A obra e o que imagino tenha sido a vida e o destino da família Castro da Manhiça

De vez em quando tenho actualizado a homenagem à minha família e a propósito da recente viagem à Manhiça doutros tempos encontrei extraordinárias imagens que penso que contam a história de uma família que deve ser similar à de tantas outras que cabem na mesma homenagem. 
São fotos de 1972 e de Carlos Rocha / Kandaline que esteve activo na net sobre Moçambique entre pelo menos 2006 e 2009 e foram feitas antes da independência e como já disse é raro surgirem em público fotos amadoras do exterior desse período. 
As três primeiras que estão aqui e mais duas outras fotos sobre este assunto estão assim em dois artigos no blog olhar-acidental (Castro 1 e Castro 2) e como me interpelam e revoltam não as consigo deixar em passar em claro e uso assim com a devida vénia.
Castro da Manhiça novo em fotos de 1972, 
ao início da noite e de dia, presumo que no mesmo dia
No néon estava escrito POUSADA e a carrinha VW era sul-africana, matrícula TJ. As varandas do prédio não precisavam de grades.
Joaquim Rodriques de Castro na Manhiça presumo que também em 1972
Agora a foto dum outro blog também com intervenção destacada na divulgação das paisagens de Moçambique, o mozambique de mister madala. 
Estado do Castro novo da Manhiça em 2007
Eu não conheço a família Castro nem os dois blogs citados têm mais informação, mas estas imagens para mim contam a história toda desta e de muitas famílias portuguesas que viveram em Moçambique e por via delas do que sucedeu ao país. Eu imagino que tenha sido assim, se não for exacto para esta será certeza uma história que se terá passado com outra família parecida. 
Um senhor "Castro" tinha uma cantina antiga com pequeno restaurante na Manhiça que à custa de trabalho e qualidades pessoais foi prosperando. A certa altura o senhor, ou talvez a geração seguinte da família, decidiram investir o que tinham ganho ao longo de anos num pequeno hotel e restaurante de qualidade e que seria em 1972 atractivo em qualquer lado. As autoridades portuguesas elogiaram a decisão, prometeram todo o apoio, houve festa na vila e a sua população ficou orgulhosa com o melhoramento e muitos locais e viajantes usufruiram do seu conforto. A família "Castro" podia ter gasto o seu dinheiro em passeios pela Europa ou a comprar vivendas em Lisboa mas decidiram investir na Manhiça desenvolvendo a terra onde tinham vivido e se sentiam bem. 
Mas veio o ano de 1975 e a independência de Moçambique e a revolução socialista, e experiências mirambolantes, e aprendizes de feiticeiro, e incompetência, falta de preparação, dogmatismo extremo e as resultantes crises alimentares, sociais, financeiras e militares. A família "Castro" apesar de frugal, trabalhadora e esforçada passou a ser considerada "inimigo de classe", deve ter tentado suportar a mudança o mais que pode mas a certa altura terá perdido as ilusões e decidido abandonar o que tinham construído, de modo a ao menos salvaguardarem o espírito, a pele e o futuro. E partiram de Moçambique deixando o pequeno hotel, a cantina e todos os seus bens para trás. 
O pequeno hotel prosperou depois? Não, em 2007 parecia estar quase abandonado. Se a família "Castro" tivesse continuado na Manhiça o que poderia ter feito? Quanto hotéis como este se fizeram na Manhiça nos digamos 35 anos seguintes?
A família "Castro" perdeu muito mas ficou o povo trabalhador e agricultor da Manhiça a ganhar com a sua partida? Não, perderam oportunidades de emprego, vão agora a outras cantinas comprar e vender mas talvez nem lhes conheçam o dono. Essas novas cantinas provávelmente terão ainda mais lucro do que o que a família "Castro" tinha, concerteza não é reinvestido na Manhiça e nem se deve saber bem para onde vai.  
Quem ficou a ganhar com a partida da família "Castro"? Talvez alguém que se achasse que era "mais povo que o povo" mas foi temporário, nem conseguiu manter o que tinha "herdado" quanto mais desenvolvê-lo. 
O que aconteceu então à família "Castro" da Manhiça? 
Foi um cordeiro entregue aos lobos pelo seu pastor.
Culpados a apontar? Muitos. 
Moral destas histórias? Triste.

Comentários

Anónimo disse…
Caro Curioso;
Os meus cumprimentos.
Sou do tempo em que a estrada para a Manhiça, desde Vila Luisa, eran duas faixas de macadame asfaltado de cerca de um metro cada uma; entre as faixas era areia, por onde tinhas de seguir com muito "passopa" ou te arriscavas a sair das mesmas e parar no mato. Era uma viajem tremendamente cansativa até por que havia que suportar o calor pois o ar acondicionado nos carros estaba ainda muito longe. Mas chegavas á Manhíça, e ao Castro, e tudo se esquecia na presença de um "prego no pao" e uma Laurentina fresquinha, servidos no Castro sempre com a amabilidade sincera característica das Gentes do interior -ia dizer "mato" mas tenho medo que alguem se ofenda-.
Gente dedicada á "sua" terra na que inverteram capitais, vida e saude, que foram pedra angular na construcçao de Moçambique, e aos que, ao final, liquidaram com um epitafio, "Colonialistas".
Ha muitos "Castros" nessas estradas e picadas do interior. Gentes que fundarao povoaçoes que hoje pervivem, que crearao condiçoes de vida ás populaçoes que se fixarao ao seu redor e a quem, se o "Xicuembo" nao for tam mal como o pintam, se dedicara o respeito que meressem.
Um abraço.
Rogério Gens disse…
Caro leitor: Sinceramente o seu comentário é muito bom porque põe pessoas por trás dos edifícios e da minha imaginação de quem eles seriam e porque sublinha que se não fossem estes "Castros" muitas "Manhiças" não existiam. Podia o governo colocar lá a administração mas se não tivesse havido o cantineiro para comprar os produtos da terra e para vender as mercadorias de fora não se teria passado aí da agricultura de subsistência. Quanto a ter lucros todos os têm, os magaiças também não iam/vão para o Rand trabalhar de borla. Cumprimentos.