Missão de demarcação de fronteira de Moçambique em 1896-97 - Walter Bosman, Nunes da Silva e Neuparth

Parece-me que a noção de fronteira entre países apaixona as pessoas desde tenra idade. Claro que são uma criação humana com pontos positivos e negativos mas vieram para ficar, ao contrário do que dizem certos senhores bem pensantes quando lhes convém.
Relativamente às do sul de Moçambique e a quem as estabeleceu há mais de 120 anos, o ACTD tem fotos dos trabalhos da comissão de 1896-97 de que falámos já aqui e aqui e que deve ter sido a que se seguiu imediatamente à de 1894 chefiada por Caldas Xavier e de que falaremos mais depois. 
A comissão de 1896-97 actuou entre a Ponta do Ouro no litoral e o interior e subiu depois até perto da Namaacha, pelo que como se pode ver no mapa aqui e veremos com mais detalhe em baixo envolveu Portugal (Moçambique) e a Inglaterra (administrando o Natal a sul e a Swazilândia / eSwatine a leste) e foi chefiada por Bosman (do lado inglês) e Nunes da Silva (do português). Noto que este artigo de revista falava do envolvimento do governo transvaliano mas devia ser por engano, esta comissão terá sido só bi-lateral embora na zona da Namaacha os boers do Transvaal (ZAR) possam ter sido pontualmente envolvidos.
Para além dos dois responsáveis, a missão incluiu segundo a FOTO 2 que revemos em baixo também Pearer (funcionário inglês) e Mariano dos Santos (de quem não sei mais) e o tenente Neuparth que fez as fotos para o arquivo português e noto que estranhamente não encontro na net fotos tiradas pelos membros estrangeiros destas comissões. 
Tive dificuldade em encontrar a pista de Bosman mas descobri que seria Walter Bosman e a partir daí obtive o que deve ser o seu CV incluindo a foto seguinte. 

FOTO 1
Walter Bosman (1867 - 1946) inglês da comissão de 1896 - 97
Walter Bosman foi formado como engenheiro de minas e foi director de Obras Públicas por exemplo em Durban no Natal / África do Sul o que o coloca profissionalmente e geográficamente na órbita do trabalho da comissão. Era natural de Hong Kong, filho de pai britânico e de mãe de etnia chinesa.
Recordemos a foto de grupo dessa comissão: 

FOTO 2
Bosman seria o senhor da marca azul
Nunes da Silva o da marca verde
É difícil comparar o senhor da marca azul com o Bosman mais idoso na FOTO 1 nomeadamente se teria feições algo orientais ou não mas a idade, os cerca de 30 anos que teria em 1897, parece que corresponde.
Como vemos no seu CV Walter Bosman passou pelo exército britânico e presumo que ligado a essa experiência escreveu o livro The Natal Rebellion of 1906 publicado em 1907. Por isso depois de GR Von Wielligh da primeira comissão sul-africana encontramos um segundo especialista de mapas que se tornou escritor, embora este num tema menos surpreendente. 
No livro The Map of Africa by Treaty de Sir E. Hertslet - que como é usual no googlebooks tem muitas páginas em branco devido ao "copyright" - encontro um documento que confirma os nomes que são dados na FOTO 2 (e presumo que o livro tenha muito mais elementos de interesse sobre a definição das fronteiras de Moçambique, fala por exemplo das do Niassa):
Oro peak era o Monte do Ouro, 
um pouco abaixo = sul da Ponta do Ouro
O livro refere-se ao documento e mapas que a comissão de Bosman e Nunes da Silva decidiram no terreno e que eram enviados aos dois governos para ratificação, passo que normalmente seria burocrático mas era crítico no processo e podia ser afectado por exemplo em caso de mudança de governos.
Sobre Nunes da Silva não tinha encontrado antes mais informação nem sabia se era militar ou civil mas a partir do nome completo "Joaquim Antonio Nunes da Silva" vejo no Geni que era oficial da Armada. Assim via-se aqui que em 1912 estava no posto de Capitão de Mar e Guerra e envolvido com muitos outros "camandulas" numa disputa por difamação (de resto muito interessante porque se foca na situação dos militares não revolucionários depois da instauração da república em Portugal em 1910). De dois anos depois, em 1914, temos uma foto no momentosdehistória de Nunes da Silva como comandante do Corpo de Marinheiros à partida de tropas portuguesas para Angola, altura essa altura em que o seu antigo subordinado Neuparth era o Ministro da Marinha e Colónias provávelmente ajudado pela  sua filiação na Maçonaria ainda nos tempos de LM:
Capitão de Mar e Guerra Nunes da Silva em Lisboa, à frente com o sobretudo escuro 
Num à parte é dito nesse artigo que durante o maior combate contra os cuanhamas / cuamatos de Angola as tropas portuguesas "landins" idas de Moçambique cantaram o hino "Baiete Incose" (aqui o Bayete 'Nkozi tocado e cantado na Polónia). 
Voltando atrás uns desassete anos à missão de demarcação de fronteira em 1896-97, como Nunes da Silva nasceu em 1858 teria aí uns 38 anos de idade o que é compatível com o seu aspecto na FOTO 2 (marca verde) e seria assim bastante mais velho que Walter Bosman, o representante de Sua Majestade. 
Nas duas missões anteriores os chefes e os técnicos do lado português eram do exército, para esta tanto Nunes da Silva como Augusto Eduardo Neuparth (1859 - 1925), que era só um ano mais novo que ele, eram da Marinha de Guerra. De Nunes da Silva não sei a especialidade mas Neuparth era Engenheiro Hidrógrafo e nessa altura tinha já enorme experiência nos trabalhos geodésicos e topográficos do tipo dos realizados nessa missão. Na wikipedia esses e outros semelhantes na mesma zona estão listados em seu nome: " .. o traçado dum paralelo para a delimitação da Fronteira Sul de Lourenço Marques, a delimitação completa do Sul do Maputo, o reconhecimento do Rio Maputo desde a sua confluência com o Rio Pongulo até Maxaéne...".

Continuo com outras partes do livro de Sir E. Hertslet relativas à marcação desta fronteira:
Trabalho da comissão foi de acordo com um tratado assinado em 1891
No google maps vê-se bem que a ideia foi de alcançar a parte em curva mais a sul do rio maior da região (o Usutu em inglês ou Maputo em Moçambique) um pouco antes de ele confluir com o rio Pongolo e de usá-lo como fronteira daí para o interior. Para a direita daí ou seja para o lado do litoral foi primeiro definida uma longa linha recta que depois flecte um pouco para passar a norte dum pequeno lago (o lago Kosi está mais para sul) e seguir até ao Pico do Ouro, na elevação junto à costa.
Em baixo vê-se ainda do livro The Map of Africa by Treat e do documento oficial que estabeleceu a fronteira, a informação sobre o marco XIII que presumo fosse o penúltimo dado que o último seria o marco que conhecemos do Pico do Ouro (bem visível na versão dos anos 50 no google maps):
Marco XIII perto dum pequeno lago e ao chegar à costa
A fronteira do lado sul de Moçambique com a África do Sul, estado do Kwazulu-Natal (que fica na direcção este-oeste) em linha recta tem uns 74.2 km de comprimento. Como dissemos na maior parte é uma justaposição de segmentos de recta e mais para o interior e em pequena parte segue o leito dum rio. A fronteira do lado oeste com a Swazilândia (eSwatini) (que fica na direcção norte-sul) tem perto de 100 km de comprimento e não é em linha recta mas é quase. 
Com as imagens de satélite do presente estas duas fronteiras com linhas claramente definidas e que não são muito longas parecem ter sido fáceis de estabelecer mas não deve ter sido assim. De facto as imagens de satélite só provam que o trabalho de 1886 - 87 foi bem feito, o que não é o mesmo que ele tenha sido fácil ou rápido. Temos que pensar que no final do século XIX ou nem tinham sido feitos mapas destas regiões (para os jovens mais distraídos os mapas, sejam eles de papel ou de écran de smartphone, não são de geração espontânea ...) ou se havia mapas eram muito imprecisos. Isso significa que a fronteira não podia ser marcada à distância e que pessoal especializado tinha de ir aos locais observar e tirar medidas para se poder fazer mapas e fronteiras precisas. 
Dito isto é difícil estimar quanto tempo terão demorado os trabalhos desta comissão mas sendo ela de entre 1896-97 no mínimo seria de "2" meses e no máximo terá sido de 2 anos.  É preciso ter em conta que as missões levavam carretas puchadas por burros e bois com viveres, tendas e materiais que precisavam de atravessar rios, areais e montes, nas zonas com mais mato era preciso cortá-lo à catanada para se  prosseguir caminho, etc. Com estas dificuldades o mais provável é ter sido trabalho para uns 4 meses o que com as infraestruturas e tecnologias actuais (estradas, meios de transporte, maquinaria de engenharia civil, controle das doenças e epidemias, assistência médica, redes de comunicações, aparelhos GPS, etc) parece muito mas nessa época talvez não fosse.

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