Jardim botânico, actual Tunduru: fonte das quatro deusas, abastecimento de água à cidade (6/)

Mostrando uma das históricas fontes do jardim botânico, antigo Vasco da Gama de Lourenço Marques e actual Tunduru de Maputo, a fonte das quatro deusas, as cariátides da mitologia grega.
Primeiro com os devidos agradecimentos uma foto do Arquivo Histórico de Moçambique, Colecção Iconográfica da Câmara Municipal de Lourenço Marques (Icon 675):

FOTO 1 
Fonte das quatro deusas nos anos 60 do século XX
Quanto â posição, podemos comparar a fonte na FOTO 1 e o seu local com uma foto recente de Laura Campos publicada no facebook Cidade de Maputo.


FOTO 2
Fonte das quatro deusas recentemente, após a reabilitação profunda do jardim
Na FOTO 2 vê-se ao fundo e depois da sebe do jardim o prédio S. Jorge, na sua fachada para a Av. Manganhela, antiga Álvares Cabral. Seria o mesmo que se veria na FOTO 1 pois a fonte não mudou de sítio desde os anos 60, como se pode confirmar olhando para o canteiro ao seu lado e para o terraço que fica mais em baixo que são aí os mesmos nas FOTOS 1 e 2. 
Na FOTO 2 vê-se bem que a fonte está numa posição ainda elevada em relação à zona em que o jardim começa a descer com declive pouco acentuado para o seu limite a sul. Essa é a zona de transição entre a encosta e o ântigo pântano que rodeava a "ilha inicial" da Baixa e que foi aterrado a partir de cerca de 1880 de que falámos aqui (mais sobre esse tema aqui)
Pormenores da parte superior da fonte antes da reabilitação:



FOTO 3
Uma das quatro cariátides da fonte, as deusas gregas

FOTO 4
Também antes da reabilitação do jardim
A fonte de novo mais completa com as quatro deusas acima do pedestal numa foto de 2006 de Yves Traynard reproduzida com a devida vénia: 


FOTO 5
Como nas FOTOS 1 e 2, olhando-se também 
para a parte baixa do jardim ao fundo
Mais uma foto de 2006 de Yves Traynard reproduzida com a devida vénia: 

FOTO 6
Fonte das quatro deusas em 2006, com a Baixa para o fundo

Um artigo da Notícias Magazine de 2016 dizia o seguinte a propósito da fonte e seu terraço ou pátio: "o pátio das 4 Deusas está completamente reabilitado e será um dos locais de grande atracção do Jardim Tunduro. A estatueta onde se encontram as quatro Deusas foi restaurada e o público poderá apreciar uma das obras de arte que constitui uma raridade no seio dos jardins ao nível da nossa urbe. Tal como ficamos a saber, foram produzidas, no total, seis peças contendo cada uma quatro Deusas."

Não me é possível confirmar esta informação (e pergunto, para quê seis peças, será para as substituir no futuro se houver corrosão?) mas na FOTO 7 que é após a reabilitação as deusas parecem com o aspecto anterior o que não é mau sinal.
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FOTO 7
Fonte após a reabilitação mas parece que sem água corrente
 (original do FB Alto-maé)
No livro "Pedras que já não falam" de 1972 o luso-moçambicano Alfredo Pereira de Lima (APL) tem um capítulo sobre o jardim. Vou aqui resumir o que ele diz respeito à fonte das "quatro deusas" suportando a cúpula e ao seu provável doador. O texto de APL adaptado com os comentários HoM:
"A fonte que lá estava era idêntica a uma fonte Francesa, exactamente localizada no “Champs Elysèes”. As primeiras cinquenta fontes “Wallace”, iguais à que se ergue no Jardim Tunduru foram oferecidas à cidade de Paris em 1872 por “Sir” Robert Wallace, um grande filantropo e coleccionador de arte britânico (ver em Londres a sua Wallace Collection"para que aos pobres e aos passarinhos de Paris nunca faltasse água fresca para beber". Sir Robert encomendou o trabalho a um dos mais famosos escultores do seu tempo, Charles Lebourg e este, inspirando-se no Classicismo Grego, apresentou ao milionário o modelo com as cariátides suportando uma graciosa cúpula. Por esse motivo tais fontes são também conhecidas pelo “Templo das Quatro Deusas”. Sir Robert assim que viu, tão entusiasmado ficou com o modelo que mandou que ele fosse imediatamente executado nas famosas fundições “Fonderies d’Art Du Val d’Osne”, de Paris. A fonte existente no jardim botânico tem as seguintes inscrições: ”FONDERIES D”ART DU VAL D’OSNE - 58 Bd. VOLTAIRE - PARIS e “CH. LEBOURG SC 1872". 
APL pensava que o exemplar no jardim botânico tenha sido oferecido à cidade entre 1895 e 1900 pelo engenheiro francês Eugène François Tissot. Este tinha inicialmente um sistema de captação de água no extremo da Ponta Vermelha mas em 1895 a abertura do caminho de ferro veio exigir maior abastecimento de água (principalmente para as locomotivas a vapor, suponho) para o que a instalação para captação do Estado no (baixo) Maé para o quartel do Alto-Maé não era suficiente. Tissot com seu sistema ofereceu o fornecimento da água necessária e em troca recebeu a concessão de abastecimento à cidade por 50 anos. Foi-lhe entregue a estação do Maé e tratou do fornecimento urgente de água ao Hospital mas em 1900 vendeu a concessão a John Henderson e este em 1903 vendeu-a à Delagoa Bay Development Corporation (DBDC). Tissot acabou por falecer bem como a sua família em acontecimento trágico em LM mas APL não disse quando.

Resumindo, esta fonte em ferro forjado ou fundido foi produzida em França no século 19 e deve ter sido trazida para o jardim entre 1896 e 1900. Embora o modelo inicial tenha sido escolhido por Wallace suponho que após a conclusão da sua encomenda a fábrica continuou a produziu-lo para outros clientes.

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