Drenagem do pântano de Lourenço Marques (2) - pântano, dique inicial e muro da linha

O estabelecimento da povoação de Lourenço Marques (LM), actual Maputo teve muitas dificuldades uma das quais a elevada mortalidade pelo menos para os novos residentes europeus causada por um pântano. O primeiro núcleo ocupava uma "ilha" que do lado do interior (a norte) era rodeada por zonas mais baixas para onde entrava água que vinha do estuário na maré cheia. Depois havia uma encosta que em grande extensão era uma barreira, e da qual vinha água das chuvas e de algumas fontes que com a do estuário se estagnava sobre as terras baixas e argilosas formando o pântano. 
Para se resolver o problema sanitário e de constrangimento ao desenvolvimento da cidade colocado por ele, segundo Teodoro Vales e com meus acrescentos, a expedição das Obras Públicas do Eng. Machado que chegou a LM em 1877 (ver aqui) cedo empreendeu e como já vimos veio a concluir cerca de 1880 um dique inicial fora da "ilha" do lado poente = oeste = ocidental, face ao estuário. O objectivo era o de não deixar entrar mais água do estuário para o pântano e de drenar a água do pântano até ao dique inicial e daí para o estuário.
Podemo-nos tentar colocar agora em 1877 na posição do Eng. Machado e da sua brilhante equipa, com poucos recursos e muito para fazer. Podiam ter pensado num dique inicial alto, forte e longo cruzando para o meio do estuário para lhe roubar terreno mas realisticamente optaram por começá-lo na linha da costa e a flectir daí para a barreira. Ter-se-ão procurado os pontos na planície pantanosa entre a barreira e o estuário que permitissem que o dique fosse minimamente eficaz para o objectivo pretendido por um lado e por outro técnicamente realizável e económico. 
Por volta de 1880 o mais urgente tinha então sido feito com o dique inicial e teria de se aguardar mais uns anos pelos seus resultados. Tenho a impressão que mesmo que o dreno do pântano não funcionasse bem bastava não entrar água do estuário para que com a evaporação o pântano fosse secando, desde que não chovesse muito, mesmo que mais  lentamente.
Por essa altura voltou a ganhar força a ideia de construção duma linha férrea de LM para Pretória. Decidiu-se que ela saíria da "ilha" e dada a localização do Transvaal teria de atravessar o pântano onde tinha sido edificado o dique inicial e mais ou menos na mesma direcção. A linha férrea iria ser construida por um concessionário que estaria primordialmente interessado em reduzir e facilitar os seus trabalhos e nada preocupado com os problemas de saúde da cidade e/ou de aterrar pântanos. Por isso o concessionário, se fosse deixado ao seu livre arbítrio, tentaria colocar a linha ao nível mais baixo possível, afastando-a rápidamente do estuário e procurando terra firme junto à barreira a norte do pântano. 
Em tal conjuntura o Eng. Machado decidiu que a base de aterro da linha férrea teria de servir também de novo dique e que por isso a linha depois de sair da "ilha" teria de continuar junto ao estuário e afastada da barreira. Assim a linha deixaria todo o dique inicial para o seu interior e como iria ao longo de todo o comprimento do estuário até ao vale do Infulene seria também a solução para o problema do pântano. Tal desenho da linha para servir também de novo dique a partir da "ilha" de LM foi então incluído nos termos do contrato de concessão em 1883 (ver no MAPA 1 em baixo a linha marcada a vermelho) e foi uma medida de grande alcance como exploraremos em mensagem posterior (ver aqui esta construção em detalhe). 

A FOTO 1 mostra a construção da linha férrea para Ressano Garcia com continuação para Pretória já a alguma distância da "ilha" na direcção de poente. Desafortunadamente não se vê aí o dique inicial que devia estar mais para a esquerda (para o interior) para que se pudesse comparar com o muro de protecção da linha. Nunca reparei no dique inicial em imagens nesta zona por isso não imagino que altura e largura teria por aqui. Sendo de 1877/80 até é capaz de não haver fotos dele ainda como construção isolada (as primeiras fotos de qualidade em LM são de 1886). E também como pouco depois de 1886 deve ter sido soterrado junto ao porto da altura, o periodo em que pode ser fotografado foi curto.

FOTO 1
Via-se uma linha férrea numa ponte sobre um canal perto do estuário à direita
Há uma gravura baseada na mesma foto e com legenda mais elucidativa:
Legenda original: Ponte da linha férrea sobre o canal de comporta
de drenagem do pântano em Lourenço Marques

Tinhamos visto a construção 
das primeiras centenas de metros da linha férrea em 1886  e temos em baixo duas dessas fotos que mostram trabalhos de grande envergadura. Têm as legendas originais seguintes: a da esquerda: Trabalhos de construção entre a origem e o ângulo nº1 e estancaria para defesa do muro de revestimento; a da direita:  Trabalhos de construção na curva do angulo nº1, e nas fotos descrevo melhor o que se passa.


FOTOS 2 e 3
à esquerda: preparação da base do aterro
à direita: "grosso" da obra feito, faltando compactar o talude pelo menos

Dado que a linha como foi concessionada iria seguir numa longa distância junto ao estuário teve de ser bem protegida dele construindo-se uma base de aterro sólida, larga e alta a que se chama muro de protecção. Nas FOTOS 2 e 3 vê-se o muro de protecção da linha a ser construido em terra mas terá havido secções em que foi revestido em pedra. O muro de protecção estava bem acima do terreno que o ladeia e do nível do estuário. A foto da esquerda ainda é na praia ao lado do burgo (onde não tinha sido preciso o dique inicial) mas a da direita é claramente a atravessar uma zona pelo menos húmida onde o dique inicial estaria para o interior (em muitos pontos da orla litoral seria dificil definir o que seria estuário e o que seria pântano pois dependia das marés). 
Como disse na mensagem anterior suponho que o dique inicial e o muro de protecção da linha (duas construções diferentes) foram nele representados como explico na legenda. 


MAPA 1 de 1895 com acrescentos
Branco: limite a ocidente = poente da ilha. Vê-se a área edificada do burgo a cinzento.
Azul escuro: canais de esgoto (drenagem do pântano). Veremos depois melhor.
Carmesim: assumo que fosse o dique inicial para drenar o pântano de 1880
Vermelho: muro de protecção da linha férrea de 1877, mais para dentro 
do estuário do que o dique inicial e afastando-se mas dele na parte final
Azul claro: extensão do primeiro dreno (adicionado ao mapa)
Amarelo: Av. da República, actual 25 de Setembro
Rosa: Av. Luciano Cordeiro, actual Luthuli
Verde: posição da fachada da estação de caminho de ferro actual
Mancha verde: parte do pântano
Castanho escuro: primeira parte da ponte da alfândega

O círculo preto e a seta preta mostram onde e como foi tirada a FOTO 1. Como ao construir-se o muro da linha o pântano não tinha secado completamente, penso que tivesse sido preciso prolongar o canal de drenagem do dique inicial até ao muro da linha. É essa secção adicional do canal que acrescentei ao mapa marcado a azul claro e que deve ser o canal que na FOTO 1 aparece da zona interior (à esquerda) e que vai passar sob a linha, onde deve ter sido instalada uma nova comporta para o estuário (que fica à direita do muro de protecção da linha).
A FOTO 1, do lado esquerdo onde está o grupo mais perto da água, mostra-nos os níveis do estuário e do pântano nesta zona. Mesmo sem sabermos como foi o dique inicial, este muro da linha certamente que oferecia boa protecção contra a entrada de água do estuário para o pântano mesmo nas marés mais vivas. 
Um pormenor que agora certamente é impossível verificar é o seguinte. Como se vê no MAPA 1, o dique inicial (carmesim) foi construido a partir da orla litoral da "ilha" mais a poente = ocidente = oeste e avançando nessa direcção. O MAPA 1 não tem detalhe suficiente para se ter a certeza mas por essa zona no MAPA 2 de 1876 de Hall e que se mostra em baixo aparecia uma língua de terra na continuação da "ilha". Essa língua era aí representada com cerca de 100 metros de comprimento mas não se sabe onde terminaria. Ela seria provávelmente mais baixa que a parte mais central da "ilha" mas era mais alta que o terreno circundante e se existiu mesmo é possível que tenha sido utilizada para a colocação pelo menos das primeiras dezenas de metros do dique inicial. De facto estava na posição ideal em relação ao estuário, "ilha" e pântano para ele ter sido aí colocado.  


MAPA 2 de 1876
Castanho claro: lingua de terra. 
Começou por aí o dique inicial?
Semi-círculo 1: Baluarte 31 de Julho da linha de defesa

O baluarte 31 de Julho esteve por onde agora é a Praça dos Trabalhadores em frente à fachada do edifício da estação de caminhos de ferro.
Quando se construiu a linha férrea como se vê acontecer nas FOTOS 1 e 2, a dimensão e exigência dos trabalhos seria muito diferente dos do dique inicial e já não haveria possibilidade ou necessidade de andar a procurar pontos mais altos no leito do pântano por onde passar. De facto o dique inicial aparece desenhado no MAPA 2 da mensagem anterior com muitas oscilações que serão justificadas por essa condicionante.
NB: Recordo o que mostrei no artigo anterior do que Alfredo Pereira de Lima (APL) escreveu no livro "Casas que fizeram Lourenço Marques" sobre os principais elementos construidos para drenar o pântano: "Com a construção de um dique de terras revestido nas partes mais expostas por uma muralha de pedra ensonça, e com a extensão de 1 200 metros, impediu-se a entrada das águas salgadas numa área conquistada ao mar, de mais de 555 000 metros quadrados, a qual, já em 1881 (4 anos apenas após o início das obras de dessecamento do pântano) estava em condiçôes de receber construções. Rasgou-se a meio desse terreno conquistado ao mar uma larga vala colectora que abria com uma comporta para o mar. Outras valas guarda-mato, junto às colinas, passaram a recolher as águas despejadas pelas nascentes, as quais transportadas ao colector central  por valas de derivação, passaram a ser despejadas ao mar ... drenando directamente para o mar muitos milhões de litros de águas até então estagnadas e decompostas..."

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