Caminho de ferro entre Lourenço Marques e Pretória - as pessoas

Continuamos a falar da construção do caminho de ferro entre Lourenço Marques e Pretória. Alfredo Pereira de Lima (APL) na obra História do Caminho de Ferro em Moçambique dedica a esta primeira linha grande espaço e um dos aspectos interessantes é relacionado com as pessoas envolvidas. 
A concessão para a linha foi atribuida em Dezembro de 1883 ao coronel McMurdo que em Fevereiro de 1887 conseguiu contratar um empreiteiro britânico para o trabalho em Moçambique. Estas fotos são de Fowler que acompanhou a execução dos trabalhos e que as apresentou em 1887 num álbum aquando da inauguração dos primeiros 82 km até perto da almejada fronteira com a África do Sul. Estão em linha na Biblioteca Nacional de Portugal e para além da linha são imprescindíveis para a compreensão do passado do sul de Moçambique. Boa parte tem sido usada no HoM e falámos delas por exemplo aqui.
Pausa nos trabalhos para a fotografia já com a linha avançada
 na segunda metade de 1887

APL diz que o pessoal trabalhador europeu do empreiteiro contratado por McMurdo, que aparece muito compenetrado por exemplo na foto de cima, era dominado por dois grupos (ou gangues), um deles de Irlandeses (Irish Brigade) e outro de outros britânicos (Salvation Army). Todavia o estudo 150 years of rail refere exactamente os mesmos nomes para a construção da linha dentro da África do Sul ("The contractors organized their workers into gangs and rivalry and fights between the gangs were frequent. Particularly notorious were the so-called “Salvation Army” and the “Irish Brigade” gangs). Por isso não sei se o pessoal que primeiro trabalhou do lado português passou depois para o lado sul-africano ou se há alguma confusão na informação de APL. 
Não sei a que traficâncias se dedicavam durante os trabalhos mas tipicamente estavam ocupados uma semana e na outra iam para a cidade para a má vida. Consta-se que depois de gastarem o que tinham ganho, começavam a roubar e que a polícia portuguesa não os conseguia controlar. No entanto a maior parte desse pessoal só terá estado em Moçambique entre Maio e Dezembro de 1887, por isso os danos causados a pessoas e bens devem ter sido limitados, dos morais que perdurariam por mais tempo não se sabe.
O trajecto da linha entre LM e a fronteira passava por zonas de paludismo (e de mosca tsé-tsé para os animais) e por isso esse pessoal europeu sofreu de muitas doenças e baixas ao serviço. A situação só melhorou quando chegaram dois médicos (indianos?) mas mesmo assim do lado português da construção da linha houve, se anotei bem, 200 mortos entre europeus e africanos. Cerca de 3 000 operários africanos e 350 europeus trabalharam na linha.
Hospital da linha férrea - Delagoa Bay.

Não sei se o hospital era mesmo em Lourenço Marques ou a meio caminho da fronteira pois o Delagoa Bay podia referir-se ao nome da companhia. A gaiola de pássaros devia fazer a vez do spotify, dar música.
Seguem-se mais fotos de operários e técnicos em acampamentos:
Acampamento de pessoal técnico

Na zona de cima viam-se árvores mas mais para o interior a linha atravessa uma zona de savana muito seca: 
 Tendas e cubatas sem sombra dadas pelas micaias.
Não admira que os britânicos ficassem com sede.

A foto de cima mostra também operários africanos do lado direito. Segundo APL inicialmente McMurdo teve grande dificuldade em encontrar trabalhadores africanos residentes no percurso pois não eram motivados por ganhar dinheiro. Teve de ou pelo menos planeou procurar tribos mais para norte que já tinham tradição de ir trabalhar na África do Sul, provávelmente para o Natal onde a cultura da cana de açucar estava já desenvolvida.
Nesta foto vemos um grupo misto de operários junto a uma casa tradicional ao lado da linha que pelo tamanho devia ser duma autoridade africana. Uma tenda dos trabalhos está próxima. 
Um guerreiro africano está presente, há um cadeirão revestido a pele de leopardo
mas não se consegue identificar quem possa ser o chefe africano.

Na foto seguinte vemos pessoal africano executando os trabalhos mais pesados da construção. 
Escavação de trincheira numa colina em terra na linha de caminho de ferro

Segundo a legenda na foto de cima via-se trabalhos de construção no alinhamento 4-5 pelo que que não devia ser longe da então vila de Lourenço Marques e esta talvez fosse ainda a equipa do Major Araújo que trabalhou até Maio de 1887.
Finalizando com um grupo elegante que deve ser de dirigentes ou técnicos do escritório da companhia em LM ou das sedes de Lisboa e/ou Londres de visita às obras e às moscas e mosquitos:
Algures junto a um rio, presumívelmente o Incomáti,
 por isso para o final da construção

Série completa de artigos sobre a construção do caminho de ferro de LM aqui - CF Mac Murdo.

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