Sede do Entreposto Comercial em Lourenço Marques, actual Maputo. Arquitectos JJ Tinoco e Matos Veloso.

Nesta mensagem sigo principalmente o trabalho académico de Francisco Ferreira (FF) do fim de 2013 e também o de Jéssica Marques Bonito. As imagens são na maior parte dessas duas dissertações por isso a qualidade é a possivel.
O conjunto de edifícios de escritório, comércio e oficinas da sede do Entreposto Comercial em Lourenço Marques foi um dos grandes trabalhos do Arquitecto João José Tinoco (1924-1983), que até 1975 viveu em Moçambique. Este trabalho como muitos outros foi de co-autoria com o Arquitecto António Matos Veloso.
O Arq. Tinoco já foi referido no HoM pelos seus projectos do Cinema Dicca, Aeronáutica Civil, prédio mBIM e o seu projecto principal em Lourenço Marques foi o do edifício da Agricultura agora demolido após incêndio.  
Este projecto foi construído por fases entre 1969 e 1975 na Avenida do Trabalho no lado poente=oeste da actual Maputo. O Entreposto era um dos maiores grupos privados portugueses em Moçambique com actividades indústriais, comerciais e agrícolas. Não foi nacionalizado com a independência e sobreviveu ao periodo de socialismo revolucionário seguinte. Dada a sua comprovada "resiliência", com a liberalização económica tornou-se parceiro do Governo moçambicano em alguns grandes projectos e continua a desenvolver as suas actividades no país, tal como em Portugal. 
Segundo FF este conjunto de edifícios (talvez em 2012) estava sub-utilizado devido a mudanças no grupo Entreposto e esteve para ser vendido ao governo para ser aparentemente demolido ou reafectado a instituição educativa, mas isso parece não ter acontecido ainda.


FOTO 1
Face à Avenida do Trabalho, do lado sul desta, cerca de 1972
À esquerda: edifício do armazém com stand pequeno à frente,
e balcões de atendimento ao público. 

Ao centro e direita: Lado esquerdo e do meio do corpo central
com o stand principal, ainda em acabamentos.

Começa a partir do cabeção com o logo "e" em relevo.
Para se visualizar melhor eis um esquema lógico do conjunto que é básicamente em forma de U com a parte de baixo frente à Av. do Trabalho. Para trás destes edifícios parece que havia outros mas não os considero aqui.


Esquema HoM - três blocos/corpos em U
Bloco azul: armazém com stand pequeno à frente
Bloco verde: corpo central, mais em largura
Bloco cinzento: administraçáo e escritórios

O bloco (azul) do armazém foi o primeiro a ser construido a partir de 1969 e a sua fachada que já aparecia na FOTO 1 à esquerda é aqui mostrada vista do lado oposto e mais de perto. 

FOTO 2 
Imagem em dois ângulos de visão
Fachada do armazém com o stand pequeno à frente (azul no esquema)
com o pormenor dos brise-soleil originais em parte da altura
Estamos numa via de ligação interior pois a Av. do Trabalho fica paralela à direita.
O corpo central fica para dentro donde está o reclame ao alto da Mercedes.
Ao fundo o prisma mais alto é o início do terceiro corpo do conjunto.
Marquei no esquema HoM com traços a vermelho as fachadas que tinham brise-soleil (vermelhos) de madeira colocados perpendicularmente à fachada no projecto original e que foram mais tarde retirados. As fachadas frontais do armazém (FOTO 2) e a do corpo central (FOTO 3) eram dois desses casos. 

 FOTO 3
Lado centro e direito do corpo central (bloco verde no esquema)
Parte do que aqui se vê estava na FOTO 1 e o que não estava
seria a sua continuação para a direita
A cada extremo da fachada do corpo central (que continha o stand principal) havia cabeções paralelipédicos sobressaindo da fachada, Parecem "suspensos no vazio" pois  as entradas para o público estão neles "escavadas" ao nivel do solo.  Na FOTO 1 vemos o cabeção da esquerda (em betão aparente) e na FOTO 3 o da direita (já pintado de branco), posições se olharmos de frente para o edifício. 
O corpo central tinha galerias interiores para se circular entre o corpo do armazém e o corpo da administração.

FOTO 4
Interior do corpo central (em 2012)
Stand principal de 460 m2 de duplo pé direito.

À esquerda: fachada principal para a Av. do Trabalho 
mas já sem os brise-soleil vermelhos iniciais
À direita: gabinetes no primeiro piso.


Na FOTO 3, ao fundo depois do cabeção vê-se a parte da frente da administração e escritórios (de 14 metros de frente) que principalmente se prolongava na perpendicular à Avenida do Trabalho para o fundo do terreno (por 82 metros). No esquema esse é o bloco desenhado a cinzento à direita. Não temos mais foto da fachada principal desse bloco mas sua fachada lateral poente="oeste" era assim.

FOTO 5
Fachada lateral poente
do corpo da administração e escritórios
(cinzento no esquema)
 com 82 metros de comprimento
Voltamos de novo à esquerda do edifício e à parte azul do esquema. Este é o armazém que tinha o stand pequeno à frente como se via na FOTO 2, mas aqui é a traseira. 

FOTO 6
Cais de cargas e descargas na traseira do armazém (2012)
A fachada nascente do armazém está de perfil do lado direito desta imagem

A entrada lateral deve ter acesso directo à Av. do Trabalho ao fundo.
FOTO 7
Fachada nascente do armazém da FOTO 6 
de perfil com vigas salientes (à Pancho Guedes)

FOTO 8
Fachada nascente do armazém de frente
revestido a tijolo

FOTO 9
Foto mais recente da fachada ao longo da Av do Trabalho.
Na FOTO 5 o edifício começa (à direita) pelo seu corpo lateral esquerdo  que é do bloco da administração e escritórios e fica no lado poente do terreno. É revestido a tijolo escuro e o que se vê mais saliente ao fundo da FOTO 3 com as duas "línguas" brancas ao centro e do qual se vê a fachada lateral exterior na FOTO 5.

Demos assim uma ideia do aspecto principalmente exterior deste projecto de J.J. Tinoco. A dissertação para Mestrado no Instituto Superior Técnico de Francisco Ferreira sobre reabilitação de edifícios do movimento moderno em Maputo tem muito mais detalhes e mais fotos do interior e exterior: carregar aqui o pdf.
Por seu lado Jéssica M. Bonito que cita outros autores faz este resumo do projecto : A arquitectura da sede do Entreposto Comercial de Moçambique reflecte uma grande diversidade funcional, isto deve-se à complexidade do programa que alberga, fábrica, armazéns, comércio e escritórios. Neste edifício é possível encontrar diversos sistemas construtivos: o corpo central, uma torre, com o logótipo da fábrica e as lâminas verticais da fachada são em betão aparente, o corpo lateral é revestido a tijolo maciço, enquanto o corpo do stand e exposições tem uma fachada de lâminas metálicas e superfícies vidradas. A frente do edifício, com dois portões monumentais, consegue integrar todas as soluções em simultâneo, caixas de ventilação superior em betão, panos de tijolo em faixas e cobertura envidraçada em estrutura metálica. No conjunto, o Entreposto surge como uma espécie de culminar das experiencias tipológicas e construtivas do arquitecto Tinoco.
Em mensagem posterior falamos doutro edifício do Entreposto nesta zona.
Ver HPIP com muito mais informação

Comentários

Anónimo disse…
O arq Tinoco desenhou uma residencia, a dos meus pais, na rua que agora se chama Rua da Gorongoza 135 que nos feoi roubada pelo governo comunista e "oferecida" a Cuba. E onde vive o embaixador de Cuba. O meu pai foi o presidente do grupo Entreposto em Moçambique ate 1974 e depois de 1981 ate 1992. A casa foi desenhada gratis, pelo fato de o meu pai ter escolhido o tinoco em vez do Guedes! Esta la a casa, e so passar e fazer fotos!
Rogério Gens disse…
Caro leitor: Certamente que os assuntos de propriedade estão por trás de tudo o que aqui se publica pois com raríssimas excepções todos os bens privados que aqui aparecem terâo sido confiscados e alguns anos depois atribuídos a novos proprietários. Fiz referência mais ou menos ligeira e de passagem ao assunto em algumas mensagens mas o HoM nem é o tribunal do colonialismo nem o tribunal da revolução, por isso o foco está no que foi construido até à independência de Moçambique. Como foi construido (o que também não terá sido num mar de rosas), o absurdo económico subsequente à independência e quem foram os responsáveis será outro debate talvez só possível daqui a 50 anos. Eu tenho opiniões mais precisas sobre o que digo em cima, mas se digo que o blog é dos leitores deixo os leitores falarem desde que não violem as regras básicas de convivência.
Quanto à questão Tinoco versus Guedes essa interessa-me realmente e tenho tentado ler nas entrelinhas pois suponho que sendo duas das principais estrelas da arquitectura locais e competindo directamente por fama=trabalho=dinheiro teriam uma relação especial. Relatos do que Tinoco tenha dito nâo conheço mas Guedes foi critico doutros arquitectos que diziam que os seus "prédios redondos" lhes transtornavam a clientela tradicional e mais específicamente Guedes disse básicamente que o prédio Buccellato estragou a Sommerschield. A minha duvida é se foi Tinoco quem o projectou. Nas fotos dos trabalhos de Tinoco aparece um dos prédios altos da Sommerschield mas não é o Bucellato é o outro paralelo mais recente e para sul, que nem sei se foi construído antes ou depois da independência. Se essa foto estiver errada e Tinoco tiver projectado o Buccellato então o que Guedes disse seria um ataque directo a Tinoco. Mas isto são suposições, só quem os conheceu poderia dizer como se relacionavam pessoal e profissionalmente, mas se como diz Tinoco até oferecia desconto especial deviam ser muito competitivos. Obrigado pela informação.
Anónimo disse…
Okidoki, tudo bem. Apenas que me esqueceu um pormenor - os puxadores das portas de entrada na nossa casa foram feitos pelo Mealha em ceramica, um dos artistas de confiança do Tinoco. (Familia do Jorge Mealaha, johe arq e irmao da escultora Maria Alice Mealha casada com o pintor Antonio Heleno, ambos ja falecidos). Enquanto o Entreposto construiu os edificios da av. do Trabalho, fui com o meu pai muitas vezes ao atelier do Tinoco e socio. Na Sommershield.
Tenho em meu poder uma maqueta em bronze fundido de uma das figuras que a Ma Alice construiu para a estaçao de caminhos de ferro da Beira. Canimambo!
Rogério Gens disse…
Caro leitor: O sócio de Tinoco a que se refere devia ser o Arq. António Marques Veloso felizmente ainda vivo. Será que eles tinham na altura consciência de que com o seu trabalho se iriam tornar "mitos" e tema de teses universitárias, de livros e artigos de jornal e até de conversa em blogs? Quando eu aqui publicar mais alguma coisa sobre os seus projectos (por exemplo o prédio do Teatro Avenida) convido-o a deixar a impressão que teve deles. Obrigado.
Anónimo disse…
A escultora Maria Alice Mealha não faleceu. Completou no passado dia 4 de abril 94 anos.
Rogério Gens disse…
Caro leitor: Obrigado pela informação depois afinada de que a escultora Maria Alice Mealha completou 93 anos. Corrige-se então a informação do anterior leitor com as minhas desculpas e lamentando o inconveniente causado. Cumprimentos.