Caminho de ferro entre Lourenço Marques e Pretória - o muro de protecção da linha e a evolução do cais
Na FOTO 1 voltamos às fotos de C.S. Fowler e à zona onde vimos os trabalhos iniciais da construção da linha férrea na Baixa de Lourenço Marques (LM), actual Maputo em meados de 1886. É no entanto numa fase muito mais avançada da construção, segunda metade de 1887, pois estão os carris colocados e a locomotiva e vagões, que teriam de ter sido desembarcados, prontos a partir.
FOTO 1
Início da linha junto à praia e ao estuário do Espírito Santo que são visíveis num faixa estreita do lado direito |
Já conhecemos a locomotiva Prince Luiz Philippe que foi a primeira de Moçambique. Na sua parte da frente está escrito D.B.E.A.R. que são as iniciais de Delagoa Bay & Eastern African Railway. A linha foi concessionada individualmente a McMurdo que cedeu a concessão à L.M.E.A.R., uma companhia portuguesa. Depois McMurdo criou em Londres a D.B.E.A.R. que ficou com as acções da L.M.E.A.R. Mas o governo português nas discussões sobre a nacionalização depois de 1889 disse que não tinha reconhecido a D.B.E.A.R. como concessionária, por isso para ter sido sempre coerente devia ter obrigado McMurdo a mudar as letras nesta locomotiva logo que ela chegou a LM. Pormenores ...
No mapa de 1895 da zona do porto, podemos agora compreender melhor o que estava feito nessa altura sete anos depois da construção e primeira inauguração (parcial) da linha.
No mapa de 1895 da zona do porto, podemos agora compreender melhor o que estava feito nessa altura sete anos depois da construção e primeira inauguração (parcial) da linha.
MAPA de 1895
O combóio da FOTO 1 estaria então algures onde marquei o paredão (muro de protecção da linha) cujo limite a sul estaria para a direita do combóio mas não se conseguia ver nessa foto.
Tinhamos visto nesta mensagem outra foto de Fowler que devia ser mais ou menos contemporânea da FOTO 1. Aparecem aí os carris da linha e para a sua direita o muro de protecção da linha, efectivamente reforçado com um paredão do lado do estuário (sul) que não se via na FOTO 1 e que deve ter sido o marcado no mapa a castanho.
Tinhamos visto nesta mensagem outra foto de Fowler que devia ser mais ou menos contemporânea da FOTO 1. Aparecem aí os carris da linha e para a sua direita o muro de protecção da linha, efectivamente reforçado com um paredão do lado do estuário (sul) que não se via na FOTO 1 e que deve ter sido o marcado no mapa a castanho.
FOTO 2
A ponte para barcaças foi construída em 1887 para o desembarque dos equipamentos e materiais para a linha dado não existir antes um cais capaz no porto. A coexistência entre a ponte para barcaças (terá sido um pouco anterior para os primeiros desembarques) e este paredão em 1887 é muito importante para perceber a história do cais pois mostra que o paredão não tinha sido colocado suficientemente para dentro do estuário de modo a que mesmo na maré vazia os barcos de maior calado pudessem a ele acostar.
Um paredão mais para dentro do estuário exigia mais trabalho, tempo e dinheiro e não deve ter sido considerado conveniente fazê-lo tendo-se optado pela solução mista do paredão mais ponte para barcaças (como já vimos o paredão foi também feito para fechar a entrada de água para o pântano que rodeava a ilha mais para montante = oeste = poente). Noto que no MAPA de LM de 1895 (uns anos depois dos trabalhos de McMurdo) aparece o paredão donde se vê, do lado direito = leste = nascente, a sair para dentro do estuário a ponte da capitania que não é a ponte de McMurdo mas outra ponte posterior. Nos mapas posteriores a esse, representando a fase seguinte de avanço do aterro para dentro do estuário, passa a falar-se de cais em vez de paredão. Penso que a diferença é que no cais os barcos podiam acostar (diz-se ser um cais acostável) deixando de haver necessidade de pontes na perpendicular a penetrar no estuário como quando se referia a paredão, dique, muro de protecção da linha e equivalentes.
Fiz um esquema para se entender como se parte da natureza (onde havia a terra firme sempre seca e a praia com largura variável dependendo da maré) e se vai acrescentando para o lado do estuário primeiro um dique e seu paredão, depois um cais e depois outro mais profundo. Estas três fases de trabalhos que podem ser implementadas com vários anos de intervalo entre elas, dependendo dos objectivos e recursos disponíveis:
A FOTO 3 seria então mais ou menos equivalente à do CAIS 1 do esquema (talvez o CAIS 1 do esquema estivesse mesmo mais para a direita do que o da FOTO 3). No cais da FOTO 3 só barcaças com o fundo mais ou menos raso podiam acostar, e não havia grande problema de ficarem a nível bastante inferior ao do cais porque havia guindastes que levantavam/desciam as mercadorias. As pessoas ou subiam/desciam por escadas de corda nesse cais ou por escadas nas pontes para desembarque de passageiros que se foram construido em redor deste muro de suporte (que era o mesmo que o chamado dique e paredão mais acima). Nesta situação os navios maiores ainda amaravam no meio do estuário e fazia-se a transferência de mercadorias deles para as barcaças.
Um paredão mais para dentro do estuário exigia mais trabalho, tempo e dinheiro e não deve ter sido considerado conveniente fazê-lo tendo-se optado pela solução mista do paredão mais ponte para barcaças (como já vimos o paredão foi também feito para fechar a entrada de água para o pântano que rodeava a ilha mais para montante = oeste = poente). Noto que no MAPA de LM de 1895 (uns anos depois dos trabalhos de McMurdo) aparece o paredão donde se vê, do lado direito = leste = nascente, a sair para dentro do estuário a ponte da capitania que não é a ponte de McMurdo mas outra ponte posterior. Nos mapas posteriores a esse, representando a fase seguinte de avanço do aterro para dentro do estuário, passa a falar-se de cais em vez de paredão. Penso que a diferença é que no cais os barcos podiam acostar (diz-se ser um cais acostável) deixando de haver necessidade de pontes na perpendicular a penetrar no estuário como quando se referia a paredão, dique, muro de protecção da linha e equivalentes.
Fiz um esquema para se entender como se parte da natureza (onde havia a terra firme sempre seca e a praia com largura variável dependendo da maré) e se vai acrescentando para o lado do estuário primeiro um dique e seu paredão, depois um cais e depois outro mais profundo. Estas três fases de trabalhos que podem ser implementadas com vários anos de intervalo entre elas, dependendo dos objectivos e recursos disponíveis:
Esquema HoM de construção para dentro do estuário (clique para aumentar)
Por outras palavras isto pode-se explicar assim: quanto mais afastado da terra for colocado o cais, maior é a sua altura total medida a partir do leito do mar/estuário. Como a altura do cais acima de água é sempre a mesma (pois tem de ficar ao nível da terra firme) a altura do cais debaixo de água vai aumentando à medida que aumenta o seu afastamento de terra firme. Se aumenta a profundidade do cais debaixo de água, aumenta o volume dos barcos que aí podem acostar (princípio de Arquimedes) o que faz aumentar a altura dos seus convés que podem assim chegar ao nível do cais, que é sempre o mesma da terra firme.
Aplicando isto a LM, sabemos que a construção dos seus cais foi faseada, também em termos de penetração no estuário. Será de esperar que depois da construção do paredão nas primeiras obras do caminho de ferro (FOTO 2 onde era ainda necessário uma ponte para entrar mais profundamente no estuário) se tenha construído um primeiro cais ainda sem grande penetração no estuário. Esse pode ser o que se vê na FOTO 3 (de Albertino Silva, tal como a 5) pois o edifício do relógio está perto (pintado de branco ao centro). Como ele ainda existe servirá de referência para comparar com as posições actuais.
Aplicando isto a LM, sabemos que a construção dos seus cais foi faseada, também em termos de penetração no estuário. Será de esperar que depois da construção do paredão nas primeiras obras do caminho de ferro (FOTO 2 onde era ainda necessário uma ponte para entrar mais profundamente no estuário) se tenha construído um primeiro cais ainda sem grande penetração no estuário. Esse pode ser o que se vê na FOTO 3 (de Albertino Silva, tal como a 5) pois o edifício do relógio está perto (pintado de branco ao centro). Como ele ainda existe servirá de referência para comparar com as posições actuais.
FOTO 3
Muro de suporte para cais, vendo-se barcaças muito abaixo do nível da terra firme. Edifício do relógio e Capitania Building mais para o fundo. |
FOTO 4 do Google Earth
Na FOTO 5 (que já tinhamos visto aqui) o porto parece num estado semelhante ao da FOTO 3 por isso é só uma foto adicional. Parece ver-se o mesmo desenho do muro de suporte para cais, os mesmos guindastes e o Capitania Building por trás. Como o Capitania Building foi construido até 1905 as FOTOS 3 e 5 e por isso esta situação do cais serão genéricamente nos primeiros anos do século XX (20).
FOTO 5 (repetida)
Não se vê na FOTO 5 o edifício do relógio que podia estar escondido pelo guindaste. Se não estivesse escondido então a FOTO 5 seria anterior à FOTO 3 mas isso pouco muda no resto.
A foto seguinte foi vista também no HoM nesta mensagem sobre a procura inglória duma primeira doca interior de embarcações pequenas, e parece-me que mostra o mesmo cais das FOTOS 3 e 5 e que marquei aproximadamente a carmesim na FOTO 4 do Google Earth.
A FOTO 6 parece-me da mesma época que as FOTOS 3 e 5 dado que tem os mesmos guindastes e que são os primeiros do porto e que eram accionados a vapor.
Pode-se também ver que sendo estes muros do cais maçicos eles são anteriores à ponte-cais actual em que se vê do lado do estuário uma estrutura de betão armado. A ponte-cais actual deve então ter vindo ocupar a posição prevista para o CAIS 2 no "Esquema HoM de construção para dentro do estuário" mostrado em cima. Nessa altura o muro que se via nas FOTOS 3, 5 e 6 foi absorvido pelo novo aterro e deve estar agora enfiado no solo a meio do recinto do porto na zona em frente à baixa do lado da Praça 25 de Junho.
Resumindo fiz aqui a datação e localização aproximada (no sentido sul-norte, dado que no leste-oeste é claro que é para o fundo da actual praça 25 de Junho) dum cais histórico no porto que se via nas FOTOS 3, 5 e 6. Não sei se é muito coerente com outra(s) que fiz anteriormente mas adiante ...
Pode-se também ver que sendo estes muros do cais maçicos eles são anteriores à ponte-cais actual em que se vê do lado do estuário uma estrutura de betão armado. A ponte-cais actual deve então ter vindo ocupar a posição prevista para o CAIS 2 no "Esquema HoM de construção para dentro do estuário" mostrado em cima. Nessa altura o muro que se via nas FOTOS 3, 5 e 6 foi absorvido pelo novo aterro e deve estar agora enfiado no solo a meio do recinto do porto na zona em frente à baixa do lado da Praça 25 de Junho.
Resumindo fiz aqui a datação e localização aproximada (no sentido sul-norte, dado que no leste-oeste é claro que é para o fundo da actual praça 25 de Junho) dum cais histórico no porto que se via nas FOTOS 3, 5 e 6. Não sei se é muito coerente com outra(s) que fiz anteriormente mas adiante ...
Comentários
Vejo agora o que os meus avós encontraram quando emigraram de Portugal para Moçambique
Obrigado pelas palavras simpáticas. Óbviamente dependerá da cada leitor mas reconheço que este artigo é bastante pesado e se o leitor normal passar uma vista de olhos deve ficar com informação suficiente. Já agora justifico que a minha explicação deriva do facto de ser contra-intuitivo que para termos navios a chegar ao nivel do cais precisamos de ter cais mais fundos, mas como tento demonstrar aqui com o desenho a intuição pode falhar. Boas leituras entâo. Cumprimentos.