Caminho de ferro entre Lourenço Marques e Pretória - reconstrução em Chicongene ao Km 61.8

Como disse para a ponte da Matolaencontrando-se equivalências entre as fotos de Fowler de 1886/87 que não tinham legenda e as de MRP de 1889/90 que as tinham pode-se localizar pela primeira vez "na idade contemporânea" o que Fowler fotografou da construção da linha.
Com esse intuito fazemos aqui uma montagem com duas fotos de MRP que são identificadas pelas legendas como sendo de Chicongene ao Km 61.8 (o actual apeadeiro é Secongene ao km 62, um pouco depois da ponte). São fotos de cerca de dois anos após a inauguração da linha. Numa delas os vãos centrais da ponte sobre a ribeira com esse nome estão abatidos e na outra foto que é posterior a ponte está reconstruída. Mais uma vez lamento não se ver melhor as fotos disponibilizadas pelo CPF, mas penso estar um dos pilares em perfil metálico emalhado caído no solo. 
Junto-lhes na montagem duas fotos de Fowler já conhecidas de antes das cheias mostrando a fragilidade dos pilares e/ou das sapatas que terão sido a causa da catástrofe na ponte.
E pondo duas das fotos lado a lado em cima, uma do antes e outra do depois, primeiro penso que se vê logo tratar-se da mesma ponte. Segundo, com mais atenção vê-se bem como foi feita a reconstrução: ergueram-se em alvenaria novas sapatas/pilares onde foram encaixar as partes superiores dos pilares metálicos iniciais. Talvez se tenha feito uma nova cabeceira em alvenaria mas os tramos metálicos originais devem ter sido re-aproveitados. Quer dizer que ao tombar não ficaram danificados ou que puderam ser recuperados.

MONTAGEM DE CHICONGENE
Fowler em 1887: à esquerda, duas fotos durante a construção, 
desconhecia a localização
MRP em 1889/90: à direita, ponte de Chicongene em ruínas 
depois das cheias em baixo depois de grandes reparações ao alto
No Google Earth podemos fácilmente encontrar a ponte actual da ribeira de Chicongene/Secongene, pois sendo ao Km 61.8 fica cerca de 10 km depois da Moamba para quem vem de Lourenço Marques, actual Maputo.
Vermelho: a linha férrea actual
Rosa: a ponte actual antes do apeadeiro de Secongene/Chicongene
Laranja: topo de pilares em alvenaria antigos
Linha amarela: 
construção humana à direita (trincheira)
 e talvez sua sequência à esquerda = oeste da ribeira
O que teriam sido os três pilares antigos sem ponte que se viam na imagem? Presumo que tenham sido os que foram construídos em 1889/90 e vistos na foto do canto superior direito da montagem de cima mas como é óbvio não temos a certeza. Noto serem menos altos do que parecem na foto pois parte do que se vê é a sua sombra projectada no solo mais ou menos na mesma direcção. A ponte actual foi construida recentemente e os pilares da antiga que foi substituida podem lá ter permanecido algum tempo tendo assim sido captados pelo GE - ver aqui ponte ao Km 61.9.
Para mim não é de estranhar que a ponte actual pareça e seja muito mais curta que as antigas. Isso porque antigamente se preferia fazer pontes longas e baixas para atravessar a zona inundável e reduzindo os aterros nas aproximações à ponte. Desde que passou a haver buldozers e camiões tornou-se mais económico fazer aterros mais longos e elevados até perto do curso de água para assim reduzir o vão da ponte. Penso que é isso que se observa aqui, mas não sei desde 1890 até agora quantas reabilitações e reconfigurações terá tido esta linha e as suas obras de arte (houve pelo menos uma recente em 2008).
Pelas fotos e legendas de MRP fica-se ainda a saber que em Chicongene fez-se em 1889/90 também uma variante em trincheira na rocha entre os Kms 60 a 61.847. Como a ponte na outra foto de MRP é dita ser ao Km 61.8 (a partir do início da linha em LM) esta trincheira foi feita imediatamente antes da ponte para quem vinha do lado de LM e Moamba.
Variante aos Kms 60 a 61.847 junto à ponte de Chicongene.
 Alinhamento recto em trincheira. FOTO CPF
Olhando na imagem actual de baixo um pouco mais para a direita = leste da ponte vemos mais completa a linha amarela que tinhamos notado antes. Para além do aterro mais notório - marcado com os 3 traços amarelos próximos - parece que ela vinha da direita mas para aí as marcas actuais no solo e/ou na vegetação são ténues (relembro que isto foi originalmente construido entre 1887 e 1890). 
Vermelho linha actual: suponho que usando a variante em trincheira de 1890
Amarelo: suponho que tenha sido o traçado inicial da linha
Assim a variante em linha recta com trincheira construída em 1889/90 começaria onde a linha tem a curva (mais para a direita da imagem de cima, ver aqui esse ponto no Google Earth). A distância dessa curva à ponte corresponde aproximadamente a 1.8 km confirmando o que diz a legenda da foto de MRP. 
Pouco depois da ponte existe o apeadeiro de Secongene que deve ser outra versão do nome Chicongene usado cerca de 1890. Fica ao 62 Km por isso um pouco para lá do km 61.8 onde estava a ponte, tudo isto corresponde muito aproximadamente. Ver aqui esses dois pontos no Google Earth. Já falámos do apeadeiro aqui mas mostro agora outra imagem retirada da esplêndida reportagem de Yves Traynard de 2006 com a devida vénia.
Apeadeiro de Secongene ao km 62, pouco depois da ponte de que vimos aqui a história
Vê-se bem no GE que estas três cabines ficam do lado norte da linha ou seja LM/Maputo é para a direita. 
Esta arqueologia técnica é muito interessante mas dela não dá todas as respostas. Uma questão imediata que fica em aberto é: será compatível a linha de 1890 ter sido a marcada a vermelho com a ponte marcada a laranja? Tudo é possível ...
Como se pode ver aqui nesta pequena pesquisa do passado, as tecnologias de informação e telecomunicações actuais (computadores pessoais, smartphones, fotografia digital, satélites, rede internet, banda larga residencial, digitalização de arquivos) abrem-nos possibilidades inimagináveis há alguns anos. Quando penso em Alfredo Pereira de Lima e na sua monumental História dos Caminhos de Ferro de 1972 tenho sempre presente que ele não tinha nada disto ao dispor e imagino quanto ele teria gostado de o ter e quanto mais longe teria conseguido ir do que foi. Mas como sabemos as tecnologias podem ter boas e más utilizações e das más também já podemos medir bem o impacto.
A saga da localização das fotos da linha férrea de há pelo menos 128 anos continuará em próximos capítulos no HoM.

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