Vimos no artigo anterior que a guarda avançada da comissão portuguesa de demarcação de fronteira com a África do Sul chegou ao seu limite a norte na junção dos rios Pafuri e Limpopo a 20 de agosto de 1890. Estabeleceu aí o campo 38 onde fez uma paragem de cerca de duas semanas, o que Freire de Andrade (FA), o presidente da comissão portuguesa, descreve / justifica assim c. da página 43 do relatório da comissão (pdf aqui): "os animaes precisavam descanso e a gente também; depois d'aquelles dois mezes e meio de árduo trabalho por que tínhamos passado, não estávamos menos precisados d'elle, tanto mais que a parte da viagem que nos restava a fazer era a mais difficil e arriscada. Resolvemos, portanto, descansar alguns dias no Limpopo, procurando durante elles regular os chronometros e arranjar alguns mantimentos, pois do arroz trazido de Lourenço Marques restavam apenas 14 meios saccos, alguns d'elles em mau estado por se terem molhado na passagem do rio".
Como seria de esperar a comissão aproveitou também "para por em ordem as notas de viagem" antes dos seus membros encetarem as fases seguintes.
Como seria de esperar a comissão aproveitou também "para por em ordem as notas de viagem" antes dos seus membros encetarem as fases seguintes.
Mostramos outra foto desse local que foi tirada talvez na mesma altura que a FOTO 1 do artigo anterior mas com o campo de imagem mais apertado
FOTO 1
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| Junção do Pafuri (à esquerda, agora Levubu i.a.) e Limpopo (ACTD web_n4676) |
FA menciona que havia muitos crocodilos porque o rio Limpopo tinha muito peixe. A propósito deles FA reportou: "espessos cannaviaes (dão) guarida a um grande numero do crocodilos...Haviam sobretudo três espécies muito frequentes. uns, os maiores, chegando a pesar 3 (00) a 4 (00) kilogrammas,... outros ...chegam a pesar 2 (00) a 3 (00) kilogrammas e . os mais pequenos que não pesavam mais de 1 (00) kilogramma cada um". FA descreva as suas características e diferenças através de múltiplos pormenores anatómicos mas rematava humildemente: "Os nossos conhecimentos absolutamente negativos de naturalista não nos permittem o fazer a classificação destes animaes, de que porém a photographia junta dá uma perfeita idéa".
A referida foto é certamente a seguinte e como tem razoável qualidade, quem esteja interessado em arqueologia biológica poderá ler o que FA descreveu - pdf aqui - e tentar classificar o exemplar em grande plano:
FOTO 2
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| Crocodilo do Pafuri (ACTD web_n4016) |
Voltando ao relatório da comissão, entre as pág 44 e 45, FA descreve o rio Limpopo. Diz que o seu leito tinha entre 800 e 1 200 metros de largura mas quando o observou, por isso em agosto de 1890, o curso de água estava reduzido e oscilava duma margem para outra formando pequenas ilhotas pelo meio. FA estimava (ou disseram-lhe os nativos) que com esta enorme vala a altura do rio, mesmo nas cheias não excederia os 2 m.
Sobre alimentação FA relata que durante o tempo em que estiveram nesse campo, numa zona agrícolamente rica, conseguiram adquirir viveres. Mas isso depois de dificuldades iniciais e de terem de tomar uma posiçâo de força pois as populações deviam estar mais habituadas a ser roubadas por forasteiros e não confiavam que a comissão quisesse comprar e pagar.
Segundo o que tinha sido primeiramente estipulado pelos dois países em 1869, a fronteira devia passar na confluência do rio Pafuri (nome que consta da carta de Jeppe de 1892) ou Lerubo com o rio Limpopo. Todavia vê-se no google maps que o rio que foi Pafuri chama-se agora Levubu (segundo a wikipedia também Luvuvhu e Rivubye) e aqui explica-se melhor porquê, sendo no entanto Pafuri o nome da zona e também o da pequena localidade fronteiriça moçambicana pelo que a confusão é limitada.
O relatório de FA referia que a comissão tinha tido dificuldade em descer do plateau por onde tinha vindo do sul para o nível do rio Pafuri (ver NB 1). Por isso tiveram de encontrar um guia local e mesmo assim as carretas ficaram uns dias para trás dos caminhantes que orientavam a deslocação.
As fotos seguintes foram tiradas por aqui do ponto mais alto das margens do rio Levubu / Pafuri pouco antes da sua foz no Limpopo e mesmo que a comissão não tenha passado exactamente por este local dão ideia do relevo rochoso e vales profundos da região que ela teve de atravessar.
Suponho que esta garganta ficará por aqui já perto da confluência com o Limpopo, o qual e suponho que passa na planície que se vê ao fundo na parte superior direita da FOTO 3
O relatório de FA referia que a comissão tinha tido dificuldade em descer do plateau por onde tinha vindo do sul para o nível do rio Pafuri (ver NB 1). Por isso tiveram de encontrar um guia local e mesmo assim as carretas ficaram uns dias para trás dos caminhantes que orientavam a deslocação.
As fotos seguintes foram tiradas por aqui do ponto mais alto das margens do rio Levubu / Pafuri pouco antes da sua foz no Limpopo e mesmo que a comissão não tenha passado exactamente por este local dão ideia do relevo rochoso e vales profundos da região que ela teve de atravessar.
FOTO 3 |
| Garganta Lanner do rio Levubu ou Luvuvhu, Pafuri em 1890 (foto alamy) |
No grupo de fotos que Lee Berger tirou na zona e disponibiliza na wikimedia (aqui) está a seguinte que penso mostrar a planície do Limpopo. Ela terá então sido tirada dum miradouro colocado algures numa escarpa virada para essa planície e que estaria do lado oposto ao que se vê no maciço rochoso da margem oposta à donde foi tirada a FOTO 3
FOTO 4
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| Legenda original: view of the floodplains of the Luvuvhu and Limpopo rivers in the Makuleke region, South Africa |
Presumo que legenda seja imprecisa porque ao fundo deve-se ver só o rio Limpopo e em tempo de seca, o rio Luvuvhu/Levubu/Pafuri deve passar nas costas do maciço donde se tirou esta foto e ir desaguar no Limpopo algures para a direita. Como nunca estive lá não posso afirmar mas se assim for nesta FOTO 4 na margem esquerda = norte do rio Limpopo, que correria para a direita, será o Zimbabué. Podemos ver aqui que desse lado da planície (flood plain) o seu limite é um plateau rochoso do género do que existe na margem sul e se vê nestas fotos a ser atravessado pelo Levubu ou Luvuvhu.
Segue-se, doutra perspectiva, outra foto dessa garganta, do plateau e do rio para dar ideia da diferença de nível e forte inclinação das margens:
Talvez sobre estes acidente escreve o geólogo FA na página 45: "Toda a região desde o Singuedsi até ao Limpopo e Pafuri forma um largo plateau, onde se erguem junto ao Pafuri uma serie de collinas de grés silicioso, que seguem ao longo do curso d'este rio.".
Para concluir lembro que nesta zona está o ponto triplo (tripoint) em que as fronteiras de três países se encontram. São actualmente a RSA, Moçambique e Zimbabwe, em 1890 eram a ZAR, Portugal e o Reino Unido. Acompanhámos aqui a definição da fronteira entre os dois primeiros e noutro artigo acompanharemos a da fronteira entre Portugal e o Reino Unido, que foi feita depois de 1890.
Para concluir lembro que nesta zona está o ponto triplo (tripoint) em que as fronteiras de três países se encontram. São actualmente a RSA, Moçambique e Zimbabwe, em 1890 eram a ZAR, Portugal e o Reino Unido. Acompanhámos aqui a definição da fronteira entre os dois primeiros e noutro artigo acompanharemos a da fronteira entre Portugal e o Reino Unido, que foi feita depois de 1890.
Pode-se ver aqui muitas imagens fantásticas da região do lado sul-africano da fronteira com Moçambique e mais aqui.
Chegou assim ao fim neste ponto no nordeste da África do Sul o percurso da comissão de demarcação da fronteira com Portugal / Moçambique mas esta série de artigos continuará mais tarde com mais fotos de 1890 e desenvolvendo alguns dos assuntos que vimos até aqui.
Chegou assim ao fim neste ponto no nordeste da África do Sul o percurso da comissão de demarcação da fronteira com Portugal / Moçambique mas esta série de artigos continuará mais tarde com mais fotos de 1890 e desenvolvendo alguns dos assuntos que vimos até aqui.
NB1: Sobre o caminho seguido no plateau e descida para os rios FA escreve na pág 42 do relatório: " ...seguimos até quasi á tarde do dia 16 os traços das carretas boers, chegando ás montanhas que bordam o rio Pafuri no dia 16 à noite. .... Na nossa frente havia uma elevada serie de montes, por cujas gargantas, diziam os (africanos), era possível passar. ... seguimos mais tarde com as carretas, cortando o caminho através de mato muito denso, removendo continuamente enormes pedregulhos. Recebemos pouco adiante noticias de Serrano, de que era impossível passar por ali para chegar ao Pafuri, o que aliás já tínhamos reconhecido, perdendo-se assim um dia de duro trabalho. ... um induna (que veio servir de guia).. indicou(-nos) o caminho pela ribeira Tchindudgi. Esta ribeira era perfeitamente uma serie de barrancos, pelo leito dos quaes seguimos com immensa dificuldade até descer do plateau para o valle do Pafuri. Uma grande parte do caminho foi pelo leito da ribeira, formado de areia, onde a agua apparecia nos sulcos deixados pelas rodas, de modo que foi difficilimo seguir. Cada carreta, apesar de quasi sem carga, tinha de ser puxada por dois tiros (grupos de animais, 8?) que depois de terem andado durante 1 milha, voltavam atrás buscar a carreta que tinha sido abandonada. Os animaes cansados da longa viagem, já pouca força tinham, de modo que nos vimos obrigados a parar a cada instante. ... e finalmente no dia 20 de manhã chegámos á junção dos dois rios Pafuri e Limpopo".
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