Demarcação de fronteira com a ZAR em 1890 - Abel Erasmus (1)

Na sequência da conferência de Berlim de 1884-85 as fronteiras actuais entre Moçambique e os países vizinhos foram demarcadas por comissões que envolviam as potências que administravam esses territórios, na altura os reinos europeus de Portugal e da Inglaterra e a República da África do Sul (ZAR) dos boers (africanderes) que embora de origem europeia estavam há gerações radicados no continente africano. Estes não tinham participado nessa conferência e a África Austral do lado do Oceano Índico que não foi aí específicamente discutida. Portugal (Moçambique) e os sul-africanos tinham acordado em geral a sua fronteira em 1869 mas depois da Conferência devem ter decidido acautelar o assunto e defini-la precisamente e marcá-la no terreno. Portugal (Moçambique) e os ingleses também começariam a marcar as suas fronteiras por essa época mas com uma relação conturbada.
ACTD tem muitas fotos tiradas pelas missões de delimitação portuguesas em Moçambique e há uma foto de melhor qualidade que as restantes (FOTO 1 em baixo). Faz parte das 155 fotos da missão de demarcação de 1890-91 que foi a primeira a realizar-se e na região sul de Moçambique com fronteira com a África do Sul. Na parte inferior da foto e no título do ACTD vê-se que membros portugueses eram os dois militares Freire de Andrade (FA, o chefe da missão) e Matheus Serrano (MS) e o civil Elvino Mezzena, um engenheiro italiano.
Introspectando-me sobre o meu interesse por estas fotos em que aparecem os membros das comissões que tinham sido chamados a desempenhar essas funções ímpares para os seus países, penso estar a questão de saber se eles teriam consciência completa da influência desse seu trabalho no futuro. Era claro para eles que estavam a talhar territórios para os seus países e que estavam a separar populações nativas embora - como as zonas por onde andaram eram nesses tempos pouquíssimo habitadas e mesmo as poucas povoações "europeias" por onde passaram pouco mais tinham que o nome - não teriam noção do impacto que tal viria a ter. Deviam ter também presente de que através das fronteiras teriam de ser interligadas as linhas de caminhos de ferro (finalizava-se nessa altura precisamente a ligação de Ressano Garcia a Komatipoort) e embora em África isso parecesse certamente eventualidade muito remota as redes eléctricas nacionais. Do que não podiam ter noção, até porque não havia ainda transmissão sem fio, por exemplo é que as fronteiras que estavam a definir iriam também determinar a configuração de coisas imateriais e invisíveis, por exemplo as redes nacionais de transmissão de televisão e de telecomunicações móveis que são fundamentais no mundo de hoje.
Procurei saber algo mais sobre os membros dessas comissões, profissionalmente e pessoalmente e os resultados em alguns casos são um tanto surpreendentes, não só a respeito da informação em si mas também por ainda ser possível obtê-la com a ferramenta Internet e daí surgiu esta série de artigos.

FOTO 1 (clique para aumentar)
outra legenda do ACTD: Comissão boer da fronteira de 1890 - 1891 
(Abel Erasmus e G. Geodeon Von Wielligh)

São neste caso destacadas na legenda dois membros da comissão da ZAR. Segundo o relatório de FA, Von Weilligh era o presidente, Abel Erasmus membro e faziam também parte o astrónomo e topógrafo M. C. Vos e o secretário Jan Luttigh. Podemos ver a partir da foto seguinte quem era Erasmus e daí deduzir que à direita sentado estava Von Wielligh. Veremos depois que na fila de trás de pé M. C. Vos estaria mais ao centro e que o secretário J. Luttigh seria o senhor mais à esquerda para quem vê. 
É nesta foto do ACTD da mesma missão que aparece também um dos dois membros da comissão destacados na FOTO 1, Abel Erasmus: 

FOTO 2 (clique para aumentar)
Legenda ACTD: "Erasmus e pretos do Transvaal" (linguagem da altura)

Comparando com a FOTO 1 Erasmus é na FOTO 2 o senhor barbudo de certa idade à frente do grupo ao centro esquerda. 
Através de foto reproduzida daqui podemos mostrá-lo melhor Erasmus, o comissário que ajudou a definir a fronteira entre Moçambique e a África do Sul e que li algures era bem conhecido em Moçambique das populações africanas:

FOTO 3
Abel Erasmus (1845 - 1912) 

Está numa biografia (graskop.co.za) e confirma-se pelo que escreveu FA no seu relatório (pdf aquipara o que é informação comum, que Abel Erasmus, que ficou rico ainda jovem e teve uma vida muito aventurosa, fez parte das comissões de fronteira: The new Boer government appointed Abel Erasmus as Native Commissioner for the Lydenburg district and with his invaluable knowledge of the natives and their languages he acted as guide and interpreter for many government expeditions such as those which established the borders between the South African Republic (Transvaal), Portuguese East Africa and Swaziland. 
Embora Lydenburg ficasse muito para o interior, o seu distrito cobria todo o território fronteiro a Moçambique e é interessante notar que no seu relatório FA disse que Erasmus se propôs a organisar também no distrito de Lourenço Marques e à semelhança do que com o seu pessoal nativo fazia no seu distrito o serviço de segurança e polícia, multas e cobrança de impostos e a troco de salário e 10% da receita. A biografia sul-africana diz que Erasmus era "adorado" pelos nativos mas pelo relatório de FA vê-se que usava uns métodos um tanto "musculados" para impor a lei e ordem, por isso por um lado podia ser respeitado como sendo justo mas por outro devia ser bastante temido.
Seguindo a informação dada pelos seus descendentes no site graskop.co.za podemos passar da vida de Erasmus à recordação da sua morte vendo daqui o seu túmulo na África do Sul

FOTO 4
Túmulo de Jacobus Abel Erasmus (1845 - 1912)

Este túmulo está num cemitério de quinta em Mpumalanga, LYDENBURG district, Krugerspost 550 - vista geral do cemitério e podemos ver ainda aqui uma pedra tumular com o seu nome semi destruída.
A tentativa de saber um pouco mais sobre os membros estrangeiros destas comissões, caso de Von Weilligh, continua no próximo artigo.

NB 1: A biografia maior de Erasmus tem uma parte directamente relacionada com Moçambique pois ele autorizou a deslocação para a ZAR de população que dantes estava do lado português da fronteira. Como tal aconteceu em 1896 uns dois anos depois da revolta ronga e pouco depois do fim da primeira parte da revolta dos vátuas de Gungunhana que se seguiu, esse movimento talvez tivesse sido de rebeldes que tinham sido derrotados pelos portugueses e chefes seus aliados em Moçambique: "During the 1890s Erasmus was approached, in his role as Native Commissioner, by a Shangaan chief, Mpisane Nxumalo, for permission to settle his tribe in the Transvaal Lowveld. These people were living in Portuguese East Africa where conditions had become unsettled due to wars and disruption. In 1896 they were settled on ‘Orinoco’ and ‘New Forest’."

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