Jardim botânico, actual Tunduru: evolução nas plantas da cidade (26/)

Este artigo é o vigésimo sexto da série sobre o jardim botânico Vasco da Gama (VG) de Lourenço Marques (LM), actual Tunduru de Maputo) pelo que começou a ser pensado já depois de alguma acumulação de conhecimento. Por achar que ela não era suficiente, explicarei aqui como tentei encontrar mais informação que ajudasse a melhor localizar no espaço e no tempo as muitas fotos antigas do jardim. Isso significava também tentar perceber como tinha progredido a ocupação pelo jardim do quarteirão que lhe foi destinado, desde a pequena zona inicial com o lago na parte sul (fotos de Fowler de cerca de 1886, de Manuel Romão Pereira de c. 1890 e da revista/de Montague de cerca de 1894até à situação actual. Explicarei também o que procurei e fiquei a saber sobre quem desenhou o jardim e nomeadamente o papel de Thomas Honey e sobre os estilos paisagísticos que terão sido seguidos.  
Pontos de partida eram a imprescidível tese de doutoramento de Lisandra Franco de Mendonça (LFM) - descarregar daqui - com cerca de vinte páginas especialmente dedicadas ao jardim e sua história, tanto pelo seu valiosíssimo conteúdo como pelas pistas que deixa e os dois livros de Alfredo Pereira de Lima com alguma informação sobre o jardim. Para além disso a habitual observação das fotos e outros elementos gráficos disponíveis, em muitos casos já potenciada pelas referidas leituras.  
Mostro primeiro neste artigo mais fotos históricas do jardim, a primeira das quais, pelo tipo de postal, deve ser dos anos 10. À primeira vista pareceria ser da faixa quase plana a sul mas por essa altura o jardim tinha começado a expandir-se para uma zona mais elevada na encosta que na tese de LFM é chamada a plataforma intermédia e que fica ao nível da entrada principal actual. Trata-se de uma faixa mais ou menos rectangular com cerca de 100 metros de largura de norte a sul e 200 m de comprimento de oeste a leste, com pouco declive para sul no primeiro eixo e quase plana no outro (centrada aqui no Google Maps). Não sei se seria assim naturalmente mas suponho que terá obrigado à construção de muro de suporte no limite da plataforma a sul, lado para onde desce a encosta e a trabalhos de escavações e enchimento de terras para normalizar a superfície.  
Vê-se nessa foto palmeiras nativas para o fundo e eucaliptos que com as casuarinas (um tipo de pinheiro) foram plantados nas margens do antigo pântano a partir de cerca de 1880. Mas estes dados não são suficientemente esclarecedores pelo que foto tanto pode ser da zona baixa como da intermédia do jardim, mas o mais provável é que seja da baixa. 

FOTO 1
Jardim botânico, Lourenço Marques. Ao fundo pode ser a encosta
 vista para norte mas não se tem a certeza. 
A segunda foto deve ser dos anos 20 ou 30, com a vegetação do jardim muito mais completa e desenvolvida e aparentemente mais variada do que na FOTO 1. 
FOTO 2
Vista geral do jardim botânico com caminhos, canteiros e espécies vegetais
De novo não se tem a certeza do local pois ao tempo da FOTO 2 a plataforma intermédia estaria já bem desenvolvida e tanto podia ser lá como na plataforma inferior = faixa sul. Talvez o estilo do jardim ajudasse a esclarecer pois na tese de LFM é dito que a plataforma intermédia foi criada em estilo italiano (ver na wikipedia sobre jardim à italiana e outros), mas para tal análise era preciso conhecimento especializado. 
Para resolver dúvidas desse tipo e ultrapassando a perspectiva restrita das fotos seria importante ter cartas detalhadas do jardim. A minha primeira tentativa foi através das plantas da cidade de que existe uma boa sequência. Seleccionei seis em que o jardim aparece representado e que mostro em baixo, duas delas vêm da tese de LFM, de 1887 da página 399 com a planta da avenida Aguiar e a de 1907 na página 400 com a planta cadastral da cidade, ambos documentos originários do Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal.


Seis plantas da cidade com o jardim de 1887 a 1940/41 (clique para aumentar)
Planta de 1887: situação inicial em que o jardim começava a sul 
mas já com elementos na plataforma intermédia
Plantas de 1903 e 1914: novo desenho incluindo para a faixa sul
Planta de 1907: terceiro desenho dos aqui vistos,
 tornando inexplicável como em 1914 se voltaria ao desenho II de 1903
Planta de 1925: quarto desenho que teria sido aplicado entre 1915 e 1925 
mas que veremos no artigo seguinte não parece realista 
Planta de 1940: quinto desenho, que foi de facto aplicado entre 1925 e 1940 
e que foi relativamente pouco alterado depois 

Como se pode observar e tentei resumir nas legendas, nota-se que as plantas representam a conhecida evolução do jardim de sul para norte em datas razoávelmente aceitáveis. No entanto observando e comparando com mais detalhe, concluíu-se que não são representações fidedignas do que existisse ou mesmo do que estivesse planeado. Há vários elementos inexplicáveis, como é mencionado na legenda para o desenho III em termos de sequência entre 1903 e 1914. A falta de rigor é também evidente por exemplo no desenho IV em que a Vila Jóia aparece abaixo da direcção do caminho principal enquanto lhe fica acima. Isso dá a entender que os cartógrafos da maioria destas plantas se satisfaziam em assinalar a existência dum jardim no interior do quarteirão sem realmente o procurar desenhar (mas de notar que o caminho central foi relativamente bem registado). Excepção positiva será o desenho de 1940 cuja estrutura geral corresponde à do jardim de cerca de 1929 até aos nossos dias (mas foi já nos anos 40 criado o terraço onde actualmente está a fonte das 4 deusas segundo a tese de LFM na página 401). 
Por isso não será através das plantas da cidade que conseguirei localizar as fotos melhor do que tentei em cima, acompanhar o crescimento do jardim e a eventual evolução do estilo paisagístico. Deixo-as todavia pois outros poderão partir delas para utilização mais profícua. 
Mas na continuação deste artigo veremos com base na tese de LFM que existe pelo menos um plano feito específicamente para o jardim o qual permitirá, para os anos que se seguiram a 1910, para a zona que ele abrange e se as premissas com que o analisei estiverem correctas, um bom conhecimento do que aí se passou.

Comentários

Anónimo disse…
Interessantissimo. Muito obrigada por todos os seus artigos com tanta informacao e fotografias. Bem haja.