Pântano do Maé, cais holandês, matadouro velho e aterros de Lourenço Marques, actual Maputo (1/4)

Já tinha andado à volta deste estranho edifício mas não sabia a sua função e não tinha tentado ver com rigor qual seria a sua localização na zona que veio a ser de actividades a ocidente da baixa de Maputo, antiga Lourenço Marques. 
Duas fotos e os mapas da zona do antigo pântano do Maé (Mahé) permitem elucidar a questão:

FOTO 1 pormenor
Armazém das abas largas

A foto de cima é retirada da FOTO 1 completa que aparece em baixo e que obtivemos agora com maior resolução. É uma vista do alto da barreira do Alto-Maé para o estuário com o antigo pântano em baixo aparentemente ainda em trabalhos de secagem e aterro:

FOTO 1 completa
Armazém das abas largas ao fundo da planície do Maé e junto ao estuário

Se fizermos a equivalência entre o que vemos do centro para a esquerda na FOTO 1 com o que vemos no mapa de 1903 (com o sul para cima), identificamos imediatamente o Cais Holandês (ou mais própriamente Ponte Holandesa) penetrando no estuário. Pela posição em relação ao cais (ponte) e ao estuário deduz-se fácilmente onde estava no mapa o armazém das abas largas:

MAPA de 1903
Vermelho: Cais Holandês
Roxo: armazém das abas largas. Incrustei a legenda original
 indicando que era o Matadouro Municipal
Verde claro: parte a oeste da Av. da República, actual 25 de Setembro 
onde fica a zona indústrial ou de actividades da Baixa
Carmesim: vilas dos Caminhos de Ferro (Vila Mousinho a da direita)
Laranja: muro de protecção da linha de Caminho de Ferro
e até onde chegava o estuário em 1903
Castanho: projecto de extensão da ponte-cais Gorjão desenvolvido mais tarde

Ficamos assim a conhecer o Matadouro Municipal que segundo Lisandra Mendonça foi iniciado em 1887 e continuava em construção em Janeiro de 1888. A FOTO 1 é de qualquer maneira posterior a 1890 pois essa é a data da construção do Cais Holandês. Até agora o que eu conhecia do Matadouro velho estava aqui e resumia-se à legenda duma foto (da primeira década do século vinte) e talvez à sombra do edifício. Sabendo agora o formato do edifício seria interessante saber se essa sombra corresponderia ao topo do telhado e a que horas da tarde. 
Ao tempo da FOTO 1 havia em frente ao Matadouro uma cerca provávelmente para guardar o gado a abater e a Avenida da República, então D. Carlos, ainda não parecia ter sido bem delineada até aí. 
Vê-se também na FOTO 1 que a linha férrea principal de 1887 passava entre a traseira do Matadouro e o estuário e na sua continuação para a direita = oeste = montante do estuário passava próxima da entrada para o Cais Holandês. Como disse aqui tratava-se aí da recta depois do ângulo 1 a partir do qual a linha se afastava do estuário e cruzava a planície do Maé em direcção à barreira. Nessa zona tinha-se aproveitado a construção da linha para fazer um muro que a protegesse das águas do estuário, que fechasse o pântano ao exterior e que servisse também de suporte para o aterro a fazer-se da terra firme para sul e até aí. Tinha havido mais junto à cidade um dique feito cerca de 1880 mas ficava um pouco mais para o interior.
À direita do Matadouro podemo-nos aperceber dos carris da linha a um nivel bem superior ao do pântano, como resultado do aterro. Comparando-se com o que se vê à esquerda do Matadouro, à direita havia mais terreno entre a linha e a orla do estuário, seja porque se tivesse aí feito mais aterro (nos trabalhos executados depois de 1887 e até 1890 para o Cais Holandês), seja porque tivesse havido retenção de areias de aluvião no canto de estuário aí formado. Pode-se ver no mapa uma curva da orla do estuário entre a linha laranja e o cais holandês que diz respeito a essa zona e que podia ser o espaço arborizado mais largo que se vê na FOTO 1 por trás - à direita do Matadouro. 
Uma segunda foto importante desta zona é mais centrada no Matadouro do que a FOTO 1 e mostra-a uns 30 anos mais tarde. É reprodução de original do ARPAC-Instituto de Investigação Sócio-Cultural de Moçambique com as seguintes indicações: Cx. Maputo - Cidade, XI, Monumentos e Locais Históricos; Pasta do Serviço Nacional de Museus e Antiguidades, Arquivo Museológico, Edifícios da Capitania do Porto, IX.

FOTO 2
Vista da barreira para sul com as abas largas do Matadouro agora ocupadas

Na FOTO 2 vê-se à esquerda o par de carvoeiras Provay (de 1923) e para poente delas a carvoeira Mac Miller isolada (de 1915). Quer isso dizer que em 1915 o cais tinha atingido esta posição partindo da alfândega antiga junto à Praça 7 de Março, actual 25 de Junho. A data está de acordo com o que Alfredo Pereira de Lima disse (ver aqui) mas eu meço 1 500 m de comprimento e anotei que APL disse 1 048 m, por isso medida total a esclarecer. Noto que actualmente é no local da carvoeira Mc Miller que está o pilar principal da margem norte da nova ponte pensil/suspensa sobre o estuário.
Consegue-se com a FOTO 2 ter melhor ideia da largura (profundidade para quem vê daqui) do aterro que foi feito das traseiras do matadouro (FOTO 1 e linha laranja no MAPA de 1903) até à linha de cais actual (linha castanha no MAPA que estava em projecto). Pode-se ver na FOTO 2 que nessa altura o Cais Holandês tinha sido absorvido pela ponte-cais e aterro feitos à sua esquerda = a nascente. Para a direita do Cais Holandês vê-se uma enseada no estuário virada para o lado de cá = norte (originada pelo aterro feito a jusante = à esquerda dela) e na ponta direita da foto parece ver-se o começo do Cais das Estâncias. Este foi estabelecido a poente da baixa da cidade para as firmas que negociavam em madeiras e que era baseado em pontes projectadas no estuário.
O Matadouro velho tinha aspecto de ser um pré-fabricado de madeira e ferro como foram outros edifícios públicos da mesma altura. Deve ter sido desmantelado ou demolido entre 1923 (data mínima da FOTO 2) e 1929 pois esse é o ano de publicação dos álbuns de Santos Rufino em que o peculiar edifício já não aparece. Em 1929 já tinha sido substituído pelo novo Matadouro municipal.
Antes tinhamos mostrado aqui outras fotos desta zona relacionadas com o grande incêndio que aí lavrou em 1903. E voltaremos a estes locais dado que há mais informação na FOTO 2 e porque há uma outra boa foto tirada no sentido oposto às duas de cima e do mesmo período da FOTO 1. 

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