Casa de Ferro de LM e sistema Danly - uma fábrica e casas em França (1/6)

FOTO 1 (alamy)


Vista da Casa de Ferro de Maputo com o jardim botânico para trás

Continuamos aqui alguns artigos já mostrados antes sobre a Casa de Ferro (CdF) de Lourenço Marques (LM), actual Maputo, instalada originalmente em 1892 e reinstalada em 1972. 
Segundo o especialista francês Bertrand Lemoine consultado para este artigo do Le Monde a CdF terá sido fabricada pelo engenheiro, inventor e construtor belga Joseph Danly o que confirmaremos aqui. Num pdf dos especialistas em casas metálicas Marc Braham e Guillaume Carré que se pode carregar daqui é dito que Joseph Danly (1839 - 1899) registou entre 1885 e 1888 patentes para casas de ferro desmontáveis e que foi co-proprietário e diretor duma fábrica metalúrgica, a "Forges d'Aiseau" localizada perto de Charleroi na Bélgica, que produziu a maioria das que seguiram essas patentes. Outra fábrica, as "Forjas e Fundições de Hautmont" de França adquiriu-lhe a licença de fabrico mas únicamente para esse país e suas colónias. Assim, a confirmar-se que a CdF é de Danly terá sido a fábrica belga a vendê-la para Portugal / Moçambique, pelo que a referência de Alfredo Pereira de Lima (APL) no livro Edifícios Históricos à "origem belga" da CdF dirá respeito não só ao seu inventor mas também ao fabricante.  
Vamos aqui compreender que é possível dizer à "vista desarmada" que a CdF é de Danly devido ao desenho e relevo das placas metálicas com que as suas paredes principais são formadas. No fabrico tais placas eram estampadas a frio (cortadas, "moldadas" e dobradas) em prensas segundo desenhos e relevos com os objectivos de: 
a. dar mais sofisticação à estética das casas; e principalmente; 
b. reforçar a rigidez da área central evitando p.ex. a vibração com o vento e deformações com oscilações de temperatura. 
Quanto à rigidez das bordas da placa, ela era principalmente assegurada pela dobragem em ângulo recto, a qual vai servir também para a fixação à estrutura que forma as paredes. 
Da parte visível da estampagem das placas da CdF podemos fazer esta resenha em que à esquerda destaco os traços principais:

MONTAGEM 1 (clique para aumentar)
CdF: diversos tipos de placas estampadas, rectangulares ou quadradas
com o mesmo desenho e relevo de base

Como se vê o que identifica melhor este desenho e relevo é uma espécie de cabeça dupla de seta apontada aos quatro cantos e que aparece em alto relevo no que fica sendo o lado exterior das placas. Verifica-se assim que a maioria das placas da CdF tem estampagem semelhante, a diferença entre elas vem do desenho de base ser nas partes centrais (em forma de envelope) esticado ou encolhido conforme a dimensão das placas, ao comprimento ou largura. Como excepções à essa regra e quase sem estampagem vê-se na CdF algumas placas quadradas pequenas e as placas triangulares colocadas junto à cumeeira do telhado, pois para essas basta a dobragem das bordas para assegurar a rigidez ao centro. 
Aumentando a rigidez da placa através dum determinado desenho e relevo da estampagem poderá ser reduzida a espessura da chapa usada para a construir. Daí resultará menor  custo do material utilisado e menor peso das placas com vantagem para o seu transporte, dimensionamento da estrutura onde assentam, facilidade de instalação, etc. Por isso desenho e relevo da estampagem são vantagens comparativas de cada invenção e assim presumo que façam parte das patentes (mas não posso confirmar por não as ter visto). Será por isso que a partir do desenho e relevo das placas se pode identificar a que patente as casas dizem respeito e quais os seus fabricantes, que como vimos no caso de Danly podiam ser um belga e um francês. 
Dito isto, para confirmar-se que a CdF é mesmo de Danly vamos comparar as suas placas com as de casas que reconhecidamente são desse sistema. Sistema é o termo usado por Marc Braham para construções produzidas industrialmente / mecânicamente e em que os elementos constitutivos bem como a forma de instalação estavam normalizados. Noto que dizemos casas genéricamente, mas englobam-se aí edifícios para muitas outras utilizações, públicas e privadas, residenciais e profissionais.
Começamos pela casa de ferro do sistema de Danly localizada em Morgat na Bretanha em França e que a wikipedia diz ter sido construída de 1889 a 1890 (provávelmente). Está classificada  - como a maioria destas casas pelo mundo fora - e em bom estado (neste artigo mais informação sobre ela):

FOTOS 2
Parede de placas e vista geral da casa de ferro em Morgat, França.
Esta tem telhado em ardósia e persianas exteriores

Continuamos com outra casa de ferro do sistema de Danly localizada em Poissy também em França e construída em 1889 (ver aqui). 
Mostra-se uma foto antiga para começar mas que não dá para se ver muito bem as placas:

FOTO 1
Casa de Ferro de Poissy pelo sistema de Danly - wikipedia

Esta casa colapsou há alguns anos mas os trabalhos de recuperação estão em curso e terminarão para o fim de 2019. Pode-se ver aqui um filme sobre esse projecto do qual retiro uma imagem antiga das placas e que coloco na parte superior da montagem seguinte:

MONTAGEM 2
Placas da casa de ferro de Poissy, na montagem original em cima 
e no estado antes da reabilitação em baixo

Fácil será de constatar que as placas estampadas da CdF e das duas outras residências que vimos aqui têm mesmo desenho e relevo, pelo que se confirma que a CdF de LM / Maputo pertence ao sistema de Danly. No.pdf de Marc Braham e Guillaume Carré sobre casas de Danly em França que se pode carregar daqui nas páginas 9 e 10 do pdf aparecem ainda uma granja e uma capela em que se vê bem placas com o mesmo desenho.
Na construção de casas metálicas que se tornaram mais populares a partir do último quartel do século XIX (19) estiveram envolvidos vários inventores europeus normalmente originários das regiões onde a indústria mineira, siderúrgica e metalúrgica tinha mais tradição. Mas no que respeita à possibilidade destas casas terem sido projectadas pelo engenheiro francês Gustave Eiffel levantada pelo Le Monde para a CdF e por outros media, por muito atractiva que seja a ideia dada a sua celebridade, Marc Braham e Guillaume Carré afirmam que Eiffel nunca construiu casas metálicas e que nada prova que tenha estado em contacto com os seus fabricantes, tanto em França como na Bélgica (ver aqui artigo sobre a casa de Morgat e Eiffel).
Muito mais informação sobre os desenvolvimentos da metalurgia e indústria que conduziram à produção de casas de ferro pode ser encontrada no site de Marc Braham maisons-metalliques-francaises donde retiro muitos dados históricos e técnicos para esta série de artigos. 
Resumindo, explicámos porque as placas identificam os produtores de casas e confirmámos que as da CdF são idênticas às de duas localizadas e em princípio produzidas em França e que são reconhecidamente de Danly (e só um pouco anteriores à CdF). No próximo artigo veremos casas de Danly (pré)fabricadas na Bélgica e onde a CdF o terá sido também e falaremos mais de Joseph Danly e da sua fábrica "Forges d'Aiseau" no seu país natal.

NB: o interesse de Danly em licenciar o fabrico de casas sob a sua patente em França e para um local até relativamente próximo da sua fábrica na Bélgica deve estar principalmente relacionado com as taxas aduaneiras entre os dois países cerca de 1887. Essa será também a razão para que segundo Marc Braham cada uma das fábricas assegurasse a produção completa. Com a fábrica em França, Danly fazia com que o seu sistema fosse aí concorrencial com os franceses e óbviamente recebia os direitos de propriedade industrial pelas vendas. Em termos de volume de produção, a procura do mercado francês com suas colónias devia ser suficente para rentabilizar a fábrica francesa e o mesmo aconteceria para a fábrica belga com a procura desse pais mais a do resto do mundo. Isto aqui são claramente suposições mas mesmo muito do que digo em cima e nos artigos seguintes deve ser lido com sentido crítico ...

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