Estação terrena para telecomunicações com os satélites Intelsat IV em Boane - órbitas (3/4)

Continuamos a falar do segmento espacial Intelsat IV a que estava ligada a estação terrena inicial de Boane. A maior parte do material nestes artigos (envelopes comemorativos, selos e fotos) está à venda no site especializado em colecionismo delcampe.net e surge aqui com a devida vénia a ele e aos vendedores. 
Como disse no artigo anterior isto é mais para quem goste de perceber engenhocas e manobras espaciais, as imagens no entanto devem ser mínimamente interessantes para todos.

ENVELOPE 1
Lançamento do sétimo e último satélite Intelsat IV (4)
Na imagem de cima vê-se os sete satélites distribuidos no espaço em torno da Terra mas devo notar que não parecem estar todos equidistantes da Terra como estariam de facto e que na realidade estariam muitíssímo mais longe do que aí aparece. Normalmente com três satélites consegue-se cobrir todos os pontos da Terra com excepção das regiões polares por isso o programa Intelsat IV com sete oferecia mais que a cobertura mínima. 
Noto que em cima diz-se 3 500 canais bi direccionais mas tenho visto mais frequentemente serem 6 000 canais, acho que a diferença depende da qualidade definida para a transmissão da voz nas chamadas telefónicas. Os satélites Intelsat IV (4) funcionavam únicamente na banda C que é de 4 GHz nas suas transmissões para Terra e de 6 GHz nas da Terra para o satélite. Actualmente usam-se bandas adicionais com frequências mais elevadas. 
Os satélites Intelsat IV foram lançados da Florida nos Estados Unidos por foguetões Atlas-Centaur com uma e única perda total ocorrida em 1975, isto é sete sucessos em oito possíveis. Temos aqui duas fotos do seu lançamento (à venda em alamy) e um desenho aínda com o último andar do foguetão.

MONTAGEM 2
Satélites Intelsat IV (4) lançados e colocados em órbita de 1971 a 1975
No desenho à direita o satélite está já visível depois do nariz do foguetão ter sido ser ejectado mas estava ainda a ser movido pelo último andar do foguetão. Depois desse se desligar e se separar do satélite este utilisaria o seu próprio motor para se mover para a órbita final. 
Para se apreciar a evolução na construção dos satélites e na capacidade de carga dos lançadores, os Intelsat IV tinham 1 400 kg de massa no lançamento enquanto que um satélite Astra actual tem cerca de 6 000 kg. Mais massa significa por exemplo mais carga útil em termos de transmissão e também mais combustível para os ajustes de posição e por isso vida mais longa em órbita.
Falaremos disto a seguir começando pelo esquema que explica simplificadamente como o satélite é lançado pelo foguetão e colocado na órbita final. Aqui parece que tudo acontece só com uma órbita, na realidade pode ter de haver várias voltas consecutivas para se acelerar o suficiente antes de acontecer o movimento escapatório, se for o caso, pretendido.

ENVELOPE 3
Azul: lançamento pelo foguetão e primeira órbita
Roxo: órbita de transferência
Vermelho: órbita geo-estacionária e geo-síncrona

Castanho: sentido do movimento de rotação da Terra, 

que será acompanhado pelo satélite
Vamos agora (quem estiver interessado em aulas de "física aplicada") perceber o que é uma órbita espacial geo-estacionária e geo-síncrona, quais as suas vantagens e porque é única. Quem tiver brincado a girar uma corda com uma pedra na ponta perceberá melhor isto, mover a mão para que a pedra - que faz de satélite - não caia é o mesmo que fazer funcionar o motor do satélite para este rodar em volta da Terra e a corda faz de força de gravidade. Primeiro o esquema, a explicação está em baixo:



ESQUEMA 4
Castanho: planeta Terra
Laranja: órbitas possíveis mas imperfeitas perto da Terra
Verde: órbitas possíveis mas imperfeitas longe da Terra
Vermelho: órbita geo-estacionária (e geo-síncrona) 
Depois de ser lançado pelo foguetão o satélite atinge o ponto A a cerca de 600 km de altitude (da superfície da Terra). A partir daí tem de acionar o seu motor para se afastar mais da Terra e já sózinho entrar numa órbita elíptica chamada de transferência que o levará até perto da órbita circular onde se irá inserir. Em cima as órbitas de transferência do mesmo ponto A para os B para os três casos da legenda estão marcadas específicamente.
Assim nesse ponto A o satélite accionará o motor com menos força (ou durante menos tempo) para se transferir para a órbita circular laranja e com mais força (ou durante mais tempo) para se transferir para a órbita circular verde pois esta fica mais longe da Terra. 
Quando o satélite completar a transferência até à órbita circular pretendida terá de accionar de novo o motor - num dos pontos B - para: 
1. inserir-se nessa órbita círcular pois senão continuava na eliptica de transferência em que tinha vindo. A órbita circular mantê-lo-á sempre à mesma distância da Terra o que é uma das condições para o satélite parecer fixo de todos os pontos na Terra que "ilumina"; 
2. (mais complicado de visualizar em 2 dimensões e menos importante) corrigir a inclinação que trazia em relação ao plano do equador onde deverá ficar per ter sido lançado de fora desse plano. 
Para além do satélite ter de se inserir numa órbita circular, para que pareça fixo a partir da Terra dado que as antenas que apontam para ele são fixas, o satélite tem de o fazer e manter-se depois a uma velocidade igual à da rotação da Terra. Para isso na órbita verde a velocidade linear do satélite terá de ser maior do que na laranja pois terá (na verde) de percorrer uma distância muito maior para dar a volta à Terra nas mesmas 24 horas em que teria de dar a volta na órbita laranja.  
Como na órbita laranja a velocidade linear será relativamente baixa, dado que o satélite está perto da Terra a atracção da Terra vai ser forte. Para manter a órbita circular pretendida terá de accionar o motor para escapar, senão segue pela órbita que está marcada "sem motor" e cai depois para a Terra (no desenho pára perto do A porque desfazia-se por aí). 
Pelo contrário, como para a órbita verde a velocidade linear tem de ser alta, como a Terra está mais afastada a gravidade aí é menor e o satélite entrando na órbita a essa velocidade e sem o motor funcionar começa a fugir da volta da Terra para o espaço e a acelerar. Para manter a órbita circular (verde) e a velocidade pretendida de modo a parecer fixo visto da Terra, o satélite tem de travar com o motor. 
Então o satélite só se podia manter nas órbitas circulares laranja e verde à mesma velocidade de rotação da Terra accionando o motor, num sentido ou noutro. O satélite tem um depósito de combustível que não pode (podia) ser reabastecido no espaço. Usando o motor para se manter em órbita rápidamente gastará o combustível e a certa altura não poderá fazer os ajustes de posição que serão sempre necessários e inevitáveis (devido à Terra não ser perfeitamente redonda, etc). Imagine-se que o satélite rodava a partir da posição prevista um pequeníssimo ângulo sobre si próprio, como a estação de Boane estava a largos milhares de km esse desvio seria suficiente para que ela deixasse de receber o sinal enviado pelas antenas do satélite. O desvio do satélite podia também fazer com que as suas antenas deixassem de receber os sinais enviados da Terra e que o comandam. Com o motor era fácil corrigir esses desvios mas ficando sem combustível o satélite nesses dois casos deixaria de poder ser usado. Daqui se conclui que não é exequível colocar satélites em órbitas para as quais fosse requerida a frequente utilização do motor para lhe manter a órbita e a velocidade. 
Mas como vimos em cima, se na órbita laranja era preciso acionar o motor para o satélite não afrouxar e caír para a Terra, na órbita verde era preciso acioná-lo para o satélite não acelerar e se afastar mais da Terra. Então entre elas haverá uma órbita para a qual não é preciso accionar o motor desde que o satélite entre nela à velocidade correcta. Quer dizer será uma órbita em que a força da gravidade que o atrai para a Terra e a velocidade em que ele é inserido na órbita e que o faria afastar da Terra (se não houvesse gravidade, ou a corda na brincadeira com a pedra) se equilibram. Concluíu-se pela teoria e pela práctica que essa é a órbita que marcamos a vermelho e que fica a cerca de 35 786 km de altitude (aproximadamente a seis raios da Terra a partir da superfície). Nela o satélite vai parecer fixo no espaço em relação à Terra, mas de facto está a rodar "naturalmente" em volta dela acompanhando também o seu movimento de translação à volta do Sol. Isto encaixa tudo bem, quem imaginou, planeou e executou isto tinha certamente "muito esperto nos cabeça". Mas em termos de física não é milagre pois para colocar o satélite nessa órbita foi gasta uma enorme quantidade de energia, principalmente pelo foguetão.
Como dissemos antes, nos anos 70 estes sistemas funcionando com satélites geo-síncronos e geoestacionários precisavam de estações terrenas complexas e antenas de 30 metros que só podiam ser disponibilizados pelas grandes companhias de telefones e de televisão. Não é bem a mesma coisa mas espantosamente agora, uns 35 anos depois, com a evolução técnica passou a haver transmissão de TV e depois de Internet a partir de satélites "geo-estacionários" directamente para residências equipadas de pequenos receptores e de antenas de 60 cm. Por isso há agora muito mais satélites colocados nessa órbita que está quase cheia (os satélites tem de estar uns kms afastados uns dos outros para não chocarem e para as antenas da Terra os poderem distinguir, simplificando). Uma posição para um satélite na órbita dos 35 786 km de altitude é por isso um bem muito valioso e é regulada pela União Internacional das Telecomunicações ligada à Organização das Nações Unidas.

Sites interessantes:
Gunter's Space sobre Intelsat IV
Astronautix sobre Intelsat 4
Astronautix sobre Atlas-Centaur

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