Fortaleza - imagens do exterior e os conceitos da reconstituição (4/8)

Quarta mensagem da série de que se pode relembrar aqui a terceiraCombino fotos mais ou menos recentes com outras a preto e branco do livro Xilunguíne de Alexandre Lobato de 1968 do exterior da Fortaleza. E dou mais informação porque tento responder à questão sobre se o que existe é históricamente fidedigno ou não.
Porta norte da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição 
de Lourenço Marques, actual Maputo nos anos 50/60

Nas fotos actuais começo pela vista completa da fortaleza com a muralha norte em primeiro plano. Ao centro dela está a porta norte que era a única inicialmente (e que era protegida por um fosso) e que agora é a mais pequena e menos usada pois mais tarde criou-se a porta oeste (duas fotos de Yves Traynard usadas nesta mensagem são de cerca de 2006): 
Vista para sul a partir do Prédio Fonte Azul
Muralha norte com os baluartes de cada lado  e com a porta norte ao centro. 
Para as cores ver correspondência em baixo.

Comparando a foto com os desenhos do ante-projecto podemos ver que com excepção do previsto aí para o acesso à porta norte, para a abertura da porta na muralha oeste e para a altura da muralha sul, a fortaleza actual pelo menos a traços largos corresponde ao anteprojecto. Outra questão é se o ante-projecto corresponde ao forte original o que é brevemente analisado em baixo. Temos nesta montagem os desenhos seguintes
à esquerda: a perspectiva em vista para sudeste; 
à direita: a planta com o norte em baixo e o sul em cima.

Ante-projecto do Arq. Areal Silva de 1945

Cores equivalentes às usadas na primeira mensagem e na foto de cima:
Laranja: baluarte leste = nascente
Rosa: baluarte oeste = poente
Roxo: muralha face 
oeste = poente, virada para a praça actual 25 de Junho
Vermelho:
muralha face sul. Pelo desenho deveria ser mais baixa do que ficou 
porque o arq. considerava que nunca esteve à altura das outras.

O arq. Areal Silva que foi responsável por muitas das reconstruções de monumentos na década de 40 em Portugal europeu escreveu um relatório que continha o ante-projecto de que apresento aqui um resumo. O seu objectivo seria manter a estrutura geral de traçado e elevação (altura) e o carácter da obra da fortaleza, o que segundo ele não seria difícil pois em 1940 subsistia muito da construção inicial: a muralha norte com os dois baluartes perfeitamente definidos; as muralhas este e oeste e o muro a sul. A opinião do arq. era de que a muralha sul desde a construção só tinha tido acima do nível do pátio interior a altura necessária para "as plataformas da bateria" (conjunto de peças de artilharia) e merlões (porção de muro entre duas ameias de uma fortaleza) e essa parte tinha desabado tendo assim restado dela só muro para baixo até à praia. 
Este relatório foi escrito em 1945 na fase de sub-projecto pelo que mais sondagens e estudos iriam ser feitos antes e depois do início do trabalhos, mas o arq. considerava que a reconstituição (essa era a palavra principal por ele usada, significa ficar aproximadamente como tinha sido inicialmente) parecia simples tendo em conta o que existia e as sondagens já feitas. Tinha havido muitas alterações desde a primeira construção e não havia desenhos contemporâneos delas havendo sómente informação descritiva mas pouco clara e as fotos mais antigas eram de cerca de 1890. Nestas condições o arq. dizia que não seria possível rigor absoluto porque para além do mais a construção da fortaleza não tinha obedecido às regras da arquitectura militar portuguesa mas tinha sido determinada pelas necessidades locais. Assim não se podia fazer uma restauração (ficar exactamente como tinha sido inicialmente) porque por exemplo o interior e alguns pormenores do que teria sido o original só podiam ser reproduzidos aproximadamente, nesta caso com base noutras fortalezas em Moçambique.  
Com estes dados acho que se pode concluir que a fortaleza actual, embora inclua em parte a reconstrução do destruido e deteriorado e a correcção do modificado, está no local e respeitou tanto quanto possível o original. Naturalmente a referência não foi a do primeiro forte de madeira e barro mas a da primeira construção em pedra que segundo o arquitecto já existia em grande parte em 1787 (mas Alfredo Pereira de Lima diz que a fortaleza de pedra é de 1811).  
Um elemento exterior que é bem visível se perdeu em relação ao que terá existido inicialmente foi o fosso de protecção à porta norte e sobre esses aspecto falaremos mais específicamente noutro artigo.
Quanto ao atingir-se a fidelidade na reconstituição o historiador luso-moçambicano Alexandre Lobato discordava do Arq. Areal Silva dizendo por exemplo que o acabamento a pedra final era fantasioso pois as muralhas originais eram cobertas a cal. Parece-me que AL se referia à situação que ele conhecia dos anos 30 - 40 em que as muralhas laterais tinham passado a ser parte das casernas mas pelo que aqui se vê na sétima foto os baluartes eram em pedra, pelo que não era uniforme. E relembramos que o objectivo do Arq. Areal Silva foi reconstituir a situação inicial não o que se via nos tempos mais recentes. 
As diferenças principais para o original parecem então ser a já referida falta do fosso à frente da muralha norte, a muralha sul que ficou mais alta do que provávelmente tinha sido e o haver agora uma porta a oeste que não existia originalmente (deve ter sido aberta em 1864 e quando a fortaleza foi reconstituida deve ter-se achado que já não era conveniente fechá-la só para manter o rigor histórico). 
Porta norte (pequena) a meio da muralha norte

Num próximo artigo falaremos mais desta porta.
Observamos agora o baluarte a nordeste, que ficaria para a esquerda na foto de cima:
Baluarte a nordeste, porta norte para a direita
Baluarte a noroeste cerca de 2006, porta a norte para a esquerda
(foto tirada do Prédio Fonte Azul, aí à direita com a fortaleza à esquerda)
Porta oeste (nova), com parte do baluarte a noroeste à esquerda.

Por fim a muralha do lado da Fortaleza que era inicialmente banhado pelas águas do estuário:
Muralha sul que provávelmente nunca foi tão alta 

Sublinho que para o arquitecto Areal Silva a referência para a reconstituição era a fortaleza inicial. Por isso ele teve que analisar o que existia à vista ou escondido efectuando sondagens. A partir daí teve de estimar o que tinham sido os acrescentos feitos depois de 1790 para os excluir e, no sentido oposto, o que teria desabado e/ou sido demolido expressamente para os poder adicionar ao existente, durante os cerca de 150 anos decorridos entre 1790 e 1940. Por exemplo em relação à muralha sul para a reconstituição era irrelevante para o arquitecto a altura que ela tivesse tido a qualquer momento, o relevante era a sua altura inicial. Como durante o pré-projecto ele achava que ela nunca tinha sido muito mais alta do que o nível da parada/pátio da fortaleza (os canhões estavam numa plataforma pouco acima desse nível e haveria entre eles ameias de cerca de 1 m de altura para proteger os artilheiros) não sei porque foi reconstruida, como se pode ver em cima, no que constitui a alteração mais relevante ao inicialmente previsto. Mas pode ter acontecido o arq. com mais tempo para estudos tivesse mudado de opinião sobre o que teria aí existido depois do pré-projecto ou pode ter havido outra razão. 

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