Roger Casement, cônsul britânico em LM entre 1895 e 1897 - História e "estória"



Foto assinada de Roger Casement (1864 - 1916) do blog malomil
Falarei aqui dum cônsul britânico em Lourenço Marques (LM) que como se pode ver no guia sobre documentos seus arquivados na República da Irlanda (Casement Exhibition) depois de ter sido fiel servidor da Coroa de Sua Majestade e sido até condecorado por ela se tornou independentista irlandês e após peripécias várias foi condenado por traição e executado pelo Reino Unido em 1916. 
Vê-se nesse guia que Roger Casement a partir de 1883 teve vários trabalhos em África e que em 1892 entrou para o Foreign Office britânico. A sua primeira nomeação como cônsul aconteceu quando teria uns 30 anos de idade e foi para LM e aí ocupou o posto de 1895 a 1897. Voltou à cidade em 1899 não sei bem em que cargo oficial ou privado mas com a intenção de espiar os negócios dos boers da ZAR no Transvaal e até de ter uma participação mais activa contra as suas linhas de abastecimento como se vê no guia"... With the outbreak of the Boer War between Britain and the Boers in late 1899, Casement was ordered back to Lorenzo Marques to monitor the movement of arms. He was awarded the Queen’s South African medal for his involvement in an aborted commando operation, which attempted to disrupt the main railway line linking Lorenzo Marques and Pretoria".
Quanto a edifícios que Casement tenha usado em LM, deve ter estreado a actual residência do embaixador britânico de que vimos a primeira fase em construção cerca de 1895 aqui. Não sei se o escritório de atendimento do consulado na Baixa (também Clube Inglês) estaria já pronto em 1895, senão estivesse terá surgido pouco depois.  
Depois de LM e de ter sido cônsul nos territórios ultramarinos portugueses de Angola e S. Tomé, Casement foi colocado no Congo Belga, depois Zaire, actual RDC em 1900 e foi ele que despoletou internacionalmente a questão da grave violação dos direitos humanos nessa propriedade pessoal do Rei Leopoldo. Casement manteve o interesse nesse tema a propósito de índios no Peru quando foi colocado como cônsul britânico no Brasil e como não li os textos não sei se esse envolvimento era de iniciativa humanista própria ou se seguiu directivas "interesseiras" do Foreign Office (ver o caso anterior das acusações inglesas a Portugal sobre o tráfego de escravos).
A vida de Casement está sumarizada na wikipedia e foi adaptada a romance pelo prémio Nobel da Literatura Gabriel Garcia Marques - O Sonho do Celta, o título dum poema nacionalista que ele escreveu. Esse livro, segundo a resenha da sua tradução para português, parece tratar mais da sua presença no Congo.
O blog em português malomil tem um extenso artigo sobre Casement no qual a respeito de LM diz que exerceu aí o posto de cônsul precisamente a partir de 27 de Junho de 1895 e que teve um papel relevante nas negociações de Portugal com o chefe vátua rebelde Gungunhana (wikipedia) ou Ngungunyane, etc. Mas esse artigo da wikipedia diz que a última tentativa de tais negociações aconteceu no fim de Maio de 1895 e presumo que daí até Gungunhana ter sido preso a 28 de Dezembro de 1895 o clima entre as duas partes deve ter sido mais de guerra do que de conciliação. Por isso suspeito que o papel que Casement tenha tido a partir do fim de Julho até ao fim de 1895 não tenha sido tão relevante assim, para mais que até 1891 os britânicos tinham encobertamente apoiado a revolta de Gungunhana contra Portugal que por isso devia recear que os ingleses ("a pérfida Albion") sob o pretexto de "manter as pontes diplomáticas" acabassem por os atraiçoar. Mas isso são suposições minhas e sendo esse período tão rico e decisivo da História do sul da África saber-se (e em discurso directo) o que os ingleses fizeram e pensaram relativamente a Gungunhana e ao sul de Moçambique e Portugal parece-me um tema muito interessante. Digo isso específicamente porque nas pesquisas rápidas e aleatórias sobre Casement e LM vejo referência por exemplo a despachos de 1896 dos cônsules ingleses em LM (ele e um Boville) que não estão digitalizados (aqui é dito que inclui um mapa de LM do plano de Araújo com notas de Casement). Será que esses documentos foram já estudados por historiadores bem conhecedores desse tema? Quanto ao papel de Casement neste período devo ainda acrescentar que como Maguiguana continuou a revolta de Gaza em 1896 e 1897, Casement teria tido aí a oportunidade de actuar como mediador e poderá ser então a essa fase que o blog malomil se refere. 
Recordo nesta foto o tempo em que Gungunhana e Portugal - que tentava consolidar o domínio do interior de Moçambique e impedir que os ingleses conseguissem cortar o seu território para obter acesso das suas Rodésias, os actuais Malawi, Zâmbia e Zimbabwe ao Oceano Índico - ainda mantinham relações:
Legenda do ACTD:  (1890-1891). Régulo Gungunhana e Mt.º Almeida. 
Informação complementar é de que Mt.º (o que queria dizer?) Almeida era o Conselheiro José Joaquim de Almeida que a certa altura foi o principal interlocutor português com Gungunhana e como se pode ver na wikipedia à época da foto devia ser Intendente-Geral dos Negócios Indígenas em Gaza (tinha sido Governador-Geral Interino de Moçambique em 1889). Mas como aí se vê, a partir de 1892 esse alto-funcionário entrou para os quadros da empresa privada "Companhia de Moçambique" (a concessionária do território de Manica e Sofala) e presume-se Gungunhana deixou de ter um bom confidente do lado português. O artigo da wikipedia diz que a 20 de Abril de 1895 Almeida voltou a participar numa reunião com Gungunhana, mas aí devia ser já demasiadamente tarde para mudar o rumo dos acontecimentos pois as novas autoridades portuguesas em Moçambique (António Enes civil e Mousinho militar) eram muito mais inflexíveis do que tinham sido as anteriores, como eu já escrevinhei anteriormente algures.
Voltando ao cônsul britânico Casement em LM, uma pequena "estória" que captei na net vem duma carta (apareceu num leilão) que ele escreveu em Maio de 1897 ao Governador das Ilhas Maurícias e que sumarizo depois:


Carta escrita em LM e assinada por Roger Casement, Cônsul
Casement escrevia que um cidadão originário das Maurícias (teria administração comum inglesa e francesa?) falecera no Hospital Civil e Militar de LM. Como ele tinha deixado algum dinheiro no hospital o seu director entregara-o a Casement na qualidade de cônsul do infeliz defunto. Este tinha sido conhecido no hospital como "Luis Oguis" mas Casement descobriu que era na verdade "Louis Auguste" (que em francês se diz quase como no hospital se tinha percebido Ô-giuss-te) e que tinha como profissão pedreiro. Com esses dados um tanto vagos Casement pedia ao Governo das Maurícias para lhe indicarem a quem, presume-se a família enlutada, devia ser enviado esse dinheiro. Se essa "démarche" de Casement foi bem sucedida ou não ficamos, por agora, sem saber.
Finalmente e também para quem estiver interessado em investigar a História (ou estórias?), de notar que há informação sobre correspondência de Casement com um Pincus que residia em LM, aqui de quando Casement tinha partido e aqui de quando Casement ainda estava em LM como cônsul.(R. Casement, H.M. Consulate Lourenco Marques to Pincus), mas as hiper-ligações não funciona(va)m. Sobre Pincus lembro que neste artigo do HoM se referia um comerciante alemão em LM cerca de 1903 chamado Fritz Pincus, seria esse?

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