Dragagem cerca de 1910 no porto de LM e actualmente

Num artigo anterior lembramos que um porto moderno é o culminar de avanços e saberes técnicos acumulados ao longo de séculos e aplicados num local e contexto operacionais muito específicos. Condições naturais não chegam e por exemplo é preciso dragar periódicamente sem o qual o porto ficará limitado em termos do calado de navios que dele se podem servir, ou se a profundidade diminuir em relação ao registado nas cartas os navios podem (ou podiam) encalhar. Assoreamento devido aos materiais trazidos pelos rios a montante para o estuário do Espírito Santo aconteceu no porto de Lourenço Marques por volta de 1907 o que levantou protestos das "forças vivas" e talvez seja a justificação para vermos a FOTO 1 em baixo com uma draga de aspecto moderno e poderoso.  

FOTO 1
Draga Matolla cerca de 1910 no estuário do Espírito Santo
Foto via delagoabayworld.worldpress.com

FOTO 2
A mesma draga Matolla acostada ao Cais Gorjão.
 Está escondida à direita, talvez cerca de 1910.

O plano hidrográfico é um  elemento fundamental para a operação dum porto pois indica as medições de profundidade do leito do mar. Para a zona entre a entrada no estuário e o início do cais sublinhei no plano de baixo o mais importante. 

Plano hidrográfico do porto de Lourenço Marques de 1904 actualizado em 1906
clique na imagem para aumentar
Castanho: Primeira fase da construção do cais Gorjão,
Azul escuro: linha de maior profundidade
Azul médio: para lá dessa linha (em direcção à costa)
a profundidade é de menos de 10 l (não sei que unidade é o "l").
Só os navios com calado inferior se poderiam aproximar mais da costa
Azul claro: para lá dessa linha (em direcção à costa)
a profundidade é menos que 5 l. Os navios comerciais
não podiam ultrapassar essa linha.
Laranja, cinzento e vermelho: Zonas de amarração conforme o tipo de navios,
à vela (ainda os havia), a vapor e de guerra.
Círculo verde: parece-me ser a localização duma baliza na Barra

Antes de haver a ponte de cais de Lourenço Marques os navios de carga amarravam ao largo e as mercadorias tinham de ser transbordadas para barcaças que acostavam depois epontões para descarregar, o que duplicava o trabalho e era muito mais lento, custoso e perigoso para a carga e pessoal. Só com a construção do cais Gorjão no estuário puderam os navios principais atracar e descarregar/carregar directamente.
Passando para a actualidade e modernos meios tecnológicos marquei na imagem do Google Earth (GE) o que me pareceu ser a zona mais profunda, quer dizer a mais escura.

GE do estuário de Maputo, antigo do Espírito Santo
Branco: fluxo de água dos rios
Azul escuro: o que parece a zona mais profunda.
Ponto vermelho: ver significado em baixo
Preto: Área correspondente ao plano hidrográfico de cima
Nesta imagem do GE nota-se bem pela cor mais arenosa onde se acumulam as aluviões trazidas pelos quatro rios (Tembe, Matola, Umbeluzi e Infulene) que desaguam no estuário (o rio Maputo desagua na baía fora do estuário fluindo de sul para norte passando pela Bela Vista)O que parece ser a zona mais profunda do estuário no GE como é natural fica mais ou menos no ponto intermédio entre as suas margens mas depende também da forma delas e do fluxo das águas.
Comparando-se as linhas azuis escuras de maoir profundidade no GE (aparente) e no plano hidrográfico (registada) vê-se que são mais ou menos semelhantes. Isso quer dizer que é mais ou menos por um canal centrado nessa linha que os grandes navios devem circular no estuário e por isso onde as dragas devem limpar para manter a profundidade do leito do estuário (pois não adianta andar a dragar onde não vão passar navios).
Iniciou-se recentemente um grande trabalho de dragagem do porto de Maputo no valor de 115 milhões de dólares de que temos as imagens em baixo.

FOTO 3
Uma draga moderna e suponho o navio auxiliar.
Cidade da Matola para as costas, resto do estuário 
com a saída para a baía para o fundo
Cidade de Maputo à esquerda, Catembe à direita

Como se pode ver os dois navios da dragagem na FOTO 3 estão um pouco ao largo e para poente=oeste do fim do cais. Essa zona mais ou menos corresponde ao ponto vermelho na imagem GE. Em relação a esse ponto a draga Matolla na FOTO 1 devia estar mais próxima da baía (para a direita na imagem GE, para o fundo na FOTO 3) porque em 1910 o Cais Gorjão era muito mais curto e não havia o cais de minério na Matola (a cidade, não na draga do mesmo nome!) que requeresse manter canal de navegação até lá, quer dizer para a esquerda na imagem do GE (poente=oeste) ou para as costas da posição da FOTO 3.

FOTO 4
Suponho o navio auxiliar da draga no estuário
FOTO 5
Vista com a Cidade da Matola pelas costas 
para o resto do estuário mais ou menos
 a partir donde está a draga moderna (ponto vermelho no GE).

Na foto de cima o canal a dragar para a baía fica em frente. A cidade de Maputo e a ponte de cais 
do seu porto estão à esquerda (para norte).

Informação de 1959
Uma nova draga Matola foi lançada à água em 1959.

Comentários

João Celorico disse…
Daquilo que posso informar, direi que o Cais da Matola, terá sido inaugurado, oficialmente, em Julho de 1965, aquando da visita a Moçambique, do então Presidente da República portuguesa, almirante Américo Tomás. O "Angola" foi o navio que esteve ao cais, apenas para assinalar esse momento.
Quanto ao assunto, Draga "Matola", da draga existente em 1910, não sei qual e quando foi o fim dela. Sei que em 1952, foi construída nos estaleiros da Sociedade Comercial Solma, Lda, para substituir a anterior. Porém em 1959, foram construídas, uma nova draga "Matola" e uma outra a "Búzi", no estaleiro naval da CUF. Segundo julgo saber, durante a guerra colonial, houve a ideia de afundar essa draga, no canal de acesso ao porto de Lourenço Marques ou da Beira. Penso que nada disso aconteceu mas, desta e da anterior nada mais sei.
Cumprimentos,
João Celorico
Rogério Gens disse…
Obrigado. Não sei se é corenete e/ou complementar ao que você diz mas tenho um conjunto de fotos antigas do Cais da Matola e que inclui a duma placa comemorativa que foi colocada numa rocha tipo dólmen na vertical e que tem os dados seguintes: A 24.7.1964 Américo Tomás visitou as obras de construção da instalação mecânica de carregamento de minérios e inaugurou o cais acostável. Essas fotos não mostram Américo Tomás e por isso serão posteriores a 24.7.1964 e mostram atracados os navios Shigeo Nagano, Inayama e Arica o qual devia estar a ser carregado com minério. Ao tempo dessas fotos ainda não havia a plataforma elevada que depois passou a haver ao longo do cais a qual deve ser a referida "instalação mecânica" que estava em construção em 1964. Ao tempo das fotos o carregamento dos navios era ainda feito com gruas separadas (DEMAG) e alimentadas por uma passadeira rolante, por isso estava-se numa fase inicial das instalações.
Tenho outro artigo sobre o Cais de Minérios da Matola aqui: https://housesofmaputo.blogspot.com/2017/09/porto-de-lourenco-marques-cais-de.html
João Celorico disse…
Grato pela sua resposta.
O que me fez vir aqui, foi a busca sobre uma draga "MATOLA". Fui surpreendido pela existência duma, construída em 1952 e fiquei a saber que já em 1910, haveria outra. Como participei na construção doutra, construída em 1959, fiquei curioso de saber mais alguma coisa.
Como também informei, embora tenha cometido um lapso relativamente à inauguração oficial do cais da Matola, foi em 1964 e não em 1965. Não tenho fotos nem posso lembrar realmente como estava o cais, com alguns armazéns. Só recordo que largámos do Cais Gorjão, cerca das 07.00h rumo e cerca 08.00/09.00, no cais apareceu o Presidente da República, em passo de corrida e retornámos ao Cais Gorjão.
Dei uma vista de olhos pelos links que me enviou e posso dizer que há uma incorreção quando, em "PORTO DE LM em funcionamento", onde se mostra uma foto dizendo que "O navio Angola da CNN da foto acima foi construído em 1948".... O facto é que este navio "ANGOLA", é o 3º deste nome e que em 1948, tomou o nome de "NOVA LISBOA". Portanto, esta foto é anterior a 1948.
Mais uma vez, o meu obrigado
JoãoCelorico
Rogério Gens disse…
Obrigado. De facto eu acabei por comprar essa foto desse artigo e ela é de 1937 por isso corrigi a tentativa de datação anterior, bastante errada por sinal.
No The Ship List encontrei informação sobre esse navio Angola em linha com a sua mas com o pormenor do nome ter sido mudado para Nova Lisboa em 1946, presumo que porque o novo Angola estivesse já em construção.
Quanto à draga Matola, o que você diz da construção duma em 1959 coincide com o artigo que coloquei ao fundo deste artigo e que refere 2 unidades do mesmo tipo inovador encomendadas à CUF para Moçambique (daí o nome Búzi para a outra draga que você refere ser plausível - é o maior rio que desagua na Beira por isso deve ter sido lá colocada).
Como você deve perceber muito mais do tema de portos e navios do que eu, se vir algo mais nos artigos sobre o porto que lhe mereça comentário eu agradecia.
João Celorico disse…
Grato pela sua resposta.
Acerca deste assunto, poderei dizer:
O terceiro, um navio construído em 1912 (lançado à água em 30 de Junho e entregue em Dezembro) nos Estaleiros John Cockerill, Hoboken, Bélgica, com o nome de “Albertville” (também já o quarto com esse nome), para o serviço da Compagnie Belge Maritime du Congo, era já um cargueiro de razoáveis dimensões, com 7.050 tons deadweight, 439,5 pés de comprimento, 55,7 pés de pontal e 37 pés de boca. Tinha acomodações para 164 passageiros em 1ª classe e 136 em 2ª; 2 propulsores; motor John Cockerill, Seraing, de 8 cilindros, 964 bhp, que lhe permitia atingir uma velocidade de 14 nós; dois conveses e um convés de abrigo.

Durante a 1ª Guerra Mundial, foi requisitado pelo governo britânico e utilizado como navio hospital no período de 1914/1915.
Só em 24/4/1923,quando foi adquirido pela CNN, recebeu o nome de “Angola” e após uma completa revisão nos estaleiros construtores, em 16/6/1923 deixou Antuérpia, rumo a Lisboa, ficando então ao serviço da companhia.

No ano dessa foto, 1937, desde Fevereiro a Novembro, o navio “Angola” esteve 8 vezes no porto de Lourenço Marques (4 na viagem ascendente e 4 na descendente).

A última viagem, como “Angola”, terá sido em Agosto de 1945 para ir a Timor, buscar militares e repatriados civis e:
No dia 13 de Fevereiro de 1946, dois dias antes da sua chegada a Lisboa, já se noticiava:
“ O “Angola”, o terceiro navio deste nome da Nacional, e que, quando era belga (1925), se chamava “Albertville”, já não sairá mais do Tejo com aquele nome. Passa a ser “Nova Lisboa”. O futuro “Angola” terá 17.000 toneladas.”

Quanto a portos, pouco saberei. Apenas posso informar que como fazendo parte da tripulação do “Angola”, entre 1963 e 1966, também estive na inauguração, suponho que oficial, do cais de Nacala, com a presença do Presidente do Malawi, dr. Hastings Banda.

Quanto a todos os navios “Angola” e aos construídos nos Estaleiros Navais da CUF, poderei dizer mais alguma coisa.
A draga de sucção “Búzi” (idêntica à “Matola” e construída ao mesmo tempo), destinada a operar em Moçambique, nos anos 60 durante a guerra colonial quando, juntamente com outra draga, procedia à operação de dragagem dum canal, suponho que no porto da Beira, chegou a ser posta a hipótese de ser provocado o seu afundamento em caso de necessidade de defesa.

João Celorico
Rogério Gens disse…
Obrigado. Sobre o que refere da Búzi poder ser afundada presumo que fosse hipótese colocada em 1965, quando a Rodésia declarou unilateralmente a independência, contra a vontade do RU.
Portugal apoiou a Rodésia e o RU pensou em desembarcar para tomar o porto da Beira que era vital para o abastecimentp da Rodésia por exemplo em combustivel.
Por fim o RU decidiu fazer só um bloqueio ao porto da Beira e por isso afundar a draga para atrasar o desembarque não foi necessário.
E por fim segundo o blog em baixo parece que Portugal resistiu mesmo ao bloqueio e o RU optou por abandoná-lo, mas seria necessário confirmá-lo. Entretanto a Rodésia também podia ser abastecida pelo lado da África do Sul e por LM e linha do Limpopo pois esse lado não foi bloqueado.
https://pinderico.blogspot.com/2018/05/beira-mocambique-1965-cont.html