Construção da 1a ponte-cais Gorjão em madeira frente à estação dos CF - info de Pereira de Lima (5/6)
Alfredo Pereira de Lima (APL) publicou cerca de 1972 na História do Caminho de Ferro - volume III uma descrição pormenorizada das obras do porto de Lourenço Marques (LM).
Tal como no artigo anterior para as pontes-cais, não é fácil seguir APL pois faltou-lhe juntar mapas e diagramas ao texto. Há também partes confusas senão mesmo contraditórias mas a informação que APL dá torna notório que há muito mais do que a informação que as imagens de que o HoM vinha falando veículam. No entanto também me parece que essas imagens mostram fases da evolução no cais que ou APL não relatou ou não o fez de forma clara.
Nos dois artigos que serão feitos com a ajuda do que APL escreveu vou tentar dar uma visão mais contínua e global dos trabalhos embora não entre em todos os pormenores.
Tratando da zona do cais da alfândega frente à Praça 7 de Março, actual 25 de Junho falámos recentemente das primeiras pontes e pode haver alguma sobreposição do que se viu aí com o que se diz aqui que é que com Mousinho de Albuquerque como Governador-Geral, quer dizer entre 1896 e 1898, foram aí feitos uma ponte para passageiros, aumentada a extensão acostável para batelões (quer dizer o muro de protecção), substituido por muro de pedra o revestimento a folhas de zinco do aterro a montante (oeste) da ponte da alfândega e iniciado o grande aterro mais para montante. O Eng. Silvério enquanto esteve em Moçambique como responsável pelas "obras do porto" entre 1897 a 1899 fez também obras urgentes na zona da alfândega e que devem ter sido a continuação das anteriores e as que em parte aparecem na foto de Lazarus tirada a sul da Praça 7 de Março: um aterro a juzante = leste da ponte da alfândega com 4 200 m2 de área e revestido pelo lado do mar com um muro-cais acessível a pequenas embarcações, um armazém de ferro de 60 m por 30 m próximo da alfândega e a ligação por linha Decauville dessa zona da alfândega (antiga) à Praça da estação de Caminho de Ferro de modo a depositar aí mercadorias que não coubessem no primeiro local.
Mas isso eram remendos e cerca de 1900, ainda durante a grande descida de tráfego no porto de LM originada pela segunda guerra anglo boer mas antecipando o aumento futuro houve nova avaliação da melhor solução para o porto de LM. Chegada a guerra ao fim e com a verba autorizada por Lisboa e após mais discussões por exemplo sobre a sua profundidade, decidiu-se construir uma ponte-cais acostável para grandes navios com estrutura feita em madeira australiana (jarrah), partindo a obra da zona da estação de caminhos de ferro para jusante. Esta ponte-cais foi projectada para ficar 40 metros avançada para o meio do estuário em relação à ponte que tinha sido construída nessa zona (ver aqui a FOTO 3 a laranja) mas por exemplo tinha sido posta a hipótese de se seguir a linha de fundo de 8 metros, que não sei se era mais perto ou longe da praia original do que esses 40 m.
As duas fotos seguintes são de APL e segundo ele mostram o início dessas obras em 1902, mas suponho eu que a segunda seja de cerca de 1910 e da construção do cais em blocos de betão pelo Eng. Costa Serrão dado estar-se na zona do Matadouro e do Cais Holandês:
FOTOS 1 e 2
APL: início das obras do porto (que veio ser a depois ponte-cais Gorjão) .... mas a segunda não deve ser |
Foi o Eng. Carlos Albers, na altura director dos Caminhos de Ferro, que idealizou o empreendimento que teve estudos dos Eng. Vasconcelos e Sá (o do farol de Cockburn) e Eng. Roma Machado. O projecto foi preparado em 1901 pelo Eng. Ramos Coelho e houve o contributo essencial do engenheiro inglês Methuen que era especialista em portos construídos em madeira.
Os trabalhos de construção da ponte-cais iniciaram-se em 1902 e foram dirigidos pelo citado Eng. Carlos Albers e o seu primeiro rápido e notável resultado mostra-se na foto seguinte datada de Agosto de 1903 (ver este artigo).
FOTO 3
APL: O SWAZI, o primeiro navio a atracar na ponte-cais Gorjão que foi construida com estacas de madeira australiana, que seria uma solução provisória |
Como seria de esperar dada a sua importância para o futuro, a inauguração do primeiro cais acostável em LM para grandes navios foi um grande acontecimento na cidade. À ponte-cais foi dado o nome Gorjão em homenagem ao Governador Geral que em 1901 apoiou o plano do Eng. Albers contra a opinião inicial da Comissão Técnica em Lisboa.
A partir daí a expansão da ponte-cais foi rápida, em 1905 atingiu 475 metros de extensão e depois já sob direcção do Eng. Ramos Coelho em 1907 atingiu 800 metros. Ao mesmo tempo do lado interior, entre a ponte-cais e a terra firme foram-se fazendo os aterros e arruamentos, construindo-se armazéns e assentando-se vias férreas.
O resultado pode ser visto nesta foto dos irmãos Lazarus mostrando a ponte-cais vista do lado da água antes de 1906:
A partir daí a expansão da ponte-cais foi rápida, em 1905 atingiu 475 metros de extensão e depois já sob direcção do Eng. Ramos Coelho em 1907 atingiu 800 metros. Ao mesmo tempo do lado interior, entre a ponte-cais e a terra firme foram-se fazendo os aterros e arruamentos, construindo-se armazéns e assentando-se vias férreas.
O resultado pode ser visto nesta foto dos irmãos Lazarus mostrando a ponte-cais vista do lado da água antes de 1906:
FOTO 4
Ponte-cais Gorjão construída em estacas de madeira parcialmente submersas
vista para montante do estuário
vista para montante do estuário
Todavia em 1908 o então Governador-Geral Freire de Andrade (ele também engenheiro militar) decidiu interromper a expansão como estava a ser feita e iniciar a substituição das estacas em madeira por estacas de betão armado. Motivo foi que as primeiras estavam a ser atacadas pelo molusco taredo (ou teredo, gusano, busano, turu ou cupim-do-mar) e avaliou-se que não atingiriam os 15 a 20 anos de vida inicialmente previstos e a aplicação do betão armado terá começado em 1910 (ou 1911).
Sabendo que primeiro se usaram estacas de madeira e só depois betão armado penso agora que as imagens desta e desta mensagem correspondem à primeira construção com madeira.
A opção provisória pela madeira para reduzir os custos feita em 1902 acabou por não dar os resultados previstos em termos de durabilidade mas com as verbas disponíveis, em betão ter-se ia feito pouco ou nada. E nessa eventualidade talvez o tráfego do Transvaal tivesse sido definitivamente desviado para Durban, talvez o porto de LM tivesse ficado, e para sempre, um simples porto regional e a cidade não tivesse passado duma cidadezinha. Não se sabe o que teria acontecido, mas como se diz, às vezes é melhor uma má (ou menos boa) decisão do que decisão nenhuma e pelo que se passou depois pode ter sido aqui o caso (de qualquer maneira os aterros, armazéns e linhas ferreas que se construiram logo de início não tinham esse problema da conservação da madeira)
A partir dessa altura o responsável dos trabalhos passou a ser o Eng. Costa Serrão que idealizou até um novo método de construção com empilhamento de blocos de betão de que falaremos aqui com detalhe citando informação de APL e doutras fontes.
A opção provisória pela madeira para reduzir os custos feita em 1902 acabou por não dar os resultados previstos em termos de durabilidade mas com as verbas disponíveis, em betão ter-se ia feito pouco ou nada. E nessa eventualidade talvez o tráfego do Transvaal tivesse sido definitivamente desviado para Durban, talvez o porto de LM tivesse ficado, e para sempre, um simples porto regional e a cidade não tivesse passado duma cidadezinha. Não se sabe o que teria acontecido, mas como se diz, às vezes é melhor uma má (ou menos boa) decisão do que decisão nenhuma e pelo que se passou depois pode ter sido aqui o caso (de qualquer maneira os aterros, armazéns e linhas ferreas que se construiram logo de início não tinham esse problema da conservação da madeira)
A partir dessa altura o responsável dos trabalhos passou a ser o Eng. Costa Serrão que idealizou até um novo método de construção com empilhamento de blocos de betão de que falaremos aqui com detalhe citando informação de APL e doutras fontes.
O presente artigo foi feito dando intencionalmente destaque aos nomes dos principais engenheiros envolvidos nos trabalhos do porto para lembrar esses obreiros dos grandes empreendimentos da cidade muitas vezes também idealizados por eles. Os mencionados Engs. Vasconcelos e Sá e Carlos Albers foram homenageados em tempos idos com nomes de pequenas ruas na zona do Alto-Maé e Hospital respectivamente e que se mantiveram no pós independência pelo menos até à última leva de mudanças, não sei se por opção política ou se por esquecimento. Mas noto ser paradoxal que a cidade de Maputo tenha manifesto orgulho em comemorar agora os seus 130 anos de idade mas tenha apagado das suas ruas os nomes de quem de facto a criou. Actualmente não há menção pública na cidade à Expedição das Obras Públicas que trouxe os engenheiros e operários de Portugal para a planear e fazer as primeiras grandes obras no ano de 1877 no outrora bem recordado dia 7 de Março (data que tinha sido atribuída à grande praça junto ao porto).
E se quisermos individualizar os seus membros não há actualmente na cidade menção ao Eng. Joaquim José Machado, que depois ocupou cargos políticos mas que como técnico dirigiu essa expedição, foi o impulsionador do Caminho de Ferro, etc. Os dirigentes do país e da cidade comportam-se como um filho muito impante de si próprio e que tendo entrado em desinteligência com o pai resolve cortar o nome herdado da família. Pode viver muito feliz assim e não vem grande mal ao mundo por causa disso, mas a mim parece-me que lhe fica a faltar alguma coisa. Penso eu de que.
O resto da construção da ponte-cais Gorjão é mostrado aqui.
O resto da construção da ponte-cais Gorjão é mostrado aqui.
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