Comandante Augusto Cardoso em Moçambique - biografia e suas construções (2/3)

Hélèna Lefebvre-Vilardebó publicou em 2008 um caderno escrito em francês (editados 750 exemplares) que se pode descarregar daqui sobre o seu avô Augusto de Melo Pinto Cardoso (1859-1930), conhecido em Portugal e Moçambique como Comandante Cardoso.
Augusto Cardoso em auto-retrato com apresentação profissional

A partir do que Alfredo Pereira de Lima (APL) escreveu no livro "Edifícios Históricos de Lourenço Marques" e resumimos aqui já conheciamos as suas facetas de explorador, oficial de Marinha de Guerra portuguesa depois ligado ao porto de Lourenço Marques (LM), actual Maputo, responsável por altos cargos administrativos e finalmente empresário privado. Com este caderno ficamos a saber mais alguns pormenores desses aspectos e mais da vida familiar e interesses pessoais do Comandante. Segundo a sua neta o principal era o desenho e pintura e depois a fotografia e por isso ela pode ilustrar o que escreveu com fotos pertinentes. Problema é que a reprodução de algumas delas que faço aqui com a devida vénia fica de péssima qualidade apesar de alguma tentativa de correcção. 
Jovem Cardoso trajando à civil e como militar
O texto de Hélèna Lefebvre-Vilardebó tem como subtítulo "o explorador e fotógrafo" e por isso há temas da vida de Cardoso a que intencionalmente ela não terá dado destaque, nomeadamente a propriedade inícial do edifício do Hotel Cardoso. Para a faceta de explorador do seu avô o que Hélèna escreve é basicamente coerente com o de APL e assim com o que escrevi no artigo anterior:
Augusto de Melo Pinto Cardoso (escrito com "s", como artista assinava com "z") depois de terminar o curso da Escola Naval chegou a Moçambique em 1884 com cerca de 25 anos. Vê-se rápidamente envolvido sob chefia de Serpa Pinto na urgente missão de cartografia e delimitação de fronteiras de Moçambique entre a costa do Índico e o interior em direcção ao lago Niassa (partida de LM a 8 de Outubro de 1884). Esse território era disputado entre Portugal e o Reino Unido no contexto da Conferência de Berlim que decorria nessa altura (entre Novembro de 1884 e Fevereiro de 1885) requerendo ocupação efectiva. A difícil missão partiu da costa da zona da Ilha do Ibo para o interior e devido à doença de Serpa Pinto, Cardoso teve de assumir a sua chefia. Atravessando terras desconhecidas do mundo ocidental ("terra do medo") e depois de muitas dificuldades a expedição chega a Metarica onde é salva pelo chefe local. Depois de recuperado físicamente Cardoso segue mais para oeste e atinge o lago Niassa em torno do qual faz explorações mas ainda com muitas dificuldades. Nesta missão Cardoso e os seus auxiliares africanos percorreram 2 500 km por onde não havia caminhos estabelecidos, esteve 20 meses consecutivos no mato, ia morrendo de fome e ficou cego durante 5 meses. 
Como já disse antes se não fosse o Comandante Cardoso e fica-se a saber agora o africano Réné que o substituiu durante muito tempo e outros exploradores portugueses desse tempo, parte das actuais províncias de Nampula (anteriormente distrito de Moçambique), do Niassa e de Tete não pertenceriam à República de Moçambique. Essas movimentações geográficas são mostradas neste mapa antigo que se vê muito mal pois está reproduzido dum livro de que lamentávelmente não anotei o nome. Em cima coloco o que Portugal achava que tinha direito histórico em baixo coloco para se comparar um mapa de Moçambique com as fronteiras actuais, como ficaram definidas depois da disputa com os ingleses, mas com os nomes do tempo português.
No mapa de cima
Vermelho: o que Portugal pretendia como fronteira para Moçambique
Preto: o que o Reino Unido pretendia como fronteira entre
as suas Rodésias e África do Sul e Moçambique português

Olhando para o mapa mais antigo de cima e comparando com o actual é de notar que em princípio o território português deveria ter ido muito para oeste do lago Niassa mas o Reino Unido arranjou maneira de o impedir. 
Nesses tempos o esforço de Cardoso foi reconhecido pelo rei e pelo povo português e ele foi nomeado Governador de Lourenço Marques que estava em vias de se tornar capital de Moçambique. Mas antes de "abraçar esse novo desafio" como agora se diria (hics!), Cardoso fez uma viagem por França e encontra Marie Leyx em Paris com quem se vem a casar e estabelecer-se em LM cerca de 1890. 
Augusto Cardoso e Marie Leyx em estúdio na Cidade de Cabo
 (aparece aqui outra foto desse estúdio)

A primeira filha do casal (Suzanne, mãe de Hélèna) nasce em França em 1895. Depois há um grande salto no tempo no relato de Hélèna para 1906 ano em que Cardoso é nomeado Governador militar de Inhambane. Em 1910 após a proclamação da república em Portugal Cardoso por ser monárquico e com coluna vertebral, como sabiamos já, abandona a carreira militar (simbólicamente partiu a espada de oficial e enterrou-a, segundo APL). Depois segundo a neta foi capitão do porto (mas segundo APL tinha sido muito tempo antes o que parece mais lógico), director da alfândega, juiz e director da meteorologia, e foi membro (frequente) do Conselho do Governo. Ainda segundo Hélèna, Cardoso fundou o primeiro jornal de LM, o Correio de Moçambique mas não estou seguro disso (há aqui uma referência mas deve ser doutro anterior com o mesmo nome).
Até 1913 Marie Leyx, a esposa de Cardoso (que era de espírito aventureiro mas teria pouca saúde para as condições africanas) e a filha Suzanne vivem a maior parte do tempo em Nice no sul de França, mas Cardoso decide então construir uma casa apropriada para que a família se reúna de novo em LM. Foi desenhada por ele próprio, inspirada em revistas da época e particularmente em Frank Lloyd Wright (1867-1959) que curiosamente foi também seguido mais de 40 anos depois por Pancho Guedes no estilo mais geométrico do seus projectos (Barclays da baixa). Todavia a foto muito parcial do exterior da casa que temos de Hélèna é provávelmente a mesma que foi publicada por Santos Rufino em 1929 mas a sua informação conforta a ideia que tinhamos já de que ela se destacava da maioria das moradias na cidade dessa altura.
Casa de Cardoso construída cerca de 1913 presumo que na Polana ou Ponta Vermelha

O mobiliário e decoração da casa foram adquiridos em França por Marie e temos aqui, reproduzidas do caderno de Hélèna, duas fotos do seu interior que desconheciamos por completo:
Interior da casa de Cardoso em Lourenço Marques

Continuamos no artigo seguinte com outra preciosa foto do interior da casa, uma das poucas que permite o conhecimento da vida da classe alta em Moçambique nos tempos antigos, possibilitada pelo facto de Cardoso ser interessado fotógrafo amador e com bom equipamento

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