Nova foto de aviões, pilotos e duas companhias aéreas pioneiras de Moçambique

A primeira foto vem do livro de Alfredo Pereira de Lima (APL) "História dos Caminhos de Ferro de Moçambique" que faz parte das colecções da Biblioteca Pública Municipal do Porto. Este livro faz referência à aviação porque a primeira grande companhia aérea de Moçambique (DETA) foi criada pela empresa dos Caminhos de Ferro que construiu também parte dos aeródromos dessa antiga colónia e depois província portuguesa do ultramar.

FOTO 1
Legenda original (errada): campo de aviação da Carreira de Tiro
Como explicámos aqui campo de aviação da Carreira de Tiro foi o primeiro na cidade de Lourenço Marques (LM) actual Maputo. Foi originalmente militar mas funcionou também para uso civil, público até 1938 e com o aero clube por mais algum tempo. Nessa mensagem viam-se fotos do campo com a Cadeia Civil ao fundo, que era um grande edifício que não se vê na FOTO 1. Então esta teria sido tirada numa direcção quase oposta à Cadeia Civil e por isso ao fundo seria a zona militar que ia desde a Rua da Nevala, actual Nkrumah até à continuação da Av. Pero de Alenquer para norte, a antiga Rua Gen. Teixeira Botelho. Mas como veremos adiante a FOTO 1 é anterior a Julho de 1933 e mesmo nos anos 40 essa zona estava menos desenvolvida do que aí se vê, como se tenta mostrar na montagem seguinte.


 MONTAGEM 1
Vermelho: onde estiveram as pistas do campo da Carreira de Tiro
Verde: seria onde na FOTO 1 estariam estacionados os aviões
Preto: Cadeia Civil
Castanho escuro: Rua da Nevala
Castanho claro: Rua 
Gen. Teixeira Botelho
no prolongamento da Av. Pero de Alenquer, actual Cabral

Rosa, amarelo e azul: zona militar nos anos 40, ver em baixo
Os traços rosa, amarelo e azul seriam as linhas de construções da zona militar que poderiam ser vistas do meio do campo de aviação nos anos 40. Ora a disposição dos edifícios ao fundo da FOTO 1 não é semelhante à dessas linhas e não encontro nenhum deles que seja comum. Para mais essa zona militar mais próxima que se vê na MONTAGEM 1 e que como se vê veio ocupar em parte terreno liberto pelo campo de aviação, no principio dos anos 30 quase que não existia. Assim tudo aponta para que a FOTO 1 seja dum campo de aviação não da Carreira de Tiro mas dum local mais desenvolvido do que LM. 
Por isso não podemos dar crédito à legenda do livro mas como a foto se relacionaria duma forma ou doutra com Moçambique merecia mais atenção. Contactei então Luisa Hingá e Comandante Vilhena do site especializado Voando em Moçambique (VeM, facebook aqui), que têm outra versão da foto e tiveram a amabilidade de comentar que o aeródromo podia ser sul africano, em linha com a dúvida sobre a legenda que levantei em cima. 
Relativamente aos aviões temos a seguinte informação que foi inserida pelo VeM na foto:

FOTO 1 com marcas
à esquerda: hipóteses do VeM, seria CR-MAA ou MAB ou avião sul africano
E com um pouco de esforço vê-se na foto:
ao meio: avião baptizado CHAI CHAI
à direita: avião baptizado GAZA II
Temos então três aviões biplanos de dois lugares e os dois de que vemos os nomes são de Moçambique. O GAZA II que se vê à direita é o CR-MAF que era um DH 60 GIPSY MOTH do fabricante De Havilland (DH) e pertencia a Armando Vilhena Torre do Valle o considerado "pai da aviação civil Moçambicana". Podemos confirmá-lo com a FOTO 2 tirada curiosamente em posição semelhante mas num local diferente. 

FOTO 2
Foto VeM: CR - MAF GAZA II - DH 60 GIPSY MOTH de Torre do Valle
É por este avião ter sido destruído por acidente em Julho de 1933 que dissemos em cima que a FOTO 1 só poderia ser dessa data ou anterior. 
O avião CHAI CHAI a meio da FOTO 1 e de registo CR-MAC era do futuro comandante Manuel Maria Rocha, um avião originalmente sul-africano mas que foi recuperado por ele depois de grave acidente. Como se pode ver é semelhante aos outros dois com excepção de ter a cabeça do motor visível onde os outros têm entradas de ar e era um DH 60 CIRRUS MOTH
O avião à esquerda da FOTO 1 parece ser também um DH 60 GIPSY MOTH como o GAZA II e daí a possibilidade de ser também um dos dois primeiros luso-moçambicanos CR-MAA ou MAB (ver aqui artigo do Comandante Vilhena). Não é de estranhar que os três aviões fossem fabricados pela DH porque essa grande companhia aeronáutica inglesa tinha uma sucursal na África do Sul. 
Quanto aos nomes dos pilotos da FOTO 1 podemos primeiro ver a seguinte ampliação:

FOTO 3 (ampliação da FOTO 1)
Pelo menos três pilotos na FOTO 1, em Julho de 1933 ou antes
Confirmado pelo VeM que tem dele um grande espólio (ver aqui no FB), Torre do Valle é o piloto à esquerda. Há a descrição de que era alto e magro e que tinha 45 anos em 1933 o que parece ajustar-se, para além da presença na proximidade do seu avião GAZA II. 
De Manuel Maria Rocha (outro artigo no VeM), que seria provável aparecesse na FOTO 1 devido à presença do seu CHAI CHAI, temos duas boas fotos mas nenhum dos pilotos da FOTO 1 parecia ter a sua cara arredondada: 

MONTAGEM 2
Comandante Rocha cerca de 1931 e cerca de 1947
 (Fotos Voando em Moçambique)
Assim a nova informação confirmada da FOTO 1 é mostrar o avião GAZA II e o seu piloto Torre do Valle e o avião CHAI CHAI de M.M. Rocha. A ligação entre os dois pilotos e as referências comuns nos nomes dos aviões a essa zona que fica uns 200 km a norte da capital Lourenço Marques, vêm de Torre do Valle ter aí sido o fundador do pioneiro Aero Clube e de MM Rocha que aí residia ter sido dos seus primeiros alunos.
Segue-se mais info sobre o que é sumarizado em cima, 95% seguindo o VeM e particulamente as publicações dos Comandantes Vilhena e Primavera:
1. Torre do Valle foi o grande pioneiro da aviação em Moçambique e que se celebrizou por com um monoplano DH PUSS MOTH, registado CR – MAG e baptizado GAZA III, ter em Abril de 1933 voado com escalas do Chai-Chai a Lisboa e Londres. Faleceu em acidente de caça, feita a pedido das autoridades em 1937;
2. Um seu jovem discípulo no Xai-Xai, auto didacta e futuro comandante da DETA, SABENA, TAP e SATA foi Manuel Maria Rocha. Os dois e o também brevetado Alfredo Santos Gil fundaram no início de 1933 a primeira companhia aérea de Moçambique e a primeira de capital nacional a operar em Portugal, a AERO COLONIAL;

3. Os aviões da AERO COLONIAL foram os seguintes (mas há certa informação imprecisa): 


Aviões da AERO COLONIAL (Voando em Moçambique).
Frota combinava os aviões particulares dos sócios com um adquirido
Os dois primeiros aviões são duas das possibilidades para serem o avião à esquerda na FOTO 1 que podia por exemplo ter resultado duma deslocação comum à fábrica DH. O GAZA II talvez não esteja na lista por ter sido destruido ainda a companhia não tinha seis meses. Noto que foi com o quarto avião da lista, o CR-MAG com modificações, que Torre do Valle voou para a Europa e temos aqui uma boa foto dele provávelmente num aereporto desse continente (origem arquivo da Torre do Tombo em Portugal).


FOTO 4
DH PUSS MOTH de Torre do Valle, registado CR – MAG e baptizado GAZA III em 1933

Do último da lista de aviões da AERO COLONIAL que era um WACO UEC (CR-MAH) e o único de 4 lugares podemos ver aqui um exemplo em detalhe:  


MONTAGEM 3
Modelo UEC da fábrica WACO igual ao da AEROCOLONIAL. 
Foram construídos 40 por este produtor norte americano.
Há uma foto do WACO da AERO COLONIAL, que reproduzo com a devida vénia do VeM, tirada no campo da Carreira de Tiro:

FOTO 5
Em primeiro plano o WACO UEC e depois o monoplano CR-MAG GAZA III
(não devia ser o CR-MAC pois esse era biplano)
4. A AERO COLONIAL encerrou em 1936 porque esperava obter o contracto do governo de Moçambique para o transporte de correio inter-urbano que não se concretizou e as receitas do tráfego de passageiros não eram suficientes. Os seus aviões de dois lugares e cabine aberta eram adaptados a esse objectivo e até podiam levar correio a terras que não tivessem pista largando a mala do ar, ainda que nesse caso o correio "de volta" levasse o longo tempo habitual. 
5. Em 1937 foi a Manuel Maria Rocha que os CFM (Eng. Pinto Teixeira) recorreram para organizar a DETA e ser o seu primeiro piloto no final do ano (Torre do Valle falecera pouco tempo antes). O Comandante Rocha veio depois a ser o primeiro piloto da linha da TAP ligando Lisboa a Moçambique.

FOTO 6
Comandante Rocha na TAP na linha Imperial para Luanda
A segunda foto do citado livro "História dos Caminhos de Ferro de Moçambique" reproduzida a seguir é da aerogare de Mavalane em LM. Como se conclui ser a mesma desta mensagem tem valor acrescentado nulo.


FOTO 7
Primeira aerogare de Lourenço Marques em Mavalane
No VOE as matrículas completas da frota da DETA aqui.

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