Jardim botânico, actual Tunduru: jardim de aclimação e primeiro(s) lago(s) entre 1889 e 1894 (11/)

A foto em baixo do ACTD é de Manuel Romão Pereira (MRP) e foi tirada em Moçambique entre os anos de 1889 e 1891.  


FOTO 1
Legenda original: Jardim da Aclimação [?] (Fonte pública).

O nome "aclimação" deve ter sido simplificado de "aclimatação" por sua vez derivado dum Jardin d'Acclimatation fundado em Paris em 1854 e que era mais zoológico que botânico. 
Problemas com a informação de MRP e ACTD para a FOTO 1 é a localidade não ser mencionada e com respeito a Lourenço Marques (LM), actual Maputo, que seria a melhor possibilidade, ninguém da altura ter-se referido a tal Jardim de Aclimatação ou Aclimação. Por isso o local retratado na FOTO 1 é à primeira vista desconhecido.
A FOTO 2 já conhecida do HoM foi primeiro publicada na revista "The Illustrated London News" de 20 Outubro de 1894 mas esta versão vem do livro "The Key To South Africa: Delagoa Bay" de Montague George Jessett (MGJ) de 1899 escalpelizado aqui.


FOTO 2
Legenda original: Jardim perto da Alfândega.


Relacionámos a FOTO 2 com o jardim botânico de LM, depois Vasco da Gama (VG) e actualmente Tunduru aqui a partir da estátua de Vasco da Gama, que nela se vê ao fundo / esquerda do lago, devido ao que Alfredo Pereira de Lima escreveu e às fotos de Fowler de cerca de 1886/87. Como estas fotos foram inequívocamente tiradas onde foi/é o jardim botânico então a FOTO 2 não podia ser perto da Alfândega, um edifício conhecido junto ao estuário. Embora tenha havido perto dele um jardim a que se chamou Mousinho tratava-se simplesmente duma parte ajardinada do lado sul da actual Praça 25 de Junho óbviamente sem o espaço, o lago e as árvores que se vêm nesta FOTO 2. Por isso, com os dados disponíveis assumo que esta FOTO 2 foi mal legendada de origem no que respeita à localização e que mostra então o jardim botânico num dos seus "pitorescos trechos ou recantos".
Concentremo-nos agora nas duas fotos de cima e tentemos ver se há relação entre elas. O mais notório é na FOTO 1 não se ver a estátua de VG e que embora haja uma barraca de jardim nas duas ela não é a mesma (ver aqui sobre as suas possíveis funções de belveder). Por isso à primeira vista não se podia dizer que os lagos nas FOTOS 1 e 2 fossem o mesmo mas o seu aspecto geral, a textura e altura das bordas e solos circundantes tinham semelhanças. Quanto à vegetação temos para o fundo da FOTO 2 árvores exóticas do tipo eucalipto como as que foram plantadas junto ao antigo pântano no processo de sua drenagem iniciado cerca de 1880. Daí podemos tentar localizar a FOTO 2 no jardim botânico (e isso sabiamos por causa da estátua de VG) na zona situada ou sobre antigo pântano ou próximo dele . Por seu lado a FOTO 1 não teria sido tirada longe da FOTO 2 dado que vemos ao fundo à esquerda árvores nativas mas à direita estão também exemplares dos eucaliptos bem visíveis na FOTO 2. Nas duas fotos vê-se também zonas ajardinadas com caminhos, canteiros e plantas decorativas mínimamente equiparáveis ver desenvolvimento neste artigo.
Há mais dois dados a tomar em conta em relação às FOTOS 1 e 2. O primeiro é o mapa do Major Araújo assim apresentado e datado no HPIP"Em 1887, o major engenheiro António José Araújo propôs um plano para dotar a cidade alta de avenidas extensas ... Este plano foi aprovado oficialmente em 1892". Por isso o mapa de baixo - que simplificando vamos considerar ser de cerca de 1890 - e que poderia já representar o jardim iniciado em 1886 mostra na sua área sómente o que me parecem ser dois lagos na sua faixa sul e que colori em baixo como tal. Mas o pouco que mostra é relevante como veremos:


Mapa do Major Araújo +
Azul claro: dois lagos (pouco) separados, noutros desenhos 
aparecem ligados em forma de rim com os extremos empolados
Castanho claro: plano do Major Araújo 
para a futura Av. Álvares Cabral, actual Manganhela
Roxo: plano para as futuras Rua da Imprensa e 
Av. Augusto de Castilho, actual Lenine
Vermelho: limites actuais da faixa sul do jardim, 
ao fundo da encosta da Maxaquene e na parte quase plana
Verde escuro: canais de drenagem de águas, 
um dos quais imediatamente abiaxo do jardim
Púrpura: estrada antiga para norte ligando à da Ponta Vermelha, 
chamada das Mahotas
Mancha verde: posição do jardim inicial

Este mapa leva-nos ao raciocínio de que nas FOTOS 1 e 2 se tinham imagens em pontos diferentes ou dos dois lagos ou da sua combinação em forma de rim
, o que seria uma proximidade relativa que poderia explicar tanto as diferenças como as semelhanças entre elas.
A mancha verde marcada em cima como sendo a posição do jardim inicial das duas fotos de Fowler deriva de que quando o seu lote de terreno foi atribuído em 1885 o plano de Araújo não tinha sido ainda definido. Quando ao seu limite "vertical" a oeste, a rua da Baixa para a parte alta da cidade depois da passagem sobre o pântano seguia mais ou menos na direcção da depois Rua das Mahotas e está marcada no mapa a púrpura. Essa rua ficava um tanto para nascente da actual Av. Samora e por isso o jardim só mais tarde terá avançado até ao limite actual. Quanto ao limite "horizontal" a sul voltaremos com mais pormenor a este assunto jardim-pântano-limites-estradas noutro artigo.
Vamos agora considerar o resto da legenda da FOTO 1, a menção a uma "fonte pública". Está nela bem à vista uma construção humana na borda do lago vendo-se até um fio de água a jorrar das suas pedras. Trata-se então dum (marco) fontanário ou chafariz (a fonte própriamente dita estaria algures) mas a wikipedia reconhece a simplificação como habitual e consideraremos aqui fonte = marco fontanário = chafariz.
Alfredo Pereira de Lima apresenta o seguinte no livro "Pedras Que Já Não Falam" na página 179 ".. da seguinte local publicada na edição de 10 de Agosto de 1889 do Jornal “O Distrito de Lourenço Marques”: ...o Jardim tem sido muito abandonado, ninguém fez caso dele; e realmente é pena que assim seja, porque é ainda hoje o passeio mais aprazível da cidade. O lago transformou-se em tanque, onde os srs indígenas costumam fazer suas abluções; A fonte faz concorrência à da Avenida D. Carlos e todo o resto está completamente descurado". 
Refere então o jornal uma fonte e um lago no jardim, precisamente a combinação que aparece na FOTO 1 de MRP de que desconhecíamos o local. Quanto às "abluções" não sei exactamente o que o repórter pretendia descrever, na FOTO 1 os senhores indígenas estariam à espera de vez para encher os seus recipientes na fonte e seguiriam depois o seu destino. 
Duma forma ou doutra o espaço da FOTO 1 parecia não estar a funcionar como local de repouso e contemplação da natureza pelo que o seu objectivo como jardim (de aclimatação, segundo a legenda de MRP) estaria desvirtuado. Como essa situação encaixava no que a notícia do jornal dizia parece muito provável que se referisse à situação que MRP captou na FOTO 1 (mais abaixo no corrente artigo do HoM veremos as consequências da espiral descendente do jardim). 
Resumindo, com todas as coincidências visuais e de texto aqui apontadas parece-me que a legenda "Jardim de Aclimatação" para a FOTO 1 tivesse sido a forma escolhida por MRP para identificar o que viu do jardim botânico junto ao seu(s) lago(s) e pela ligação subliminar desse modo feita a Paris parece-me que MRP não teria a mesma impressão negativa do local que tinha o repórter. O jardim teria nessa altura uns três ou quatro anos de existência e como concluímos que se trata sempre do jardim botânico, o que MRP mostrou com a FOTO 1 pode ser completado com a FOTO 2 que lhe seria um pouco posterior. Teriamos então nas FOTOS 1 e 2 o jardim botânico dos primeiros anos na zona em parte na faixa a norte do antigo pântano onde agora passa a Av. Manganhela, antiga Álvares Cabral e em parte na encosta imediatamente para norte daí um pouco para nascente da actual Av. Samora. Como nestas fotos de jardim própriamente dito vê-se pouco, o destaque da observação foi para o lago ou lagos e para as fontes.
Devido à descrita degradação do jardim, a notícia do Jornal “O Distrito de Lourenço Marques” de 1889 completava-se convidando os sócios da associação que o criara a entregarem-no à Câmara. Tendo em conta o estado descrito e a posição fulcral que ele ocupava na geografia e imagino na psique da cidade. é fácil compreender que tenha acabado por ser municipalizado uns anos depois, até porque teria sido essa a situação mais normal desde o começo para tal elemento estruturante da jovem cidade. 
Noto que em 1890 apareceu junto ao muro a sul do jardim frente à Av. Álvares Cabral um chafariz que se manteve aí até ao final dos anos 40 (ver aqui em detalhe). Quando à fonte fotografada por MRP não sei o que lhe aconteceu depois de cerca de 1890 ter aparecido na FOTO 1.
Como contexto histórico da época e particularmente da da FOTO 2, da revista inglesa onde ela foi publicada constava a informação seguinte sobre os ventos de guerra pairando na região sul de Moçambique, apesar do ar benigno destas fotos: 
Mesma edição da "The Illustrated London News" 
em que FOTO 2 foi publicada, de 20 Outubro de 1894 
Falava-se aí da chamada "revolta dos rongas" de que resultou o cerco à cidade de 1894 em que o chefe "vátua" Gungunhana pareceu não estar envolvido mas de que acabou por ser a principal vítima no ano seguinte. Isso porque foi por causa dessa revolta que o Comissário Régio António Enes e os seus militares decidiram por uma política de afrontamento em vez da do tradicional apaziguamento nas relações com as populações africanas insubmissas ao poder português. E o resto faz parte da História.

PS:  Lisandra Franco de Mendonça autora da tese de doutoramento muito focada no jardim alerta que os desenhos iniciais do jardim podem ter sido feitos sem rigor o que pode explicar a dificuldade de se tentar ligar as várias formas de lago que foram sendo desenhadas.

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