Inventor Provay dos Caminhos de Ferro confirmado 100 anos depois

Falamos neste e neste artigo e em mais alguns duma instalação carvoeira no porto de Lourenço Marques (LM), actual Maputo que tinha sido inventada pelo engenheiro Provay em conjunto com o Eng. Costa Serrão e que penso que era dito pelo luso-moçambicano Alfredo Pereira de Lima (APL) tinha sido patenteada por Provay. Era dito este ser húngaro de origem, o seu apelido e como veremos os nomes (Giuseppe Antonio Pietro) não me parecem muito "magiares" mas a Hungria desse tempo do Império Austro-Húngaro devia ter território e populações bastante diferentes e maiores que actualmente.
Este artigo nasce primeiramente duma foto publicada na revista "O Ilustrado" com Freire de Andrade ao centro (ver aqui) pelo que presumo fosse ele o Governador-Geral de Moçambique. Isso aconteceu entre 1906 e 1910, no grupo fotografado estão militares e vários membros da administração e serviços e aparece lá o seguinte cavalheiro como sendo Provay: 
Legenda: G. Provay da secção de electricidade do porto
(em terceiro plano, último nome da esquerda para a direita)

Relembro aqui a constituição e as fases fundamentais de como entendi o funcionamento da carvoeira chamada Provay, com duas torres instaladas em parelha no porto junto ao cais em LM. Explico na foto e legenda essas três fases:
Amarelo: carvão que vinha nos vagões era virado para contentores, 
esta parte era comum às duas torres
Vermelho: esses contentores com o carvão eram elevados pelas correntes rolantes 
para o alto da torre
Verde: carvão era daí despejado através dum balde para porão dos navios

Depois do retrato de Provay visto no início, a segunda curiosidade que motiva este artigo é que podemos ver um pedido de patente feito por Provay na Grã Bretanha que se relaciona (pelo menos à partida) com a "parte verde" da legenda de cima. O balde que recebia o carvão no alto das torres - e resumindo o que APL disse - tinha fundo móvel, quer dizer que "tinha uma ponta para o lado do cais com uma tampa que estava fechada ao receber o carvão e que se abria para o despejar". Ora o título desse pedido de patente é "improvements in bottom discharge buckets and the like" ou seja "melhorias na parte inferior dos baldes de descarga e similares". 
O meu propósito aqui é mostrar que - devido à digitalização da informação e ao esforço de organizações, dos investigadores profissionais e de alguns "curiosos" que alimentam a máquina do conhecimento - actualmente ao "clicar duma tecla" pode encontrar-se informação com que há vinte anos nem se sonharia e que por exemplo APL seguramente não viu. Por isso não entro nos detalhes dessa patente que até pode ser dum balde diferente do que foi usado na carvoeira, mas duma forma ou doutra estará relacionada com ela.  Relembro que a carvoeira de Provay foi instalada em 1923 e esta patente foi pedida no Reino Unido em 1921 e validada em 1922 (o seu estado actual é expirado pois para a manter era preciso pagar ao UK Patent Office). Como seria de esperar Provay não inventou completamente um dispositivo mas melhorou um mecanismo para abertura da tampa que já exista. Pode também ver-se que a sua invenção teve algum interesse porque foi por exemplo citada em patentes pedidas muito mais tarde por firmas de electromecânica, em 1989 para "Device for coupling hoisting means with a container" e em 1991 para "Receptacle".
Em 1924 a mesma patente foi pedida nos Estados Unidos (aqui) com dois desenhos um dos quais mostro a seguir. A categoria a que foi assignada era "gates or closures having closure members movable out of the plane of the opening having a linear motion":

Patente de "Bottom-discharge bucket" = 
balde que descarregava por baixo
Inventor: Giuseppe Antonio Pietro Provay,
mostra-se um dos esquemas no pdf

Este pedido nos Estados Unidos diz que o inventor tinha nacionalidade portuguesa (o que era já sabido ele tinha adquirido) e que residia em Lourenço Marques. As testemunhas para o seu pedido foram José Leopoldo de Faria e ARTHUR THOMPSON, nomes que eu desconhecia.
A patente que vimos até agora relacionar-se-ia com a "parte verde", a última fase da operação da carvoeira em que o balde despejava do alto da torre o carvão para o porão dos navios. Mas primeiro o carvão era despejado automáticamente dos vagões que o transportavam para as instalações portuárias, o que se fazia na "parte amarela" da foto de cima, procurando-se acelerar o processo reduzindo a intervenção humana anteriormente necessária. 
O mecanismo da "parte amarela" ou o melhoramento dum anteriormente disponível, também parece ter sido patenteado por Provay nos Estados Unidos como se pode ver aqui em registo para "Truck-tippler or means for discharging the contents of trucks and like vehicles" ou seja métodos para descarregar conteúdo de vagões por rotação. Essa patente foi aprovada em 1914 por isso era uma ideia que germinava muito antes de Provay a ter aplicado em 1923 e também antes da patente referente à da "parte verde". 
Que o seu objectivo era o de que aqui falámos é claro no texto de introdução"This invention appertains to a tippler, dumper or similar contrivance for emptying railway trucks, wagons or other similar wheeled vehicles which traverse a permanent way or track. It relates in particular to that type of device in which the truck is received bodily in a structure which is adapted to be revolved and thereby partially invert or incline the truck to discharge its contents. The apparatus can be utilized for handling coal, ore or other fragmentary material, as well as grain or other granular material, or pulverulent material, in bulk. For example, it can be used for transferring coal from railway trucks into a bin or bunker for the coaling of steamers, as well as for loading a ship or steamer with any material"
De novo não tento perceber / explicar aqui os detalhes mas certo é que o esquema seguinte incluído nessa patente pelo menos parece-se com o modo como eu tinha imaginado que funcionasse "a parte amarela" a partir das fotos antigas disponíveis do equipamento, por isso é capaz de ser ele mesmo. 

Patente de truck tippler = virador de vagões,
um dos muitos esquemas nela incluídos
Inventor: Giuseppe Antonio Pietro Provay. A estrutura 
onde está o vagão roda para despejar a sua carga

Noto que nesta patente de "truck tippler" Provay era dito ser "subject of the King of Hungary" embora fosse já "resident of Lourenco Marquez" pelo que se terá naturalizado português entre 1914, o ano deste pedido e 1921, o ano do pedido da patente do balde no RU. O pedido para este "truck tippler" tem um texto explicativo longuíssimo e no fim diz que as testemunhas foram PERCY ROBINSON e ARTHUR THOMAS LAURENCE, nomes que também desconheçia até agora e que não parecem ser os mesmos que assinaram o esquema como testemunhas. Esta patente foi citada noutra de 1946 e como a anterior actualmente encontra-se expirada (caduca). 
Vê-se também que em 1912 Provay tinha pedido uma patente semelhante nos EUA mas como disse acima para caso semelhante para se perceber as diferenças entre elas era preciso ser especialista de mecânica, dada a enorme complexidade do que aí é descrito. 
No google aparecem outras patentes listadas sob o nome de Provay que não sei se são as vistas em cima ou diferentes, poderão até ser relativas à "parte vermelha" do processo e como disse para a primeira podem ser ou de melhoramentos de elementos existentes ou de algo completamente novo. Lamentávelmente no Google não aparece foto de Provay pelo que não se pode confirmar se a de cima de "O Ilustrado" está correcta, mas tudo leva a crer que sim.
Voltando às informações das fontes portuguesas, sabe-se que a construtora da carvoeira de Provay em 1923 foi a firma Head, Wrighson & Co. (que se confirma aqui era de engenharia pesada) e o director do porto na altura era o Eng. Noronha e Andrade (que se vê aqui deve ter tido um filho em LM em 1919). Apesar dos elogios feitos por Alfredo Pereira de Lima nos seus livros a Provay, como já vimos no seu relatório de 1936 o Eng. Pinto Teixeira que foi director dos Caminhos de Ferro de LM / Moçambique uns anos depois da instalação da carvoeira, dizia não gostar dessa solução pois gastava muita energia e destruía muito os blocos de carvão provocando muito desperdício. Isso quer dizer que a criação de Provay (noto que o Eng. Costa Serrão não constava destes processos de patentes no RU e EUA) não tinha correspondido à expectativa criada no início. Também ficamos sem saber se este tipo de carvoeira de Provay foi ou não produzido em série e em que outros portos terá sido instalado.

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