Foto político-sindical de Homer Shantz em 1919 em Lourenço Marques

"Viva a União Operária Internacional"
 fotografado entre 25 e 28 de outubro de 1919


A foto de cima é de Homer Shantz (University of Arizona - colecção shantz) de quem falámos em vários artigos pois foi um botânico norte americano que andou pelo sul de África e passou alguns dias em Lourenço Marques (LM), actual Maputo.
Em relação a ela anotou ele no seu diário de viagem: "Sign of I.W.W. on fence opposite administration and main street, Lourenco Marques" ou seja "marca da IWW numa vedação em frente à administração e rua principal". 
Quanto ao local não sei bem onde teria sido, talvez num vedação dum terreno algures nas proximidades dos Paços do Concelho do lado oriental da Av. da República, actual 25 de Setembro.
Quanto à imagem, a mancha branca de fundo deve ser defeito surgido com o tempo. Presumo que a vedação fosse em madeira com tábuas verticais e que a palavras tivessem sido escritas com pau de giz. Temos aqui um paradoxo dos que os "intelectuais das visões e dos imaginários" devem adorar, uma inscrição feita à pressa e com um material efémero mas que pelo poder da foto continua tão viva como quando surgiu e se tornou perene.
O contexto histórico português para outubro de 1919 era o seguinte: em 1918 tinha havido o regime sidonista que tinha tentado criar alguma ordem na "bagunça republicana " vigente mas Sidónio foi assassinado no fim de 1918. Depois segundo o que se vê aqui aconteceu o seguinte: "O vácuo de poder criado pelo (seu) assassinato ... levou o país a uma breve guerra civil. ... Um governo republicano de coligação ... coordenou a luta contra os monarquistas ... (e a) vitória militar permitiu ao PRP (Partido Republicano Português) retornar ao governo e emergir triunfante das eleições realizadas no final daquele ano ...  Em Agosto de 1919 foi eleito um presidente conservador ... do partido evolucionista (que se coligara) ... com o PRP ....".
Por isso em outubro de 1919 havia democracia em Portugal, um tanto instável mas já tinha sido pior. Internacionalmente não nos esqueçamos que a primeira grande guerra tinha terminado em novembro de 1918 e que em 1919 se aprofundava a revolução comunista na Rússia iniciada em outubro de 1917. 
De "José Capela" pode ler-se daqui a obra "O Movimento Operário em Lourenço Marques 1898-1927". Para 1919 fala de três greves básicamente para melhoria de salários para responder ao rápido aumento do custo de vida, a do Pessoal dos Carros Eléctricos (em Abril-Maio e resolvida a contento de ambas as partes), dos Estivadores do Porto (em Maio, durou um dia sem resultados imediatos) e dos Metalúrgicos da Casa Le May (que durou uns 10 dias de 29/11 a 9/12 mas fracassou). Esta última começou cerca de um mês depois da foto ter sido tirada e as suas instalações não ficavam longe, mas a inscrição pode reflectir mais um estado crónico do "movimento proletário" do que um conflito laboral preciso. 
A greve mais importante na cidade até então tinha ocorrido em 1917 e tinha sido realizada pelo pessoal dos caminhos de ferro tendo o governo proclamado o estado de sitio (incluindo censura aos jornais) e os militares ocupado as instalações ferroviárias. Essa greve durou 23 dias tendo terminado "após algumas concessões governamentais aos ferroviários". Mas no início de dezembro de 1917 as tensões agudizaram-se de novo e muitos ferroviários foram deportados para o norte, o que fez o resto das hostes pensar melhor e assim os deportados puderam voltar para passar o natal em casa. Em dezembro de 1919 a alta do custo de vida agudizou-se, os trabalhadores portugueses da Delagoa Bay Engineering Works paralizaram e havia ameaça de extensão aos estivadores e aos do porto. A greve mais importante neste sector aconteceu em setembro de 1920 ao que o governo (republicano desde 1910) respondeu com prisões e deportações, o movimento expandiu-se para outras actividades mas limitadamente e acabou suspenso com divergências entre os trabalhadores. E podiamos continar este resumo da obra de "José Capela" mas dá para se ter a ideia que entre 1917 e 1920 foi um tempo muito tenso e perturbado no campo político e laboral no mundo, em Portugal e em Moçambique e que a foto de Shantz nos faz reviver. 
Voltando à informação do diário de viagem, vemos que Shantz fez (por ele próprio ou por alguém lhe ter dito) a equivalência entre "união operária internacional" e "IWW" o que como veremos à primeira vista não levanta dúvidas mas no final não sabemos se está correcto ou não. 
Procurando pela sigla IWW nesta página diz-se: "The Industrial Workers of the World (IWW) ... is an international labor union that was founded in 1905 ... The philosophy and tactics of the IWW are described as "revolutionary industrial unionism", with ties to both socialist and anarchist labor movements". Na mesma linha aparece aqui descrito esse movimento sindical como sendo "revolucionário (democracia laboral e autogestão trabalhadora)", o que seria compatível com a inscrição da foto e com o clima sócio-laboral descrito em "O Olho de Hertzog" para a cidade nesse ano. 
Mas numa entrevista a Emidio Santana, um anarco-sindicalista aparece numa nota de fim de página um referência à Internacional Comunista (IC) dizendo que "englobou de início sindicalistas revolucionários na Europa ocidental e nos Estados Unidos (os International Workers of the World - IWW - organização centralizada e subordinada à IC), não conseguiu controlar a maioria do movimento sindical ocidental, mas teve mais êxito na associação dos sindicatos das colónias". 
Por isso teríamos a sigla IWW atribuida a duas organizações sindicais diferentes, uma anarquista que referimos em cima e uma comunista que vimos em baixo. Traduzindo esses dois IWW teriamos num caso "Trabalhadores Industriais de Mundo" e noutro "Trabalhadores Internacionais do Mundo", nenhum deles exactamente igual a "União Operária Internacional". Assim ficamos sem saber a que organização pertenceria a o autor da da inscrição que Shantz fotografou em LM há mais de 100 anos. Tema interessante para os especialistas de história, presumo ...

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