Para a série de mensagens que inicio agora sobre a drenagem do pântano de Lourenço Marques (LM), actual Maputo baseio-me nos históricos luso-moçambicanos Alexandre Lobato e Alfredo Pereira de Lima (APL), nas recentes teses académicas de Lisandra Mendonça (Conservação da Arquitetura e do Ambiente Urbano Modernos: a Baixa de Maputo) e Teodoro Vales (De Lourenço Marques a Maputo: genése et formation d'une ville), e na revisão de fotos e mapas disponíveis. Mostro na primeira imagem aproximadamente onde penso que esteve o dique inicial construído para fechar o pântano e onde se sabe que esteve a posterior linha férrea de LM para o Transvaal. Sobreponho principalmente à foto recente de Google Earth (GE) o mapa de 1895 (ver MAPA 1 a seguir), combinando-se assim duas idades muito diferentes do lado ocidental da baixa de LM/Maputo.
SOBREPOSIçÃO 1 - GE e mapas/planos de 1895 e de 1876
Carmesim: assumo ser a posição do dique inicial de 1877/1880
construido para secar o pântano. Vermelho: posição conhecida da linha férrea de 1886/87 que segue para poente
Roxo: ponte-cais Gorjão construida a partir de 1903
Mancha cinzenta, à direita: "ilha" original de LM Mancha amarela: praia original a sul da "ilha" Verde escuro com traço preto: edifício actual da fachada da estação de caminhos de ferro Rosa: face sul do quartel do Alto Maé de 1893 Laranja claro: Av. da República, actual 25 de Setembro Verde claro: Av. General Machado, actual Guerra Popular Azul claro: A. Luciano Cordeiro, actual Luthuli Traços castanho escuro: barreira do Alto-Maé / Malanga Mancha verde: pântano e zonas baixas do lado ocidental de LM Mancha azul: estuário |
Com a mancha cinzenta vê-se a "ilha" original de LM que a norte - noroeste ia até à linha de defesa de que se vê os fortes 1 e 2 e a sul ia até à praia do estuário. Com a mancha verde mais densa vê-se o pântano que na zona mais próxima da "ilha" estava separado da linha de defesa por uma faixa de cerca de 10 a 15 metros de terreno firme. Um pouco mais afastado da ilha podia não ser pântano permanente ou profundo mas ser uma zona baixa onde podiam acumular-se águas de tempos em tempos, não tentei desenhar com precisão. Com a mancha azul, a sul da "ilha", marquei o estuário que se pode perceber foi recuando a partir da praia original com a construção de muros, cais e aterros até atingir a posição actual que se vê do centro da FOTO 1 para a esquerda. Quanto à linha carmesim apontada como sendo o dique inicial veremos numa foto que poderia e até seria lógico representar também um canal de drenagem próximo e do seu lado interior que existiria pelo menos nalgumas secções.
Teodoro Vales disse que a drenagem do pântano de LM pela expedição das Obras Públicas começou em 1877 e que em 1880 estavam executados canais de drenagem e um dique face ao estuário e que o pântano começava a secar (ver ao fundo NB com informação de Alfredo Pereira de Lima). Acrescento eu que o dique cortava o acesso da água do estuário para o pântano, os canais de drenagem conduziam a água do pântano para o estuário passando por uma comporta colocada no dique. A comporta na maré vazia era levantada para se drenar o pântano e era fechada quando a maré subia.
Mas nos trabalhos de Vales e Lisandra não é indicado claramente onde estava o dique e nos mapas da época, pelo menos nas amostras que tenho, embora me pareça que estava lá desenhado também não era mencionado nas legendas.
Vamos então ver o que penso ser o dique nos mapas e tal como já está marcado na SOBREPOSIçÃO 1 a carmesim.
Mas nos trabalhos de Vales e Lisandra não é indicado claramente onde estava o dique e nos mapas da época, pelo menos nas amostras que tenho, embora me pareça que estava lá desenhado também não era mencionado nas legendas.
Vamos então ver o que penso ser o dique nos mapas e tal como já está marcado na SOBREPOSIçÃO 1 a carmesim.
O MAPA 1 é o plano do Major A. J. Araújo para o desenvolvimento da cidade e segundo a legenda os traços azuis são os canais de esgoto (drenos feitos para o pântano) que se vê a concentrarem-se num canal principal (azul) que se dirige para o estuário antes do qual onde intersecta uma linha (carmesim). A intersecção é mais ou menos na perpendicular tal como seria feito entre um canal e um dique. Para mais vê-se desenhada nesse ponto de intersecção a montante do suposto dique uma pequena albufeira, que para mim indica estar aí a comporta (fechada). Por isso embora na legenda original do mapa não seja dito que essa linha carmesim seja um dique eu assumo que seja o dique inicial de 1877/80. No mapa está indicada a linha férrea de 1886/87 e como se vê bem onde estava o estuário estabeleço a relação entre o suposto dique inicial e a linha férrea no que respeita a qual dessas construções serviu de tampão entre o estuário e o interior ao longo do tempo.
MAPA 1 - plano de 1895
Há outro mapa antigo publicado no livro LM, Xilunguine de Alexandre Lobato semelhante ao MAPA 1 e que deve ser de 1897. Também não tem legenda mas a posição do que penso ser o dique é aproximadamente a mesma nos dois casos.
MAPA 2
Finalmente temos o plano da cidade de 1878 do Eng. Ferreira Maia da tese de Lisandra Mendonça, que reproduzo aqui com a devida vénia, onde está assim referenciado: (Figura 18) “PLANTA GERAL COMPREHENDENDO/ Planta da nova povoação/ Progecto de esgôto do pantano/ Progecto de melhoramentos na povoação antiga e porto”, 187863, Junta Inv. Ultramar [assinatura ilegível], CEDH-FAPF". Contráriamente aos dois de cima este plano está especifícamente relacionado com os canais de esgoto ou diques para esvaziar o pântano e foi feito em 1878 numa altura em que o dique inicial estaria no início da construção.
O plano da cidade de 1878 de fundo cinzento mostra na mesma zona ocidental da baixa de LM/Maputo abordada em cima, uma linha que marquei a preto e que parece semelhante às que marquei nos MAPAS 1 e 2 a carmesim. Sobrepondo o que assumo ser o dique do mapa de 1878 ao MAPA 1 de 1895 vemos que ele (preto) coincide com o de 1895 (carmesim) próximo das extremidades (dentro dos círculos verdes).
SOBREPOSIçÃO 2 - mapa de 1878 (fundo cinzento) com o de 1895
Preto em 1878: suponho que fosse o plano do dique inicial
Carmesim em 1895: assumo ser o dique inicial que foi construído
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Na sobreposição vemos também que entre os diques planeado e executado há diferenças:
a. o suposto dique inicial planeado em 1878 (preto) parecia ir até à barreira e o que eu assumo ser o dique inicial construído do MAPA 1 pára um pouco antes da barreira.
b. na parte intermédia o suposto dique inicial planeado em 1878 (preto) não ia tanto para o exterior do pântano como vai o assumido dique inicial construído do MAPA 1.
Mas essas diferenças são relativamente menores e assim assumo que a preto temos o dique planeado e a carmesim temos o construído. Seria esta a primeira "confirmação" de que o traço paralelo ao estuário e perpendicular ao canal de drenagem/esgoto principal que se vê nos três mapas era o dique.
Há um dado quantitativo que reforça essa ideia. Teodoro Vales disse que em 1880 o dique inicial tinha 1 200 m de comprimento e medindo a linha carmesim do MAPA 1 ela tem 1 050 m e os 1 200 m serão até à base da barreira como está no plano de 1878 (a preto). Seria grande coincidência andarmos à volta destes números com as linhas marcadas a preto e a carmesim nos mapas de cima e afinal elas não serem do dique (e pergunto eu, então seriam o quê, então onde estaria o dique?).
Há um dado quantitativo que reforça essa ideia. Teodoro Vales disse que em 1880 o dique inicial tinha 1 200 m de comprimento e medindo a linha carmesim do MAPA 1 ela tem 1 050 m e os 1 200 m serão até à base da barreira como está no plano de 1878 (a preto). Seria grande coincidência andarmos à volta destes números com as linhas marcadas a preto e a carmesim nos mapas de cima e afinal elas não serem do dique (e pergunto eu, então seriam o quê, então onde estaria o dique?).
Concluindo, destes mapas parece-me que se fez um dique inicial (1877/1880) como primeira medida para evitar entrada de água do estuário para o pântano e que foi o que marquei a carmesim (o marcado a preto em 1878 seria o plano). Este dique podia ter um canal de drenagem ao lado mas havia muitos mais canais como veremos depois.
Depois aproveitou-se a construção da linha férrea para com o muro de protecção em que ela assenta se constituir um novo dique penetrando um pouco mais no estuário do que o inicial (segundo Pereira de Lima). Foi o que marquei a vermelho.
Finalmente com a construção da ponte-cais Gorjão que é posterior aos três mapas e que só aparece desenhada na SOBREPOSIçÃO 1 a roxo, a zona foi radicalmente transformada.
Penso que ficamos assim com uma ideia mais concreta da posição e comprimento do dique inicial construído para a drenagem do pântano. E como logo que o pântano que ficasse para seu interior estivesse minimamente drenado podia ser aterrado, pelo desenho do dique inicial podemos imaginar como terá sido a subsequente evolução da zona baixa a ocidente da "ilha". Voltarei ao tema com mais detalhes noutras mensagens e aqui com vista do aterro na baixa até depois da zona do cais das estâncias.
NB: Sobre o tema Alfredo Pereira de Lima (APL) escreveu o seguinte no livro "Casas que fizeram Lourenço Marques":
"Contrariando a ideia prevalecente na época, de que a vila deveria ser transferida para o alto de Maxaquene, então chamado Alto de Buenos Aires, como preconizava o engenheiro inglês Hall apoiado por Augusto de Castilho, o engenheiro Joaquim José Machado e os seus homens foram de opinião de que os pântanos que asfixiavam a vila. poderiam ser vencidos e venceram-nos.
Foi essa a obra mais importante Ievada a efeito pela Expedição de Engenheiros. Com a construção de um dique de terras revestido nas partes mais expostas por uma muralha de pedra ensonça (?), e com a extensão de 1 200 metros, impediu-se a entrada das águas salgadas numa área conquistada ao mar, de mais de 555 000 metros quadrados, a qual, já em 1881 (4 anos apenas após o início das obras de dessecamento do pântano) estava em condições de receber construções. Rasgou-se a meio desse terreno conquistado ao mar uma larga vala colectora que abria com uma comporta para o mar. Outras valas guarda-mato, junto às colinas, passaram a recolher as águas despejadas pelas nascentes, as quais transportadas ao colector central por valas de derivação, passaram a ser despejadas ao mar.
Esta notável obra de engenharia portuguesa, drenando directamente para o mar muitos milhões de litros de águas até então estagnadas e decompostas, permitiu um melhoramento imediato das condições sanitárias da vila."
Como se pode ver os 1 200 m de comprimento do dique e o ano do início das obras do dique ser em 1877 (4 anos antes de 1881) é dito tanto por Vales como por APL, que presumo tenha então sido a fonte do primeiro.
Outro texto, provávelmente também de APL, coincide com o anterior pois diz que no final de 1880 o enxugo do pântano principal estava realizado. Mas diz também que o aterro que alargava a língua de areia inicial (a "ilha") estava pronto a receber construções mas nessa data tão cedo suponho eu que realmente aterro não havia, era só o pântano seco.
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