e recurso à moda, mesmo passageira, que é sem dúvida a arma mais fácil do arquitecto.

A adequação dos pavilhões face às condicionantes acústicas e térmicas é um dos temas de projecto ao qual Fernando Mesquita se dedica com maior intensidade, resolvendo-o através da acção conjunta de vários factores: orientação dos edifícios segundo a incidência solar e os ventos dominantes, projecção das coberturas face aos planos de fachada, colocação de brise-soleils e de persianas interiores com lâminas orientáveis, escolha de revestimentos exteriores com pouca condutibilidade sonora e térmica, utilização de cores no exterior com alto poder de reflexão e revestimentos do terreno com fraco poder de irradiação. 

Sobre este tema, importa reproduzir um excerto da memória descritiva do projecto, onde se evidencia a variedade de opções utilizadas, num grau de complexidade muito superior ao das propostas contemporâneas sugeridas pelo Gabinete de Urbanização do Ultramar (HoM : os projectos que eram feitos em Lisboa contráriamente a estes feitos localmente pelas Obras Públicas):
Todos os pavilhões são orientados sensivelmente segundo o paralelo de modo a furtar as fachadas em que se praticam os vãos, à incidência directa da radiação solar. [...] As coberturas projectam-se fora dos planos envidraçados aproximadamente 1,50 metros assegurando protecção efectiva na parte média do dia. Esta protecção é completada em relação aos períodos extremos do dia por elementos quebra luz verticais só dispensados nos pavilhões de trabalhos manuais e lavores onde se admitiu não serem graves os inconvenientes dado que são de curta duração, coincidem com as horas de menores temperaturas e a natureza das actividades que aí se praticam não sofrerem sensivelmente com o facto. [...] A exposição adoptada permite a fácil incidência dos ventos mais frequentes, durante a estação quente, sobre os vãos de todos os pavilhões segundo um ângulo que pemite colher daqueles o maior benefício em qualquer das partes da escola. [...] Relativamente aos períodos de chuvas coincidentes com ventos fortes a defesa está assegurada no que respeita às salas da aula e outros locais de trabalho pela adopção de caixilharia em persianas horizontais de vidro de abertura regulável e em condições de assegurar ventilação mesmo nos referidos períodos de chuvas com vento. As galerias de circulação – recreio coberto estão umas expostas a Norte e portanto normalmente abrigadas e as outras de grande largura e pequeno pé direito, desenvolvem-se na direcção Norte-Sul o que também as protege pois é normalmente do quadrante sul que a chuva é impelida pelo vento mais forte incidindo pois longitudinalmente sobre a galeria. Na sua grande largura e pequeno pé direito defendem-na das, aliás menos frequentes, chuvas
do quadrante Leste. [...] Nas áreas destinadas a recreio descoberto são creadas áreas de sombra por meio de vegetação marginal de grande porte disposta principalmente do lado Poente (HoM: as árvores nunca cresceram muito mas entretanto quase que sumiram!).

( 1) A lotação inicial seria rapidamente ultrapassada alguns anos após a abertura, originando problemas de gestão de espaços. No início deste ano lectivo matricularam-se 1476 alunos [...] A manter-se o mesmo ritmo de crescimento da frequência não nos parece que seja possível, no próximo ano lectivo, recebertodos os candidatos à matrícula. Cf. Relatório da Escola Técnica Elementar “Governador Joaquim de Araújo”, ano lectivo 64/65, cap. I.
( 2) A ampliação de um piso foi efectivamente realizada em 1971, nos pavilhões destinados às salas de aulas.
( 3) As dimensões do salão de festas serão consideradas insuficientes pelos seus futuros utilizadores: Nenhuma das actuais dependências da escola possui dimensões suficientes para que nela se possam realizar festas escolares, conferências, projecção de filmes ou outras reuniões, em que teriam que estar presentes algumas centenas de alunos, e muito menos se estes se fizerem acompanhar dos seus familiares, como seria da maior vantagem (HoM: de facto esta sala era pequena e não me lembro de ter havido um acontecimento destes na escola)

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