Drenagem do pântano de Lourenço Marques (1) - mapas dos diques, muros e cais até 1903

Para a série de mensagens que inicio agora sobre a drenagem do pântano de Lourenço Marques (LM), actual Maputo baseio-me nos históricos luso-moçambicanos Alexandre Lobato e Alfredo Pereira de Lima (APL), nas recentes teses académicas de Lisandra Mendonça (Conservação da Arquitetura e do Ambiente Urbano Modernos: a Baixa de Maputo) e Teodoro Vales (De Lourenço Marques a Maputo: genése et formation d'une ville), e na revisão de fotos e mapas disponíveis. 
Mostro na primeira imagem aproximadamente onde penso que esteve o dique inicial construído para fechar o pântano e onde se sabe que esteve a posterior linha férrea de LM para o Transvaal.  Sobreponho principalmente à foto recente de Google Earth (GE) o mapa de 1895 (ver MAPA 1 a seguir), combinando-se assim duas idades muito diferentes do lado ocidental da baixa de LM/Maputo.

SOBREPOSIçÃO 1 - GE e mapas/planos de 1895 e de 1876
Carmesim: assumo ser a posição do dique inicial de 1877/1880 
construido para secar o pântano. 
Vermelho: posição conhecida da linha férrea de 1886/87 que segue para poente
Roxo: ponte-cais Gorjão construida a partir de 1903
Mancha cinzenta, à direita: "ilha" original de LM
Mancha amarela: praia original a sul da "ilha"
Verde escuro com traço preto: edifício actual da fachada
 da estação de caminhos de ferro
Rosa: face sul do quartel do Alto Maé de 1893
Laranja claro: Av. da República, actual 25 de Setembro
Verde claro: Av. General Machado, actual Guerra Popular
Azul claro: A. Luciano Cordeiro, actual Luthuli
Traços castanho escuro: barreira do Alto-Maé / Malanga
Mancha verde: pântano e zonas baixas do lado ocidental de LM
Mancha azul: estuário

Com a mancha cinzenta vê-se a "ilha" original de LM que a norte - noroeste ia até à linha de defesa de que se vê os fortes 1 e 2 e a sul ia até à praia do estuário. Com a mancha verde mais densa vê-se o pântano que na zona mais próxima da "ilha" estava separado da linha de defesa por uma faixa de cerca de 10 a 15 metros de terreno firme. Um pouco mais afastado da ilha podia não ser pântano permanente ou profundo mas ser uma zona baixa onde podiam acumular-se águas de tempos em tempos, não tentei desenhar com precisão. Com a mancha azul, a sul da "ilha", marquei o estuário que se pode perceber foi recuando a partir da praia original com a construção de muros, cais e aterros até atingir a posição actual que se vê do centro da FOTO 1 para a esquerda. Quanto à linha carmesim apontada como sendo o dique inicial veremos numa foto que poderia e até seria lógico representar também um canal de drenagem próximo e do seu lado interior que existiria pelo menos nalgumas secções. 

Teodoro Vales disse que a drenagem do pântano de LM pela expedição das Obras Públicas começou em 1877 e que em 1880 estavam executados canais de drenagem e um dique face ao estuário e que o pântano começava a secar (ver ao fundo NB com informação de Alfredo Pereira de Lima). Acrescento eu que o dique cortava o acesso da água do estuário para o pântano, os canais de drenagem conduziam a água do pântano para o estuário passando por uma comporta colocada no dique. A comporta na maré vazia era levantada para se drenar o pântano e era fechada quando a maré subia. 
Mas nos trabalhos de Vales e Lisandra não é indicado claramente onde estava o dique e nos mapas da época, pelo menos nas amostras que tenho, embora me pareça que estava lá desenhado também não era mencionado nas legendas. 
Vamos então ver o que penso ser o dique nos mapas e tal como já está marcado na SOBREPOSIçÃO 1 a carmesim. 

O MAPA 1 é o plano do Major A. J. Araújo para o desenvolvimento da cidade e segundo a legenda os traços azuis são os canais de esgoto (drenos feitos para o pântano) que se vê a concentrarem-se num canal principal (azul) que se dirige para o estuário antes do qual onde intersecta uma linha (carmesim). A intersecção é mais ou menos na perpendicular tal como seria feito entre um canal e um dique. Para mais vê-se desenhada nesse ponto de intersecção a montante do suposto dique uma pequena albufeira, que para mim indica estar aí a comporta (fechada). Por isso embora na legenda original do mapa não seja dito que essa linha carmesim seja um dique eu assumo que seja o dique inicial de 1877/80. No mapa está indicada a linha férrea de 1886/87 e como se vê bem onde estava o estuário estabeleço a relação entre o suposto dique inicial e a linha férrea no que respeita a qual dessas construções serviu de tampão entre o estuário e o interior ao longo do tempo. 

MAPA 1 - plano de 1895
Carmesim: assumo que seja o dique inicial de 1877/1880. Desde 1886/87 
terá sido substituido nessa função pelo muro de protecção da linha férrea
Vermelho: indicado ser a linha férrea de 1886/87 cujo muro de protecção 
terá nessa data passado a servir de novo dique entre o estuário e o interior.
Azul escuro: canais de esgoto ou diques para esvaziar o pântano 
concentrando-se no principal que atinge a posição mais próxima do estuário.
Outras marcas: como na FOTO 1

Vemos no MAPA 1 
que o dique inicial saíria da parte sul da praça de caminho de ferro, flectiria primeiro ligeiramente para o interior e depois mais pronunciadamente até atravessar a actual Av. 25 de Setembro perto do seu fim e seguiria daí até ficar a uns 100 m da barreira abaixo do quartel, lado poente. A posição da linha férrea representada é bem conhecida, sabendo-se que por exemplo passava perto do fim da Av. da República, como também se vê na SOBREPOSIçÃO 1. 
Há outro mapa antigo publicado no livro LM, Xilunguine de Alexandre Lobato semelhante ao MAPA 1 e que deve ser de 1897. Também não tem legenda mas a posição do que penso ser o dique é aproximadamente a mesma nos dois casos.

MAPA 2
Carmesim: assumi ser o dique inicial de 1877/1880
Vermelho: linha férrea de 1886/87

Finalmente temos plano da cidade de 1878 do Eng. Ferreira Maia da tese de Lisandra Mendonça, que reproduzo aqui com a devida vénia, onde está assim referenciado: (Figura 18) “PLANTA GERAL COMPREHENDENDO/ Planta da nova povoação/ Progecto de esgôto do pantano/ Progecto de melhoramentos na povoação antiga e porto”, 187863, Junta Inv. Ultramar [assinatura ilegível], CEDH-FAPF". Contráriamente aos dois de cima este plano está especifícamente relacionado com os canais de esgoto ou diques para esvaziar o pântano e foi feito em 1878 numa altura em que o dique inicial estaria no início da construção. 
O plano da cidade de 1878 de fundo cinzento mostra na mesma zona ocidental da baixa de LM/Maputo abordada em cima, uma linha que marquei a preto e que parece semelhante às que marquei nos MAPAS 1 e 2 a carmesim. Sobrepondo o que assumo ser o dique do mapa de 1878 ao MAPA 1 de 1895 vemos que ele (preto) coincide com o de 1895 (carmesim) próximo das extremidades (dentro dos círculos verdes).

SOBREPOSIçÃO 2 - mapa de 1878 (fundo cinzento) com o de 1895
Preto em 1878: suponho que fosse o plano do dique inicial
Carmesim em 1895: assumo ser o dique inicial que foi construído

Na sobreposição vemos também que entre os diques planeado e executado há diferenças:
a. o suposto dique inicial planeado em 1878 (preto) parecia ir até à barreira e o que eu assumo ser o dique inicial construído do MAPA 1 pára um pouco antes da barreira.
b. na parte intermédia o suposto dique inicial planeado em 1878 (preto) não ia tanto para o exterior do pântano como vai o assumido dique inicial construído do MAPA 1.
Mas essas diferenças são relativamente menores e assim assumo que a preto temos o dique planeado e a carmesim temos o construído. Seria esta a primeira "confirmação" de que o traço paralelo ao estuário e perpendicular ao canal de drenagem/esgoto principal que se vê nos três mapas era o dique.
Há um dado quantitativo que reforça essa ideia. Teodoro Vales disse que em 1880 o dique inicial tinha 1 200 m de comprimento e medindo a linha carmesim do MAPA 1 ela tem 1 050 m e os 1 200 m serão até à base da barreira como está no plano de 1878 (a preto). Seria grande coincidência andarmos à volta destes números com as linhas marcadas a preto e a carmesim nos mapas de cima e afinal elas não serem do dique (e pergunto eu, então seriam o quê, então onde estaria o dique?). 
Concluindo, destes mapas parece-me que se fez um dique inicial (1877/1880) como primeira medida para evitar entrada de água do estuário para o pântano e que foi o que marquei a carmesim (o marcado a preto em 1878 seria o plano). Este dique podia ter um canal de drenagem ao lado mas havia muitos mais canais como veremos depois.
Depois aproveitou-se a construção da linha férrea para com o muro de protecção em que ela assenta se constituir um novo dique penetrando um pouco mais no estuário do que o inicial (segundo Pereira de Lima). Foi o que marquei a vermelho. 
Finalmente com a construção da ponte-cais Gorjão que é posterior aos três mapas e que só aparece desenhada na SOBREPOSIçÃO 1 a roxo, a zona foi radicalmente transformada. 
Penso que ficamos assim com uma ideia mais concreta da posição e comprimento do dique inicial construído para a drenagem do pântano. E como logo que o pântano que ficasse para seu interior estivesse minimamente drenado podia ser aterrado, pelo desenho do dique inicial podemos imaginar como terá sido a subsequente evolução da zona baixa a ocidente da "ilha". Voltarei ao tema com mais detalhes noutras mensagens e aqui com vista do aterro na baixa até depois da zona do cais das estâncias.

NB: Sobre o tema Alfredo Pereira de Lima (APL) escreveu o seguinte no livro "Casas que fizeram Lourenço Marques": 
"Contrariando a ideia prevalecente na época, de que a vila deveria ser transferida para o alto de Maxaquene, então chamado Alto de Buenos Aires, como preconizava o engenheiro inglês Hall apoiado por Augusto de Castilho, o engenheiro Joaquim José Machado e os seus homens foram de opinião de que os pântanos que asfixiavam a vila. poderiam ser vencidos e venceram-nos. 
Foi essa a obra mais importante Ievada a efeito pela Expedição de Engenheiros. Com a construção de um dique de terras revestido nas partes mais expostas por uma muralha de pedra ensonça (?), e com a extensão de 1 200 metros, impediu-se a entrada das águas salgadas numa área conquistada ao mar, de mais de 555 000 metros quadrados, a qual, já em 1881 (4 anos apenas após o início das obras de dessecamento do pântano) estava em condições de receber construções. Rasgou-se a meio desse terreno conquistado ao mar uma larga vala colectora que abria com uma comporta para o mar. Outras valas guarda-mato, junto às colinas, passaram a recolher as águas despejadas pelas nascentes, as quais transportadas ao colector central  por valas de derivação, passaram a ser despejadas ao mar. 
Esta notável obra de engenharia portuguesa, drenando directamente para o mar muitos milhões de litros de águas até então estagnadas e decompostas, permitiu um melhoramento imediato das condições sanitárias da vila."
Como se pode ver os 1 200 m de comprimento do dique e o ano do início das obras do dique ser em 1877 (4 anos antes de 1881) é dito tanto por Vales como por APL, que presumo tenha então sido a fonte do primeiro.
Outro texto, provávelmente também de APL, coincide com o anterior pois diz que no final de 1880 o enxugo do pântano principal estava realizado. Mas diz também que o aterro que alargava a língua de areia inicial (a "ilha") estava pronto a receber construções mas nessa data tão cedo suponho eu que realmente aterro não havia, era só o pântano seco.

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