Jardim botânico, actual Tunduru: estátuas à entrada do jardim no princípio do século XX (4/)

Continuando à procura da estátua de Vasco da Gama que existiu no jardim botânico original a que Alfredo Pereira de Lima (APL) como dissemos neste artigo APL citava L. Vigeron que visitou Lourenço Marques (LM), actual Maputo em 1897 e que dizia ter visto "um monumento muito modesto ... à entrada do jardim sobre uma coluna de bronze um busto de Vasco da Gama", descrição de estátua que coincidia com a que se via c. de 1886 nas fotos de Fowler deste artigo mas que estava colocada na zona baixa do jardim. Adiantava também APL que essa estátua tinha desaparecido depois da observação de Vigneron. De facto não aparece com clareza em fotos posteriores mas é o que tentaremos ver aqui melhor.
Não sei quando foi executada a praceta semi-circular junto à entrada principal a oeste do jardim botânico depois Vasco da Gama (VG), actual Tunduru mas ela estava já prevista em 1895 como veremos em baixo no plano da cidade com essa data. Mas mesmo que a preceta existisse não se sabe com certeza se a entrada para o jardim a que Vigneron se referi estava aqui aberta dado que originalmente ele cresceu na parte mais baixa para a direita. Por isso a primeira grande dúvida para esta análise é se realmente a entrada era a dessa praceta, porque se não fosse não vale a pena procurar aí a estátua.


FOTO 1
Legenda: Bazaar, Lourenço Marques.  Editor E. Peters de Cape Town
Penso que neste postal está a foto mais antiga dessa praceta e zona circundante. A legenda diz "Bazaar" mas a forma semi-circular da praceta, a posição do campanário da igreja paroquial à esquerda e a rua Henrique de Sousa (vê-la aqui com a pracetaque sobe na sua direcção para nordeste, não deixam dúvidas quanto ao local. Como avaliámos aqui para outras da colecção Peters e por informações mais recente a FOTO 1 deve ser de cerca de 1906 e tem dois pormenores que destacarei:


Pormenores da FOTO 1
à esquerda: estátua alta ao centro da praceta semi-circular
à direita: vista para a entrada principal no jardim
Eu não tinha conhecimento da estátua alta ao centro da praceta até ver esta foto. Quanto ao seu local, em sentido lato podia considerar-se que ela estava "à entrada do jardim" como L. Vigneron reportou em 1897 mas não seria esta a estátua de VG a que ele se referia.
Quanto a essa de VG e talvez seja imaginação demasiada, na imagem da direita e precisamente à entrada do jardim e ao centro do seu caminho principal, noto uma peça vertical branca com algo por cima. Essa peça podia ser o pedestal da estátua de VG das fotos de Fowler que suportava uma coluna que tinha o busto no topo. A peça parece-me mais estreita do que o pedestal original pelo que podia ter sido adaptada ao novo espaço, onde convenhamos a proeminência da estátua seria muito maior do que entre as "áleas de buxos" do original. Quando ao resto da estátua parece-me que há algo escuro por cima da peça branca mas a baixa qualidade da FOTO 1 não permite dizer se seria ou não a coluna e o busto de VG.  
Conclusões a partir da FOTO 1 são que à entrada do jardim talvez se visse o que Vigneron tinha visto uns nove anos antes, mas não sabemos se era esta a entrada correcta nem há forma de o confirmar com esta ou outras imagens que conheço. 

Sobre a legenda da FOTO 1 que mostra o jardim mas que diz Bazar, que era o nome popular em Lourenço Marques do Mercado Municipal Vasco da Gama de 1903, à primeira vista parece ser um erro. Mas podia não o ser se no jardim estivesse a haver um bazar temporário (no sentido de feira), o que seria a justificação para as bandeiras e construções no seu interior e que provávelmente seriam provisórias. 
As duas plantas seguintes são de 1895 com a urbe inicial e os seus novos planos em retícula e o de 1903 com a situação real da cidade por essa altura. Podemos ver que o verdadeiro Bazar da cidade e a praceta do jardim mostrada na FOTO 1 estavam afastados cerca de 400 metros em linha recta, pelo que não podiam ser confundidos. Podemos também ver que, nos poucos anos separando as plantas, onde em 1895 estava prevista a Praça Vasco da Gama em 1903 estava já construido o Mercado VG e ondeem 1895 estava desenhada a praceta em 1903 já estava estava cosntruida e aparecia o desenho do jardim com a entrada principal por esse lado..  
Vermelho: prevista a praça Vasco da Gama, depois construido o Mercado/Bazar
Verde: praceta em frente à entrada do jardim que se vê para a direita = leste e onde segundo a FOTO 1 teria havido (ou sido realizado?) um bazar
Amarelo: actual Av. Marx, antiga Central e Manuel de Arriaga
Laranja: actual Av. Samora, antiga D. Luis e Aguiar
Azul: Igreja Paroquial que se via à esquerda da FOTO 1
Roxo: Rua Henrique de Sousa que subia da praceta "verde" para nordeste na FOTO 1
Para lá das estátuas, a FOTO 1 tem mais elementos de interesse. Pode ver-se que o jardim não tinha ainda a vedação com colunas de alvenaria e grade de ferro que aparece nas fotos de Shantz de 1919 e não tinha o arco neo-manuelino em alvenaria que foi construído em 1924 nessa entrada. 
Podemos ver na FOTO 2 em baixo a fase seguinte à da FOTO 1 da praceta, já com o arco e o portão da entrada principal do jardim tal como existiram no seu limite a oeste = poente entre 1924 e 1975. 


FOTO 2
Arco memorial de Vasco da Gama em LM com o portão da entrada por trás
E vemos também essas construções na FOTO 3 gentilmente cedida por Fernanda Simões talvez dos anos cinquenta


FOTO 3
Margem da praceta, arco neo-manuelino e portão de entrada no jardim VG
Comparando as três fotos de cima pode dizer-se que o portão do jardim foi colocado onde esteve o pórtico da FOTO 1 que era provávelmente de construção temporária. O arco neo-manuelino em alvenaria de 1924 das FOTOS 2 e 3 foi construido mais para fora, na borda do passeio da praceta do lado do jardim. 
Veremos esse arco, a entrada no jardim, a praceta e um seu monumento posterior ao da FOTO 1 com mais detalhe no artigo seguinte.

NB: Pode parece estranho que APL desse tanta importância à pequena estátua inicial (busto) de Vasco da Gama no jardim, mas ao falar dela também estava a reivindicar que o jardim do seu tempo tivesse uma, para além da grandeza dos feitos de VG e que tinham relação com Moçambique e dado o facto de VG não ter estátua em LM. Mas simplesmente quanto ao jardim, de facto é paradoxal que inicialmente quando não era chamado VG tivesse uma estátua de VG e que quando passou a chamar-se VG (a partir de 1924) não tivesse nem essa inicial nem outra mais condigna.  Para mais segundo APL nessa altura foi lançada na praceta a primeira pedra de tal monumento que acabou não sendo construído (página 181 do seu livro Pedras) e APL procurava nos anos 60 e início dos 70 reviver essa iniciativa.

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