Estação telegráfica e cabos submarinos em LM - bandeiras e história da E.T. em Moçambique (8/13)

Como temos visto nesta série de artigos re-iniciada aqui, a Eastern Telegraph Company (E.T.) foi uma grande empresa do sector dos cabos submarinos que emergiu na segunda metade de século XIX (19). Foi uma sua subsidiária chamada Eastern and South African Telegraph que veio a operar em Lourenço Marques (LM, actual Maputo) o cabo e o serviço de telegrafia. 
Vejamos duas bandeiras da companhia mãe da estação de cabo submarino de LM (Royal Museums Greenwich).
I: combinação da Union Jack (R.U.) e Stars & Stripes (EUA) 
II: desenho próprio com três listas verticais
Como o primeiro grande mercado da companhia foram os cabos transatlânticos entre o Reino Unido e os Estados Unidos da América a primeira bandeira tinha lógica.
Nas fotos da estação da E.T. em LM podemos ver as seguintes bandeiras no seu mastro:
Bandeiras no mastro do jardim da estação da E.T. em L.M.
A bandeira b. em LM é igual à I das duas de cima (faltar-lhe-ão as letras) enquanto que as c. e d. de baixo parecem a II das duas de cima, têm o pormenor da letra escrita mas as cores das faixas parecem trocadas.
Não sei qual a sequência de utilização pela E.T. das suas bandeiras I e II e por isso a partir daí não consigo sequenciar as fotos em LM com as bandeiras a. a d. Tinha a impressão que a foto b. era das mais recentes mas pode não ser porque o mais provável é que a ETC tenha começado a actividade com a I mas depois ter-se-á internacionado mais e deve ter passado para a II. Mas com tão poucos dados até é difícil formular hipóteses minimamente sustentáveis sobre esta observação das bandeiras.
Serve este pormenor de intróito à história do cabo submarino em Moçambique que como se tem visto começou de facto em 1878/1879 e que apresentarei aqui retirada dum estudo muito vasto intitulado "Datas e Factos do Cabo Submarino em Portugal (1855-2015)". 
Mas antes disso, e para pormos estes tempos iniciais do telégrafo em perspectiva foi em 1877 que chegou a Moçambique a expedição das Obras Públicas que em LM veio resolver o problema do pântano em redor da Baixa, construir os primeiros edifícios públicos, etc. Tendo de começar pela parte alta do burgo enquanto o pântano era primeiramente drenado, por exemplo uma das primeiras realizações da expedição foi o hospital completado em 1880. Isso quer dizer que quando em 1879 o telégrafo que ficou disponível, a população do burgo era pequena e as suas condições de vida muitíssimo precárias. Por exemplo só em 1887 foi "inaugurada" a linha de caminho de ferro para Ressano Garcia e foi por esse ano que a actual Av. 25 de Setembro pode ser traçada sobre o ântigo pântano e começou a construir-se em torno dela os primeiros edifícios públicos na Baixa. Isto dá para ver que o telégrafo foi uma tecnologia extremamente precursora em relaçâo ao desenvolvimento humano, físico, económico e social da cidade que só se exponenciou a partir de 1895 com a ligação da linha férrea a Pretória e de 1903 com a construção da ponte-cais actual directamente atracavel por grandes navios. 
Relembro que em termos administrativos LM foi elevada a vila em Dezembro de 1876 e a cidade em Novembro de 1887.por isso quando o cabo submarino foi ligado em 1879 LM tinha deixado de ser aldeia havia só três anos.
O estudo  "Datas e Factos do Cabo Submarino em Portugal (1855-2015)". é da autoria do Dr. José Luis Vilela da Fundação Portuguesa das Telecomunicaçõesreproduzo-o aqui com a devida vénia, notando que nos seus dados principais corrobora a informação de que já dispunhamos. Portugal com as suas ilhas e vastos territórios ultramarinos ocupava posições nas costas e oceanos em partes do mundo que eram essenciais para a passagem de cabos submarinos. O estudo evidencia essa relevância através dos inúmeros contactos e contratos feitos com as companhias relativamente a cabos tanto para uso próprio como para a sua amarragem nos territórios portugueses.
Como ponto prévio à sua leitura, é usual a dificuldade de autores não muito versados na geografia local em distinguir o que é "Moçambique", actual país, do que é a "Ilha de Moçambique", uma ilha ao norte que foi primeira capital do território e que para este tema foi muito interveniente. No estudo do Dr. Vilela, em que a África Oriental Portuguesa é digamos um aspecto marginal, a distinção ou é bem feita ou é fácil de deduzir pelo contexto. Há no entanto duas referências a Moçambique como sendo "designação do território que compreendia uma área próxima das atuais províncias de Sofala e Manica do Estado moçambicano" mais questionáveis. Penso que o autor se estivesse a referir ao território concessionado à "Companhia de Moçambique" mas não fica claro. 
Eis então a selecção do estudo no que se relaciona com Moçambique a partir do ano de 1878 com sublinhados e alguns comentários adicionais ou dúvidas para esclarecimento posterior, mas geralmente não muito relevantes para o essencial da questão. 

Ano de 1878 - 16 de fevereiro, A The Eastern Telegraph Company, Limited propõe a construção de um cabo telegráfico submarino para ligação de Moçambique a Aden (cidade do protetorado britânico situada no sul da Arábia, hoje Iémen). A 8 de abril a nova proposta aponta para a continuação do cabo de Aden para as colónias inglesas do Cabo da Boa Esperança, passando por Zanzibar, Moçambique, Lourenço Marques e Natal, contudo, não teve seguimento".

Ano de 1879
Sumário : Contrato com a Eastern Telegraph Company, Ltd. para amarração do cabo telegráfico submarino entre Aden, Natal, ilha de Moçambique e Lourenço Marques que seria lançado neste ano, ligando deste modo Moçambique à Europa, Ásia, Zanzibar e Estados da África do Sul.

1879 - 5 de julho, Início do lançamento do cabo telegráfico submarino da Eastern Telegraph Company, Ltd., pelo navio lançador Kangaroo, entre a Baía da Lagoa, Lourenço Marques e o porto de Natal, em Durban, África do Sulconcluído em 21 do mesmo mês. O sistema tem uma extensão de 345 milhas náuticas (640 quilómetros) e é formado por um condutor de cobre, coberto por gutta percha e envolto em juta mergulhada em cauchu. Em 1907, foi prolongado até à Beira e Quelimane, na costa moçambicana.

1879 - 10 de agosto, Início do lançamento do cabo telegráfico submarino da Eastern Telegraph Company, Ltd., entre Moçambique (HoM: Ilha) e a Baía da Lagoa, Lourenço Marques, concluído em 23 do mesmo mês. Foi utilizado o navio lançador Kangaroo e a ligação à costa terminada pelo navio Seine. O sistema tem uma extensão de 967 milhas náuticas (1.791 quilómetros) e é formado por um condutor de cobre, coberto por gutta percha e envolto em juta mergulhada em cauchu. Em 1907, o cabo prolongou-se até à Beira e a Quelimane (HoM: informação repetida com entrada anterior, não se fica a saber se foi lançado novo cabo de LM às outras duas cidades ou se se instalaram ramos no cabo principal de LM à Ilha, o que parece o mais provável. Se essas derivações não estivessem previstas no cabo principal este teria de ser retirado ao serviço para se colocarem. Mesmo ligar-se os dois ramos a juntas existentes não era simples pois a partir das juntas só um pequeno cabo existiria e era preciso levantá-lo para o ligar ao novo cabo a ser passado até terra). 

1879 - 12 de setembro, Início do lançamento do cabo telegráfico submarino da South African Telegraph Company, entre Zanzibar e Moçambique (HoM: Ilha), pelo navio Calabria, concluído em 2 de outubro deste ano. O sistema é constituído por um condutor de cobre coberto por gutta percha e envolto em juta mergulhada em cauchu, numa extensão de 632 milhas náuticas (1.170 quilómetros).

Ano de 1880
1880 - 28 de abril, Aprovação do contrato celebrado entre o Governo português e a The Eastern Telegraph Company Limited para o estabelecimento e exploração de um cabo telegráfico submarino entre Aden e Natal, com amarração na Ilha de Moçambique e em Lourenço Marques, na costa moçambicana.
HoM: neste contrato terá sido incluída a concessão de terrenos de que falaremos depois. Isto porque Alfredo Pereira de Lima no livro Pedras escreve na página 243: Data de 5 de abril de 1880 (corrijo o seu erro "1830") - ano seguinte à inauguração do circuito Ilha de Moçambique - LM - o contrato definitivo acordado entre o nosso Governo e a ET para os trabalhos de exploração da companhia em LM. Foi ao abrigo desse contrato que a ET obteve a concessão de cerca de 10000 metros quadrados de terreno na Ponta Vermelha e Maxaquene ....)

1880 - 5 de outubro, Autorizada a transferência para a Western and South Africa Telegraph, Ltd. da concessão de um cabo telegráfico submarino atribuída à Western Telegraph Company pelo contrato de 21 de maio de 1879. (HoM: deve ser engano, aparece sempre referida a Eastern não Western que era para a América do Sul - ver atlantic-cable)

Ano de 1885 - 4 de agosto, Lançamento de um cabo submarino da Eastern & South African Telegraph Company, pelo navio Seine, entre Zanzibar e Moçambique (HoM: Ilha), concluído em 19 de agosto do mesmo mês. O sistema é de um condutor de cobre coberto por gutta percha, envolto em juta mergulhada em cauchu, numa extensão de 686 milhas náuticas (1.270 quilómetros). (HoM: foi um segundo cabo neste trajecto)

Ano de 1895
1895 - 11 de abril, Lançamento de um cabo telegráfico submarino dos PTT (Ministère des Postes, Télégraphes et Téléphones) franceses, pelo navio François Arago, entre Madagascar e Moçambique, com uma extensão de 371 milhas náuticas (687 quilómetros) que entra em exploração nesta data.

1895 - 16 de agosto, Aprovada a prorrogação por mais dez anos do contrato celebrado com a The Eastern and South African Telegraph Company, Limited, relativo ao cabo telegráfico submarino entre Lisboa, Moçambique e Lourenço Marques. (HoM: não se sabe daqui qual o termo do contracto inicial)

1895 - 29 de agosto, Termo do contrato celebrado com a The Eastern and South African Telegraph Company, Limited, prorrogando por dez anos o contrato aprovado pelo Decreto de 23 de setembro de 1880, relativo ao cabo telegráfico submarino entre Lisboa, Moçambique e Lourenço Marques (HoM: anulou o de 16 de Agosto? que contracto continuou em vigor?)

Ano de 1897 - 17 de novembro, A partir do cabo telegráfico submarino da baía da Lagoa de Lourenço Marques e Moçambique, da Eastern and South African Telegraph Company, são desviados dois troços para o norte e sul da Beiraentre 17 de 27 de novembro com as extensões, respetivamente, de 96 e 79,43 milhas náuticas (178 e 147 quilómetros). (HoM: para 1879 é dito que o cabo foi prolongado para Beira e Quelimane. Será a mesma coisa que o que aqui é mencionado? O que foi feito?)

Ano de 1914 - Montagem de um cabo telegráfico submarino entre Moçambique (território que compreendia uma área próxima das atuais províncias de Sofala e Manica do estado moçambicano) e Mossuril (distrito da atual província de Nampula, igualmente, do Estado moçambicano) com 4 quilómetros de extensão. (HoM: será que este cabo foi de facto passado entre a Ilha de Moçambique e Mossuril?).

Ano de 1922 - 8 de novembro, Novo contrato entre o Governo português, através do Ministério das Colónias, e a Marconi’s Wireless Telegraphy Company conferindo-lhe o exclusivo da instalação e exploração de uma rede telegráfica entre a Metrópole e os Açores, Madeira, Cabo Verde, Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, com possível extensão a Macau, Estado Português da Índia e Timor. Por este contrato, que só começou a ter execução prática a partir de 1926, e após a constituição da CPRM em 1925, a companhia portuguesa alarga a exploração da TSF a todo o império colonial. Em 1966, é renovado o contrato de concessão e aquela companhia passará a deter o monopólio da exploração de cabos submarinos. (HoM: diz o exclusivo de rede telegráfica mas não diz que era sem fio. Não fica claro se a rede de cabo estava incluída ou não mas pelo que se vê a seguir deduz-se que não. Quer dizer que a CPRM pode ter entrado em concorrência com a E.T. para Moçambique a partir de 1926)

Ano de 1930 - No ano anterior, em Inglaterra é criada a Imperial and International Communications Limited, fomentada pela política britânica governamental de reunir interesses comuns dos cabos submarinos, a Eastern e outras empresas associadas, e das radiocomunicações, a Marconi’s. Mais tarde, em 1934, adotará a designação de Cable and Wireless. No nosso país, o facto também teve repercussões, pois a Marconi’s queria ultrapassar interesses particulares do cabo submarino e da rádiocomunicação. Para o efeito, no início deste ano de 1930, constitui-se em Lisboa uma comissão mista com dois representantes da Eastern e dois da CPRM para estudo dos assuntos de interesse comum. A primeira medida prática foi o encerramento da atividade da The Eastern Telegraph Company, Ltd. na África Oriental portuguesa, recolhendo os cabos de Moçambique e fechando a estação ali existente. Com esta medida a CPRM viu aumentar o tráfego radiotelegráfico naquele circuito colonial, conjugando os interesses de ambas as companhias que tinham capitais maioritariamente britânicos. (HoM: o que significa recolhendo? Suponho que os cabos foram deixados onde estavam no leito do mar)

Nos anos 30 existem na costa portuguesa do continente, Ilhas Adjacentes e Colónias diversas estações de trânsito de cabo submarino para amplificar os sinais telegráficos, mas o preço que se paga às companhias estrangeiras detentoras dos cabos é bastante elevado, pelo que o serviço público insular e colonial é, igualmente, reduzido. Através da rede radiotelegráfica da Marinha Portuguesa escoa o serviço oficial das colónias, bem como muito do serviço particular, motivo que origina inúmeras queixas apresentadas pela CPRM ao Governo, pelo desvio “ilegal” de tráfego telegráfico daquela companhia.


Ano de 1939 -  O preço que o país paga às companhias estrangeiras de cabos submarinos pelo transporte do tráfego telegráfico é muito elevado o que se reflete na tarifa do referido serviço público, por exemplo, o custo de transmissão por cada palavra entre o Continente e a Madeira é de 5$90, para os Açores 5$04, para Cabo Verde 13$14, Moçambique 14$60 e Angola 32$34.

Resumindo a parte final do estudo do Dr. José Luis Vilela e no que concerne a Moçambique, após quatro anos em que pode ter havido concorrência entre a Marconi e a E.T. foi decidido em 1930 que as comunicações inter-continentais de/para Moçambique (ainda só telegrafia) passariam a ser só por rádio e daí a estação da E.T. ter sido fechada por esses tempos.

No artigo seguinte falaremos sobre a concessão de terrenos em LM de que a E.T. beneficiou com o contracto de 1880.

Mais informação nâo consultada:
Ver site da Marconi
Sobre a Marconi (TSF) tese de doutoramento de Inês Queiroz com inúmeras referências a Moçambique

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