Marracuene - Ligações a Lourenço Marques por combóio (6)

Mensagem cujos elementos principais são que houve dificuldades na construção de estrada e linha de caminho de ferro da cidade de Lourenço Marques (LM), actual Maputo para a vila de Marracuene. Por isso a ligação de LM a Marracuene devia ser por barco seguindo ao longo da costa da Polana e do Sol entrando-se pela foz do rio Incomáti acima da ilha Xefina. Isso explicará o destaque dado à ponte de desembarque no Incomáti nas fotos antigas da vila. 
A primeira linha de combóio de LM para Marracuene foi construida em 1918, passou para bitola normal e mudou de traçado em 1930 e em 1958 foi extendida até à vila da Manhiça. Foram os Caminhos de Ferro os grandes interessados e responsáveis pelo desenvolvimento turístico da vila de Marracuene.
Ver sumário do texto de Alfredo Pereira de Lima em baixo. Wikipedia não fala especificamente desta linha. 
Combóio inaugural para Marracuene certamente de 1918, 
com bitola estreita (seria 610 de ou 914 mm?)

De Marracuene há este lindo postal com carris mas devem ser para obras pois vão aos esses e a locomotiva de cima não passaria nessa entrada.
Av. Mousinho em Marracuene
Um troço de linha em Marracuene (Marracuene - Manhiça de 1958?).
Foto do antigo residente Sr. Celestino.

Em mensagem anterior tinhamos visto nas duas últimas fotos a linha junto ao rio em baixo da povoação. Tinhamos também visto aqui que Marracuene era o destino das excursões com as automotoras "Micheline".
Resumo de texto algo confuso de Alfredo Pereira de Lima (APL) publicado na sua "História dos Caminhos de Ferro de Moçambique" que parece ter-se inspirado no livro do Eng. Lopes Galvão de 1940 e que foi assim disponibilizado em Skyscrapercity (ver pontos HoM): 
Na primeira década do século XX (20) Marracuene (depois Vila Luisa) era inacessível por falta de caminho praticável. O solo era de areia solta e os automóveis não o podiam trilhar (HoM: seria isto relativo a uma estrada pela Costa do Sol?). A casa Koppel, de Berlim, que se comprometera com o Governo a fornecer automóveis capazes de assegurar as ligações com a Vila, desistiu do intento, depois de uma experiência com um carro especialmente construido com aquele objectivo, mas que não conseguiu chegar a meio do caminho (HoM: Koppel parece ser uma firma especializada em soluções inovadoras mas de combóio)O Governador-Geral Freire de Andrade pretendera construir uma estrada de ligação mas o orçamento era demasiado elevado. Só havia uma maneira de fazer a estrada: era construir um caminho de ferro ligeiro através do interminável areal (HoM: qual areal, ia ser uma linha pela costa?) e utilizá-lo para o transporte de pedra, do saibro e ainda de água que não havia no percurso. No rumo desse pensamento (HoM: qual, mas fez-se a linha para fazer a estrada ou já não tinha nada a ver com ela?) a construção da Linha de Xinavane em 1914 (HoM: começando através da linha internacional até à Moamba), foi seguida da construção da Linha LM - Marracuene que demorou 64 dias para os seus 32 quilómetros de extensão. A linha foi construída e inaugurada em 5.10.1918 aproveitando material "Decauville" disponível. Como atravessava LM pelo Alto Maé e Chamanculo (HoM: mas por onde subia para a alta da cidade e por onde passava nesses bairros não se sabe) o que representava grandes inconvenientes, em 1924 a linha foi levantada e deslocou-se o traçado para fora da cidade, ficando então com 33 quilómetros de extensão. Em 1930 o material "decauville" foi substituído por carris em bitola normal de 1.067 m.
Esta foto e principalmente sua legenda publicada pela USC permite elucidar um pouco este último ponto:
Curva bastante pronunciada e com muro ao fundo, aonde?

A legenda diz que se trata da partida de Lourenço Marques [Maputo] e que se vê à esquerda e à direita os muros do cemitério. Embora não consiga relacionar este muro em curva com o cemitério que seria o de S. Francisco Xavier ficamos com uma referência para o percurso dessa linha. Outra é um plano de 1914 em que mostra a linha a passar na Av. Massano da Amorim, actual Tung mas de que não temos informação concrete de que tenha sido aí instalada (ver aqui).

Cemitério de Lhanguene
Voltando ao texto de APL no Skyscrapercity: a Administração dos CFM pretendeu fazer de Marracuene um centro moderno de turismo e promoveu a construção do Pavilhão de Chá (ver na penúltima foto), o povoamento florestal da região com pinheiros, o ajardinamento da zona de Estação e excursões turísticas no Rio Incomáti em barcos a gasolina até à reserva dos hipopótamos. O prolongamento da linha de Marracuene para a zona agrícola da Manhiça (e indo ao encontro da Linha de Limpopo em Ungubana) numa extensão de 44 quilómetros, ficou concluido em 1958.

Informação na dissertação para obter o grau de doutor "Um império projectado pelo “silvo da locomotiva” de Bruno José Navarro Marçal a partir da pág 325: 
"Em 1918, por iniciativa de Lopes Galvão, que exercia as funções de inspector das Obras Públicas, em Moçambique, procedeu-se à construção de um outro ramal da linha de Lourenço Marques, ligando a capital de província, desde um ponto próximo da Missão de S. José de Lhanguene, à pitoresca e histórica vila de Marracuene (também designada Vila Luísa, em homenagem à filha de António Enes), atravessando o fértil vale do Infulene, junto ao rio Incomati, destinado a abastecer a cidade de produtos agrícolas e a transportar o turismo nacional e estrangeiro (A). Existia, desde 1911, o projecto de construção de uma estrada, destinada a servir os agricultores estabelecidos naquela localidade (B). A obra chegou a ser autorizada, pelo governador-geral, em 1917, mas as dificuldades verificadas no transporte de pedra e saibro, necessários à construção, esgotaram rapidamente a dotação orçamental e levaram a que se aventasse o recurso a uma linha Decauville, recentemente comprada para fazer o caminho-de-ferro de Jinabai a Chicomo, em Inhambane1079. Os trabalhos simultâneos de estudo e assentamento da linha, numa extensão de trinta e quatro quilómetros, iniciaram-se no final de Junho de 1918, ficando concluídos em sessenta e quatro dias úteis de trabalho. Durante as comemorações do aniversário da República desse ano, que ficaram marcadas pela inauguração desta linha férrea em bitola reduzida, de 0,60m, Lopes Galvão não deixou de se regozijar com aquilo que considerava ser um novo recorde da engenharia portuguesa, que lhe fazia recordar uma outra cerimónia de inauguração, onde também fora protagonista:
Não digo isto com desvanecimento, porque a construção podia fazer-se em 30 dias, ou em menos tempo. Mas se eu disser a V. Exa. que dos 1000 e tal indígenas prometidos para esta construção, no fim de 15 dias não tinham chegado senão 10, concordarão comigo que representa alguma coisa digna de registo esta construção (…).
Faz hoje sete anos que outra construção se inaugurou nos precisos termos desta, com a mesma falta de preceitos. E quando o Ministério para cá pediu telegraficamente os planos de construção que se inaugurava, eu vi-me forçado a responder que ainda não estavam feitos!
Refiro-me ao Caminho de Ferro da Polana que com tanto amor construi, e que eu desejava trazer a Marracuene avançando pela praia fora e rasgando a fértil planície das Mahotas até me embrenhar no vale do Incomáti.
Apesar de, na intenção inicial, a linha férrea de Marracuene ter um carácter provisório, a verdade é que rapidamente se verificaram as vantagens da sua implantação permanente. Em 1924 a via foi levantada e os carris foram assentes num novo traçado, ligeiramente mais longo, que seguia ao longo do vale do Incomati e que terá tornado possível a emergência de construções “à beira-mar e ao longo do vale, visto tornar possíveis os transportes dos materiais de construção”1081. Em 1929, registaram-se novas e significativas modificações, com a adopção da bitola sul-africana, em resultado do aproveitamento dos carris retirados da linha de Xinavane, e com a revisão parcial do traçado, que se afastou da parte habitada da cidade para se internar nos subúrbios, onde seria útil à construção de casas económicas.

Notas: 
(A) Gazeta dos Caminhos de Ferro, 16 de Agosto de 1925, p. 233; Alfredo Pereira de Lima, História dos Caminhos de Ferro de Moçambique, Vol. III, p. 227. Por meio de um depoimento de Francisco dos Santos Pinto Teixeira, histórico presidente do Conselho de Administração dos Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique, ficamos a saber que os colonos agrícolas, estabelecidos ao longo da linha férrea, eram maioritariamente “portugueses, gregos e monhés”, dedicados à produção de banana: “Os vagões, de via reduzida, chegavam a Lourenço Marques, e, percorridos os 35 quilómetros de via, eram descarregados, sendo a maior parte da carge de novo carregada em vagões de via normal, porque havia grande exportação de bananas para a África do Sul. A descarga fazia-se não só por virtude da diferença na bitola da via, mas também porque a alfândega o exigia para cobrança dos direitos de exportação, e queria ver com os seus olhos o que de facto se exportava”.

(B) João Alexandre Lopes Galvão, A engenharia portuguesa na moderna obra da colonização, pp. 80-81: “A vila de Marracuene, nas margens do Incomati, é um lugar aprazível, que dista da cidade cerca de 30 quilómetros, mas ao tempo era inacessível por falta de caminho praticável. O solo era todo de areia e os automóveis não o podiam trilhar. A casa Koppel de Berlim, que se comprometera com o Governo a fornecer automóveis capazes de assegurar as ligações com a vila, desistiu do intento, depois de uma experiência com um carro especialmente construído com aquele objectivo, mas que não conseguiu chegar a meio caminho”.

NB. a linha de Marracuene inicial era em bitola reduzida, de 0,60 m, quer dizer mais reduzida que a bitola sul-africana usada nas linhas principais.

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