Estrada para Lydenburg: de Lourenço Marques para a África do Sul (2/2)

Falámos aqui da estrada para Lidemburgo (Lydenburg) à saida da cidade de Lourenço Marques mas agora vamos ver o resto do seu trajecto. Lydenburg, actual Mashishing é uma pequena cidade fundada pelos Afrikaans no Transvaal. Como nos anos 60/70 do século XIX era a localidade mais importante da zona leste do Transvaal fronteira com Moçambique estabeleceu relação comercial com Lourenço Marques e daí ter surgido a necessidade de ligá-las por estrada. Originalmente a sua região era agrícola mas em 1873 foi descoberto ouro de aluvião e a importância de Lydenburg deve ter aumentado pelo que a estrada foi concluída pelos dois governos, do lado respectivo da fronteira, em 1874. 
comissão de delimitação de fronteira do sul de Moçambique (África Oriental) de Freire de Andrade em 1890-91 fez uma foto dum transporte atravessando o Rio Sabié. Este é um rio da região e por isso a imagem dá ideia dos meios de transportes disponíveis em toda esta área da África Austral antes da chegada dos caminhos de ferro, que foram um salto tecnológico enorme a que custa agora dar a devida relevância.
Carreta atravessando o Sábie

Certamente a transporte feito na foto de cima era pesado pois havia um enorme número de bois a puxá-lo. 
Outra imagem do mesmo tipo:
"Ox Wagon" na África do Sul

E agora dum museu na África do Sul um objecto directamente relacionado com a estrada de Lydenburg:
Chassis de carro de bois do transporte entre Lydenburg e Delagoa (Lourenço Marques)

O mapa seguinte é do estudo do General Machado de 1882-84 para a linha de caminho de ferro entre Lourenço Marques e Pretória. Esse plano não foi seguido a cem por cento mas como a estrada já existia deve estar bem representada. Podemos tentar ver aqui os princípios seguidos para o seu traçado:
Carmesim: estrada de Lydenburg em território português
Azul: pontos de atravessamento de rios
Rosa: começo da estrada de Lydenburg em território sul africano
Roxo: fronteira internacional nos montes Libombos
Castanho: estudo da linha férrea

Note-se que no livro “Terras da Moamba” de Pereira de Lima está a seguinte passagem (FB aqui): "A antiga estrada de Lidemburgo, construida por esforço conjunto dos governos português e transvaliano em 1873, atravessando a fronteira dos Libombos pela portela da Matalha, seguia por Pessene e Matola em direccão a Lourenço Marques. Por esta estrada se fez, por longos anos, o comércio de penetração com o Transvaal por meio de carros-boers". O que se vê no estudo de cima do Eng. Machado é que a estrada passava pela Matola mas a partir daí desviava-se para sul do traçado previsto para a linha férrea e por isso não passaria por Pessene, que veio a ser um apeadeiro ou estação nessa linha. Mas a linha pode ter sido desviada da posição antevista pelo Eng: Machado dado que neste mapa se vê o que pode ter sido a Estrada de Lydenburg (a tracejado) e ela passaria só um pouco desviada a sul  de Pessene isto é aprox. com o Pereira de Lima refere. Note-se ainda que da portela da Matalha que Pereira de Lima refere para a passagem pelos Libombos, não encontro actualmente referência a esse nome onde ela deveria estar entre Ressano Garcia e a Namaacha  (entre essas duas localidades só vejo Macongala)
Certamente que a nova estrada tentou seguir trilhos já existentes, zonas de pouca vegetação ou já desbravadas, zonas sem animais perigosos, sem mosca tsé-tsé ou paludismo se as fosse possível encontrar, mas olhando para o mapa o que me parece foi ter-se tentado principalmente minimizar o atravessamento de rios. Dado que a estrada era em terra batida e não tinha pontes transpor um rio dependeria ou de barcaças disponíveis no local ou das variações do caudal. Como já vimos a linha férrea que ficou para norte da estrada necessitou de inúmeras pontes devido aos afluentes do rio Incomati e com este trajecto a estrada tinha-os evitado. 
Em Moçambique a estrada só atravessava o rio Matola, o que mais para montante ou para jusante era inevitável (vimos aqui essa zona em pormenor), e mais para a frente e já perto da fronteira atravessava dois rios menores ou ribeiros, um dos quais junto à nascente.
O mapa seguinte é a versão mais completa do estudo de cima e podemos aí ver o traçado da estrada na África do Sul. Embora o importante seja saber que existia ligação por estrada entre Lydenburg e LM, a norte desse traçado onde está marcado o nome da estrada não há continuidade para a esquerda = oeste. Parece que se teria de seguir a partir daí por outras estradas existentes mais a sul, primeiro por uma chamada Spiker, depois por outra chamada Crocodilo e finalmente seguir quase na direcção norte-sul de modo a atingir Lydenburg, o que seria o seu único acesso pelo que está marcado no mapa.
Como a estrada de Lydenburg passava do lowveld para o highveld na África do Sul, aí o critério principal para a escolha do seu traçado deve ter deixado de ser de evitar os rios e passado a ser o aproveitamento de zonas planas e de vales. 
Carmesim: estrada de Lydenburg em território português
Rosa: estrada de Lydenburg em território sul africano na primeira parte
Laranja: continuação da estrada em território sul africano, 
provávelmente troços de estradas já existentes
Roxo: fronteira internacional
Castanho: estudo da linha férrea

Voltando à cidade de Lourenço Marques é interessante notar que no mapa a estrada saía das obras do porto em baixo da Ponta Vermelha e não da baixa como estava noutros mapas. Interessante é também que até 1975 se continuou a chamar Estrada de Lidemburgo (com grafia muito variável!) a uma das suas saídas pelo Alto Maé (é a actual Av. do Rio Tembe). Provávelmente teria sido aí já na parte alta da cidade um troço da estrada original, depois dela ter atravessado o pântano. O resto da estrada dentro do perímetro urbano terá sido absorvido pelo posterior desenho em retícula da urbe.
Estrada de Lidemburgo entre a Av. 24 de Julho e a Av. do Trabalho

É muito interessante notar e de acordo com o que li algures que a pequena Rua dos Voluntários (aqui no google maps) entre a Baixa e o Alto-Maé e que fica enviesada em relação à estrutura viária em quadrícula circundante é um resto vivo dentro da cidade da Estrada do Lidemburgo.
Wikipedia: Lydenburg became important because it was on the wagon route to the port of Delagoa Bay (now Maputo Bay) which was free of British control. In 1871 construction of the road was started by Abraham Espag under the orders of President Thomas François Burgers. The first wagons arrived in Lydenburg from Delagoa Bay in 1874. On 6 February 1873 alluvial gold was discovered and within 3 months the Lydenburg goldfields was proclaimed. 

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