Jardim botânico, actual Tunduru: evolução com possível desenho de T. Honey (27/)

Continuamos aqui o artigo anterior sobre os desenhos do jardim no qual se tinha concluído que especialmente para os anos 10 e 20 do século XX (20) o que constava das plantas da cidade não parecia objectivo e daí a necessidade de olhar para planos mais específicos. Para isso de novo usaremos com a devida vénia profusamente informação, texto e imagens da tese de doutoramento de Lisandra Franco de Mendonça (LFM) descarregar daqui.
Para ilustrar temos duas fotos feitas pelo reputado botânico norte americano Homer L. Shantz (1876–1958) durante a curta visita a Lourenço Marques, actual Maputo em Outubro de 1919 (do site da University of Arizona - colecção shantz). 
A primeira é da faixa a sul do jardim ladeando a actual Av. Manganhela e que é/era quase plana, de solo fértil e onde havia água dos lagos e presumívelmente fonte(s) para rega. Ao lado do banco de jardim parece ver-se uma passagem sobre o que seria um regato dos que existiram nessa zona e que por exemplo se viam aqui na FOTO 3. Foi nessa faixa que se aplicaram de início os recursos humanos e materiais disponíveis para se desenvolver o jardim e como consequência nota-se boa variedade de vegetação e a preparação do local para receber visitantes e até ao início dos anos 20 foi por aí o coração do jardim.

FOTO A
Aprimorado recanto do jardim com bambu do Japão em 1919,
 segundo as notas de Shantz
Passemos à FOTO B em baixo que imediatamente pela vegetação agreste e comprimento em recta do caminho podemos dizer que não é da faixa sul vista na FOTO A. Será então da plataforma intermédia do jardim que fica mais ou menos no plano da entrada principal pela praceta a oeste e que a esse nível da encosta forma o jardim transversalmente de oeste = lado da Av. Samora a leste = lado da Av. Lenine.

FOTO B
Longo caminho em linha recta em 1919, seria na plataforma intermédia 
que estaria em fase precoce de desenvolvimento
Básicamente há três possibilidades para localizar este caminho na plataforma intermédia. Podia ser o caminho principal que a percorre de leste a oeste e é mais ou menos horizontal e plano, ou podia ser um dos dois caminhos que descem da parte mais alta para a mais baixa e passando de cada lado da praça do coreto (a leste ou a oeste dela, ver desenhos em baixo). O caminho principal é mais longo e à primeira vista mais condizente que fosse o da FOTO B mas segundo a minha avaliação penso que não e muito depende da objectiva que foi usada por Shantz.

PORMENOR da FOTO B
Caminho em 1919, desaparecia de vista ao fundo sob ramos e copas de árvores
Do pormenor acima indicado podemos partir do princípio que o caminho da FOTO B era já em descida ligeira e que ao fundo dele estaria o limite a sul da plataforma intermédia e se entraria depois numa zona de declive acentuado em direcção à faixa sul. Ver-se-ia então o caminho da FOTO B a entroncar na perpendicular no caminho principal do jardim para além do qual provávelmente haveria uma escadaria, à esquerda = leste = nascente da qual estaria a primeira árvore de que não se vê o tronco ao fundo da FOTO B. Note-se ainda que uns 15 metros antes da descida se acentuar se via do lado esquerdo = nascente do caminho da FOTO B uma ou duas colunas. Com estes dados voltaremos a referir este caminho mais em baixo, pode não ser esse e o mais importante é saber-se que se está na plataforma intermédia visto o declive que se lhe segue pelo menos de um lado.

Em relação à época das fotos de Shantz, sobre o desenho do jardim que seria relevante e à sua potencial autoria que são também objectivos destes dois artigos, cito do site maputo100 anos "(o jardim botânico) foi desenhado em 1885 pelo famoso Arquitecto Paisagista británico Thomas Honney, o qual chegou também a desenhar alguns jardins para o Sultão da Turquia e para o Rei da Grécia".  Sobre isso noto que Alfredo Pereira de Lima (APL) no livro "Edifício Históricos" escreveu a respeito dos jardins do palácio do Governador na Ponta Vermelha que eles "... se ficaram a dever ao .. famoso jardineiro inglês Thomas Honey, que havia sido jardineiro chefe do Rei da Grécia" mas APL não dizia que tinha sido no ano de 1885 nem o dizia quando se referia ao jardim botânico. 
Entretanto o site delagoabayworld (DB) brilhantemente pesquisou a presença de Thomas Honey (TH) em Lourenço Marques tendo concluído que decorreu entre 1906 e 1919, período durante o qual foi director de Arborização e Jardins presumo que da Câmara Municipal. TH terá por isso sido responsável pelo desenho do jardim mas num período muito diferente do indicado pelo maputo100anos (o artigo do DB também indicia que o curriculum vitae de TH terá sido um tanto empolado por APL). artigo do DB inclui também um texto escrito pela filha de TH que dava ideia que o pai tinha desenhado o jardim de início, erro que deve estar interligado com o do maputo100anos. A filha não calendarizava exactamente o trabalho de desenho pelo pai mas "lendo a sua mente" suponho que terá sido feito pouco depois da sua chegada a LM, embora a sua aplicação no terreno terá sido progressiva devido aos habituais recursos limitados. E como veremos a seguir a impressão da filha de que o jardim foi criado por TH provirá da pouca interferência do que ele desenhou com o jardim inicial que ficava noutra faixa, a faixa a sul. 
Lisandra Franco de Mendonça (LFM) analizou o tema de TH no jardim na sua tese de doutoramento dizendo que o seu desenho foi definido na primeira década do século XX, o que neste caso seria entre 1906 e 1910. Texto na página 399 da tese de LFM: "A definição de um desenho de conjunto para o Jardim Municipal coube ao horticultor inglês Thomas Honney (Sousa, 1946: 37; Lima, 1966a: 17), ao longo da primeira década do século XX. Por essa altura, o Governo adquiriu a Vila Joia a Gerard Pott (em 1914) adaptando-a a Museu Provincial, anexando as áreas de terreno afetas à Vila e a Casa do Caseiro ao Jardim Municipal. Essas áreas, a norte e a sul da Vila, receberam um novo desenho paisagístico e dois novos atravessamentos para a Av. Elias Garcia/Vladimir Lenine. A partilha sudeste do Jardim avançou então para a antiga Avenida Castilho/Elias Garcia, salvaguardando-se a parcela ocupada pela Vila Joia/Museu Provincial (Fig. 204)."
LFM pensa assim que o trabalho principal de TH foi na plataforma intermédia incluindo a suas ligações para leste à traseira da Vila Jóia e para sul ao jardim existente na altura, o qual não terá sido alterado por TH. Embora tal não seja explicitado, presumo que LFM se tenha baseado num desenho de 1910 mostrando essa plataforma intermédia em detalhe e que é mostrado a seguir. Pelas datas (o desenho ser de 1910, a chegada de TH ter sido em 1906) e conteúdo (coincidência entre o desenho e o que LFM descreve no texto da página 399) presumo que este desenho mostre o principal dos planos de TH para o jardim (mas noto que o desenho da ligação à faixa sul que LFM também lhe atribui não está aí incluido). 
Conhecemos bem os elementos mais característicos do jardim nesta plataforma intermédia daqui e daqui e temos deles fotos de cerca de 1929 e recentes, pelo que é possível fazer-lhes directamente referência na legenda que adiciono ao desenho de 1910. O original deste desenho está na tese de LFM como figura 198: Desenho do Jardim Municipal, 1910. Fonte: Sousa, 1951.  

Desenho da faixa intermédia do jardim em 1910, com adições de HoM e LFM 
Vermelho: entrada principal no jardim a oeste
Amarelo: caminho principal de oeste a leste no jardim
Linha preta: caminho do norte para o centro e do lado leste do jardim
perpendicular ao principal passando entre pérgolas 2 e 3
Roda preta: ponto mais alto desse caminho perpendicular ao principal
Linha cinzenta: outro caminho perpendicular ao principal 
passando a oeste do largo do coreto
Roda castanha: descida acentuada no limite da plataforma intermédia
 e passagem para a zona de ligação, provávelmente ocupada por escadaria
Outras cores: largo do coreto, lago grande redondo e três pérgolas em linha
Roxo: Vila Jóia
Verde: seria a primeira estufa como se desenvolve aqui
Temos assim a certeza que pelo menos grande parte do desenho de 1910 que suponho ser de TH foi implementado, mas não sabemos como e quando. Podemos no entanto retirar alguma informação da FOTO B pois é de Outubro de 1919 (quando TH já tinha saído de LM tanto que ele e o botânico Shantz se encontraram na cidade da Beira, o seu posto de trabalho seguinte). Primeiro pelo que vemos no pormenor da FOTO B e no desenho penso que o caminho da FOTO B é o do norte para o centro e do lado leste do jardim e marcado a preto. Também pode ser o marcado a cinzento e não faz muita diferença mas acho que aí não existiria tanto declive como o que se vê ao fundo da FOTO B. Sendo o da linha preta, quereria dizer que as colunas que aparecem à esquerda da FOTO B a uns 10 metros antes do fim do caminho seriam as primeiras da pérgola 3 (vermelha) - ver actualmente esse caminho e sua ligação à pergola nas FOTOS 4 e 5 aqui - mas se fosse o da linha cinzenta podia ser o início a poente da pérgola 1 (castanha).
Então em 1919, uns treze anos depois de TH ter começado a trabalhar em LM e uns meses depois de ele ter saído da cidade (mas tendo certamente deixado o desenho para o sucessor no cargo), pelo que se vê na FOTO B na plataforma intermédia estaria construído um dos caminhos perpendiculares ao principal (como este aparece em desenhos anteriores, duma ou outra forma deve ter sido aberto mais cedo pelo menos para dar acesso ao campo de ténis). Da FOTO B também se pode dizer que talvez uma das pérgolas em linha com o lago redondo também estivesse feita e presumo que existisse uma escadaria ao fundo do caminho. Todavia e apesar de haver vegetação de jardim ladeando o caminho da FOTO B, o terreno mais afastado parecia em estado quase natural pelo que parece daqui que a implementação do desenho de 1910 até 1919 foi lenta. Mas no fim de 1924 foi atribuido oficialmente ao jardim o nome de Vasco da Gama e foi inaugurado o arco neo-manuelino e é por isso provável que tenha havido uma aceleração do ritmo de trabalho de modo a concluir a implementação do desenho antes dessa ocasião. Certo é, pelo que vemos nas fotos de Santos Rufino, que até 1929 grande parte desse desenho de 1910 tinha sido executada como detalharemos de seguida.
Com a montagem seguinte comprovaremos primeiro que, como dissemos no artigo anterior, a planta de 1925 não deve ser objectiva porque para além do caminho principal não mostra nada do que estava planeado em 1910, notóriamente as duas possibilidades que adiantámos para o caminho da FOTO B que sabemos estava executado em 1919. Na parte inferior da montagem seguinte registamos na planta de 1946 o que tinha sido planeado em 1910 e que estava executado em 1946 (planta do Jardim, 1946, CEDH-FAPF, página 403 da tese citada de LFM com a devida vénia). 

Montagem de desenho de 1910 e planta de 1925 na parte superior
e planta de 1946 (quase actual) na parte inferior
Verde claro: parte do desenho que foi feita e que existe em geral
Mancha carmesim: parte do desenho que não foi feita
Preto e cinzento: possibilidades para o caminho da FOTO B 
Outras cores: elementos do desenho que foram feitos, ver legenda anterior
(provávelmente o caminho principal - amarelo - era anterior)
Linhas púrpura: limites das plataformas
Vermelho (à esquerda): entrada principal no jardim
Relativamente à parte da mancha carmesim, em vez do desenho de pequenos canteiros irregulares e justapostos ficou um relvado, o que tem o pequeno lago com caramanchão (que era de 1935) do lado mais elevado = norte.
Noto que temos aqui falado do desenho do jardim em que se pode ver os caminhos e algo do equipamento (lagos, pérgolas) mas há outros elementos importantes para os quais seria interessante saber-se que alterações terão tido, caso da vegetação e ornamentos (vasos, etc) mas não é possivel. Mas para o principal verifica-se pelos desenhos de 1910 e de 1946, pelas fotos desse período e pelo conhecimento actual do jardim, que grande parte do que estava no desenho de 1910 (e que só poderia ser um plano) foi depois sendo executado e que se mantém mais ou menos conforme após a recente reabilitação. 
A conclusão principal é então que se o desenho de 1910 foi de Thomas Honey se pode dizer que o destaque que se lhe dá na história do jardim é apropriado e que a sua marca perdura aí, particularmente na plataforma intermédia do jardim, ao fim de mais de cem anos. Pode ver-se isso, embora sem o charne da "belle époque", na foto seguinte mostrando o caminho do norte para o centro e do lado leste do jardim (marcado a preto) e que suponho fosse o da FOTO B em 1919. Está aqui a descer para sul como estava também nessa foto.


FOTO C
À direita vê-se a entrada para o coreto, depois o cruzamento com as duas pérgolas
 e ao fundo nota-se a descida mais íngreme após intersecção com o caminho principal.
Encerram-se assim os dois artigos em que se passou uma vista de olhos sobre os planos e desenho do jardim.

Comentários