Livro "Maputo Architectural and Tourist Guide" (2/2) - análise final

Complementando a mensagem anterior sobre livro "Maputo Architectural and Tourist Guide" do Dr. Philipp Schauer, digo que quase não se nota que o Dr. Schauer é completamente estrangeiro e reside na cidade de Maputo há pouco tempo, em termos de nomes, noção dos lugares, das ligações entre eles, dos seus aspectos sociais e acontecimentos relacionados. Quer dizer que o Dr. Schauer apreendeu rápidamente o essencial do presente e do passado, que teve boas fontes e que teve tempo para conversar com elas. Mas como é natural achei alguns pontos fracos que anotei na mensagem anterior. Os pontos em que tenho maiores reservas dizem respeito a duas referências históricas, sociológicas e económicas no livro.

Ponto A. Escreve o Dr. Schauer "Independence at last allowed the Africans to roam the town at will and without fear" - pag 11 - o que quer dizer "A independência por fim permitiu aos africanos circular na cidade à vontade e sem medo".
Ao ler isto lembrei-me duma foto que tinha visto no Facebook Alto-Maé, que pelos modelos de carros estacionados suponho ser de cerca de 1965, dez anos antes da independência de Moçambique. Mas este é só um exemplo e eu próprio ao ver agora fotos antigas fiquei surpreendido com a grande presença de africanos a "circular na cidade colonial", em que na altura e ao vivo não reparava. 
Meados dos anos 60, cidade de Lourenço Marques (LM), bairro do Alto-Maé,
 actual Avenida Mondlane do outro lado da escola primária.
Temos aqui posando para a foto crianças "europeias" e por trás a ver as montras temos quatro jovens africanos. Óbvio que há um mundo de diferenças entre os dois grupos em termos económicos, educativos, sociais, culturais, etc mas o que é para aqui chamado é o "poder circular na cidade" (se tivesse sido dito pelo Dr. Schauer "residir na cidade" não havia este reparo do HoM, mas isso por si só seria tema para um livro ...). 
Vê-se que os africanos na foto não estão a afectuar qualquer trabalho ou a dirigir-se para ele ou para a escola, quer dizer estão em lazer e com toda a liberdade. Assim suponho que o Dr. Schauer se tenha enganado ou nas datas ou no lugar a que se referia porque a partir de 1961 (com Salazar como Presidente do Conselho de Ministros e Adriano Moreira como ministro português do Ultramar) quer dizer CATORZE anos antes da data que o Dr. Schauer indica, todos os cidadãos portugueses passaram a ter o direito a fixarem-se e circular em todas as parcelas do território nacional. Como os, por exemplo, quatro jovens africanos da foto deviam ser cidadãos portugueses de pleno direito, qualquer restrição aos seus movimentos seria ilegal, a menos que tivesse sido decidida em tribunal e o sistema policial ou judicial não ia perder tempo com "pessoas comuns". Por isso à atenção do Dr. Schauer, se a independência trouxe muitas coisas novas, a liberdade de circular não foi uma delas porque já existia para todos ou digamos para 99.9% dos habitantes da na altura Província de Moçambique e isso desde 1961. 
E ao dizer isto relembro que o HoM não pretende ser o tribunal do colonialismo/colonização ou dos antis. Óbviamente que ao mostrar as belas ruas, as belas casas, os belos jardins, as escolas, os hospitais, os caminhos de ferro, os portos, os aeroportos, as fábricas, etc. o HoM está a mostrar o que é normalmente considerado o "lado bom" da colonização (tema subjectivo por ele próprio). O "lado mau" que também existiu não transparece aqui pois era mais escondido, menos físico e menos fotografável (mas também como já há gente que chegue a propangandear o lado mau, vai-se assim repondo algum equilíbrio na "narrativa").

Ponto B. A menção no livro a vários personagens ilustres da vida económica colonial tem muito interesse porque não a vejo noutros lados. O Dr. Schauer fá-la geralmente de forma neutra ou ligeiramente glorificadora, o que aparece em contradição com a sua visão mais geral sobre o passado, mas há uma grande excepção no que respeita a Paulino dos Santos Gil (PSG) que é básicamente rotulado de explorador de trabalho africano. Não posso avaliar essa acusação e sei que prisioneiros em parte eram utilisados pelos empreiteiros de construção civil, mas o Dr. Schauer talvez desconheça que PSG foi na monarquia jovem lider republicano o que na altura se identificava com ideais progressistas sobre a pessoa humana. Se PSG tinha sido assim e se mudou depois com a idade ou não, não sei, mas o principal a meu ver é que em contraponto a PSG, o Dr. Schauer faz referência sem reparos à familia Buccellato que eram concorrentes de PSG. Será que PSG e os Buccellatos podiam competir pelas mesmas empreitadas públicas ou privadas sem usar o mesmo tipo de "recursos humanos"? Foram os dois tratados equilibradamente no livro? Questões que me coloquei como leitor, e que são importantes não só para a história mas porque há memórias familiares e reputações em jogo.
Um convite a alguém para escrever num novo jornal republicano 
em LM no tempo da monarquia. Com cerca de 24 anos
 PSG assinando como secretário republicano
Depois destes dois pontos e para concluir fazendo o paralelo com o HoM, o Dr. Schauer pode devido à residência e também ao seu estatuto ir aos locais e falar com pessoas ilustres, profundamente conhecedoras de pormenores arquitectónicos por exemplo de interiores de edifícios e experientes que lhe poderam dar detalhes do que existe e aconteceu. Isso faz a diferença comparando com o pobre HoM que é feito à distância, em modo "solo artist", a olhar para fotos encontradas por acaso na net e sem muito tempo/paciência para ler textos.
Outra diferença é que o livro interessa-se por edifícios recentes e por temas culturais e artísticos mais abrangentes por um lado e mais moçambicanos "de raíz" por outro, que o HoM deliberadamente não cobre.  
Como disse na mensagem anterior o livro "Maputo Architectural and Tourist Guide" do Dr. Philipp Schauer é altamente recomendável pois os pontos negativos como os que acima mencionei passarão despercebidos à esmagadora maioria dos leitores potenciais. 
O livro pode ser adquirido nas livrarias de Maputo e também com o distribuidor Kapicua, Rua Fernão Veloso no. 12, Tel.: 00258 823219950, kapicuacom@tdm.co.mz. 
Do mesmo autor rxiste também outro livro do mesmo tipo: "Mozambique, Arquitectural and Tourist Guide" sobre a arquitectura no resto do pais.

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