Caminho de ferro entre Lourenço Marques e Pretória - da Baixa até antes do Infulene

Continuando com base na informação geral do primeiro volume da obra de Alfredo Pereira de Lima (APL) História do Caminho de Ferro em Moçambique mas principalmente baseando-me nas extraordinárias fotos de C.S. Fowler.
O contrato de concessão da linha férrea de Lourenço Marques (LM, actual Maputo) à fronteira com a África do Sul foi assinado com o Coronel McMurdo em 1883. O prazo de execução era de 3 anos para a linha estar pronta em 1887. Seria de via única excepto nas estações, a bitola seria a estreita que é usada em quase toda a África do Sul (bitola do Cabo de 1,070 mm  = 3 ft 6 in) e a companhia tinha o exclusivo de caminhos de ferro 100 km para cada lado da linha e dentro do distrito de LM.
McMurdo teve muita dificuldade em arranjar capital/financiamento e no final de 1885 ainda não tinha iniciado os trabalhos. Pretória fez pressão sobre Portugal e McMurdo não viu inconveniente em que o Estado os iniciasse. Disso foi encarregado o Major de engenheiros António José de Araújo em decisão de 18 de Maio de 1886 e começou em 2 de Junho de 1886. Para celebrar a construção a data de 18 de Maio foi dada ao nome da avenida entre o porto e a cidade, que depois passou a 28 de Maio e agora é M. de Inhaminga. Suponho também que terá sido pelo mesmo motivo que a rua a ela paralela para o interior da urbe, a antiga dos Rua dos Mercadores, se tenha passado a chamar dois anos depois Major Araújo, agora Bagamoyo (segundo a nota da CGD sobre a filial do BNU foi em 1888 que essa rua "adquiriu o topónimo de Rua Araújo, alterada posteriormente para Rua do Major Araújo"). Dois dados cruciais no desenvolvimento da cidade actual que foram entretanto atirados para as poeiras do esquecimento.
No livro de APL é dito que o trabalho orientado pelo Major Araújo até Janeiro de 1887 tinha atingido 30 km de extensão, o que corresponde desde a estação de Maputo até cerca da estação / apeadeiro de TengaO trabalho feito pela equipa de Araújo foi de movimento de terras (escavações ou trincheiras e aterros) sempre necessários nas linhas férreas para que os seus declives sejam limitados e as curvas poucas e pouco pronunciadas (fiquei na dúvida se o trabalho de Araújo incluiu o assentamento dos carris, o que implicava a colocação do balastro de pedra sobre o terrapleno de terra e das travessas de madeira por cima).. 
As obras de arte (pontes, aquedutos, etc) para a linha foram deixadas para depois mas suponho que foi erigido por Araújo o muro de protecção na parte inicial da linha junto ao estuário e que passou a formar o novo dique para impedir entrada de água do estuário para o interior. McMurdo só em Fevereiro de 1887 contratou um empreiteiro e em 17 de Maio de 1887 este tomou conta do trabalho do major Araújo e iniciou o trabalho próprio. McMurdo deve ter rembolsado o Estado pelos trabalhos executados, por isso nesta fase havia boa cooperação entre o concessionário que tinha reconhecidas dificuldades e Estado que tinha grande interesse em ver a linha a funcionar rápidamente. Para dar uma ideia em média assentavam-se 800 metros de carris por dia pelo que 4 meses seriam suficientes para a distância entre LM à fronteira (enquanto se construiam as estações e apeadeiros) mas antes era preciso executar os movimentos de terras e construir as pontes que eram trabalhos mais demorados. Com o esforço final de McMurdo e seu empreiteiro a inauguração (provisória segundo Portugal) da linha aconteceu em Dezembro de 1887 dentro do prazo.
Voltando aos trabalhos iniciais em LM, segundo Lisandra Mendonça desde 1851 estava planeada a construção dum muro ao longo do estuário para cortar a entrada do mar no pântano/lagoa. Mas para esse efeito um primeiro dique junto ao estuário e com cerca de 1 200 m de comprimento a partir da ponta a oeste da ilha inicial foi só construido entre cerca de 1877 e 1880 o que permitiu que o pântano para o seu interior começasse a ficar enxuto.  
Todavia na zona de cais ao lado da Baixa era preciso obter-se espaço para colocar o caminho de ferro e os seus armazéns. Decidiu-se então que a construção da linha de caminho de ferro serviria também para esse fim junto à Baixa e que para montante ficaria para o exterior do dique existente e que ofereceria protecção (à entrada de água do estuário no pântano) numa distância muito maior do que o primeiro dique. 
A FOTO 1 é ainda na zona da baixa e vê-se que a linha se está a construir uns 40 metros (em média, segundo Alfredo Pereira de Lima) a sul da margem do estuário (na maré cheia) que ficava junto aos armazéns à esquerda. Quanto à posição da FOTO 1 em relação à fortaleza, o melhor ponto de referência na zona litoral da Baixa, ela vê-se ao fundo por trás do grupo  de locais e por isso estariamos talvez na direcção da Rua da Mesquita no eixo leste - oeste e a uns 50-60 metros para sul da linha que parte da muralha sul da fortaleza para oeste. A distância a que o novo muro (de protecção ou revestimento) da linha de caminho de ferro ficou do dique inicial (que ficava mais junto à praia) não se consegue ver na FOTO 1 que é possível seja duma zona ainda dentro da "ilha" inicial onde não se tinha feito o dique inicial. 

FOTO 1
à esquerda: fachada da frente de armazéns virados para o estuário
que estariam cerca da actual Av. Inhaminga onde era a praia na maré cheia
ao fundo: um baluarte externo a sudoeste da fortaleza e esta por trás 

com janelas e a porta como era em 1886 (ver FOTOS 2 e 3 à direita)
ao centro: carris de linha decauville para as obras
ao centro direita: pedras e estacas que penso 
serviram 
de estrutura para um dique como veremos em baixo.  

A legenda da FOTO 1 diz: trabalhos de construção entre a origem e o ângulo nº1 - estancaria para defesa do muro de revestimento.
Na FOTO 2 suponho que por baixo estaria uma estrutura como se via na FOTO 1 que se tivesse preenchido com terra e pedra. Estava aqui erguido um dique bastante longo e alto no estuário. 
 
FOTO 2 
Foto deve ter sido tirada na mesma direcção da FOTO 1 pois vê-se 
a margem sul do estuário (Catembe) paralela ao dique à direita.


A legenda da FOTO 2 diz: Trabalhos de construção na curva do ângulo nº1. Vê-se o ponto em que o dique que vem na direcção de "NW" atinge terra firme para fazer a curva para "W" e à sua esquerda está o que tinha sido parte do estuário e que estava agora separada do resto e para ser aterrado  em breve.
Aqui parece que o dique seria acabado em terra mas nalgumas partes numa fase posterior a sua superfície seria revestida em pedra para protecção de erosão pela água do estuário (daí o "muro de revestimento" referido na legenda da FOTO 1). 
Já se via parte desse paredão na FOTO 2 da mensagem indicada em cima pelo que essa foto é provávelmente posterior às que se mostram aqui.  Parece que a linha de caminho de ferro foi assente onde estão os trabalhadores tendo o aterro para a esquerda sido completado depois. Pela legenda da FOTO 2, era por esta zona que a linha fazia o primeiro ângulo a flectir para o interior e de facto a FOTO 3 seguinte que fala já do ângulo 2 é claramente em terra firme afastada do estuário e até com elevações. Suponho que a FOTO 3 foi tirada da barreira da Malanga olhando para onde agora é o porto por trás da estação, vendo-se a linha a afastar-se do estuário para se aproximar da barreira fazendo o percurso na diagonal. Veremos isso melhor num mapa em baixo.

FOTO 3
Colina escavada e provávelmente terra/areia usada para aterro da passagem que se vê ao fundo, que deve vir do início da linha porque se vê água distante à direita.

A legenda da FOTO 3 diz: vista da linha no alinhamento 1-2 tirada do 1º acampamento próximo do ângulo 2.  
Como se pode ver na FOTO 3 e confirmar-se na 4 a linha tinha aqui passado da zona plana junto ao estuário para junto da barreira entre a baixa e a alta da então vila de LM (passou a cidade em Novembro de 1887, pouco antes da inauguração da linha): 

FOTO 4
Mais escavações e aterros já a certa distância do estuário 
visto à esquerda para sudoeste.  

A legenda da FOTO 4 diz: vista da curva do ângulo 2 tirada do 1º acampamento
As FOTOS 3 e a 4 são assim próximas do ângulo 2 e devem ter sido tiradas do alto da barreira da Malanga de dois pontos próximos de onde foi instalado o  acampamento. Na FOTO 3 olhava-se para sudeste, na FOTO 4 para oeste, aproximadamente. 
Penso que posso localizar como/onde foram tiradas estas quatros fotos. O mapa é de 1904/06 o que é já um pouco distante do ano de 1886 da construção da linha em termos de aterro de pântano, mas penso que na zona das FOTOS 3 e 4 (ângulo 2) não tinha havido alteração e na zona das FOTOS 1 e 2 é fácil reconstituir a situação inicial. Mostro também como era o estuário antes de se fazerem aterros posteriores aos tornados possíveis pela  construção da linha em 1887.
Preto: fortaleza, via-se ao fundo da FOTO 1
Vermelho: onde foi a linha original das FOTOS 1 e 2
antes de ser feita a nova estação de caminhos de ferro
Carmesim: paredão à direita do dique das FOTOS 1 e 2 

(suponho que era só revestimento do dique, não era muro separado)
Laranja: ângulo 1 da linha original
Amarelo: ângulo 2 da linha original

Azul: Av. da República, actual 25 de Setembro
Castanho: barreira do Alto Maé e Malanga
Roxo: quartel do Alto Maé
Verde: Av. 24 de Julho e prolongamento posterior para a estrada de Lhanguene

Para o fundo da FOTO 3 era ainda mato e pântano parcialmente em drenagem e foi depois por aí que se construiram as oficinas e estação nova dos caminhos de ferro e muito mais linhas férreas que estão no mapa. Para a direita mais próxima da FOTO 3 era pântano e construiu-se aí depois o cais das estâncias e a ponte holandesa mais para o fundo. Neste traçado da linha férrea original o ângulo 2 devia ser junto à barreira e um pouco antes donde nos anos 40 surgiu a Praça dos Pioneiros no prolongamento da Av. 24 de Julho. Essa posição para o ângulo 2 coaduna-se com o que se vê na FOTO 4 ao fundo à esquerda, que dava ideia de se estar a cerca de meio caminho entre o início na Baixa (posição da primeira estação aqui) e o lado leste = nascente do vale do Infulene.
Em relação à FOTO 5 que se segue, é na mesma zona das fotos de cima pois refere o alinhamento 1-2 (o mesmo da FOTO 3) mas torna-se difícil posicioná-la exactamente porque não se sabe qual o ângulo. Acho que alinhamento 1-2 quer dizer a "recta que fica entre os ângulos 1 e 2" e suponho que se esteja aí no ângulo 1 e por isso estaríamos um pouco adiante do ponto da FOTO 2 mas rodando 135 graus para a esquerda (no sentido contrário aos ponteiros do relógio) em relação a ela. Estaríamos assim na FOTO 5 a olhar para a recta da FOTO 3 mas no sentido oposto e daí o ver-se a barreira para a direita. Mas pode ser noutro local entre a baixa e o Infulene o que não é crítico pois a intenção desta mensagem é mostrar genéricamente os trabalhos iniciais executados pela equipa do Major Araújo.

FOTO 5
Trabalhos atravessando uma zona baixa e arenosa. 

A legenda da FOTO 5 diz: Vista da linha no alinhamento 1.2 tirada das proximidades do ângulo nº. Penso que ela deve ser oposta à FOTO 3, a linha deixando a proximidade do estuário a caminho da barreira da Malanga que se vê ao fundo vinda da direita.
Um ponto a notar na FOTO 5 é que aí deve estar-se na preparação inicial dos traballhos. Mesmo se nesta zona não houvesse grande entrada de água do estuário ela era pantanosa e por isso a linha tinha de ser elevada por um muro, para além dele ir também servir como dique para se secar e aterrar o terreno que ficava para a direita da linha.
As primeiras fotos do vale do Infulene para onde esta linha se encaminhava e referências a ele aparecerão na continuação desta mensagem.
É importante notar em relação ao mapa de 1904/06 que quando mais tarde se aterrou a zona onde está escrito ângulo 2 e que tinha sido até aí estuário/pântano para se formar o recinto do porto e caminhos de ferro para sul dai apareceu uma estrada entre a linha e a barreira. Seria possivel que esta linha para o Transval nessa zona fosse deslocada para mais longe da barreira mas parece-me que se foi necessário se escavou um pouco mais a barreira para se instalar a estrada das estâncias, que ficou entre o limite murado a norte do recinto do porto e zonas de pântano e barreira a norte dela. Ver bem esta zona aqui em fotos aéreas.
NOTA: definições de engenharia civil - hidráulica marítima - dique: possui as duas extremidades na terra; quebra-mar: possui as duas extremidades dentro de água; molhe: possui uma extremidade na terra e outra no mar. 

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