Caminho de ferro entre Lourenço Marques e Pretória - Edward McMurdo

Edward McMurdo (1842-1889) foi militar na Guerra Civil americana do lado bom (União) e no decorrer de uma vida empresarial preenchida propôs e foi-lhe outorgada a concessão para construir e explorar o lado português da linha de caminho de ferro entre Lourenço Marques e Pretória. Essa iniciativa correu muito mal como temos visto e provávelmente foi a causa mais directa da sua morte. 
Na net não aparecem fotos de McMurdo (talvez uma gravura mas com pouca segurança). mas nas de Fowler, o presumível agrimensor- fotógrafo que acompanhou os trabalhos da linha, há várias com personagens mais ilustremente vestidas do que as que temos visto até aqui (a excepção eram os gentlemen mas esses deviam ser pessoal médio). 
É o caso da foto seguinte para a qual Alfredo Pereira de Lima (APL) na obra História do Caminho de Ferro em Moçambique diz que McMurdo, que se deslocou a Moçambique para a inauguração estava ao centro vestido de gabardina.

FOTO 1
Seguindo APL, McMurdo devia ser o senhor ao centro da linha
que podemos confirmar ocupa também noutra foto posição de destaque.

O grande rio à direita será o Incomáti pelo que o local pode ser o da estação que foi chamada Incomati e até onde a linha foi provisóriamente inaugurada, mas como o seu edifício não tinha ainda sido erigido não se consegue distingui-lo de qualquer outro da frente dos trabalhos na zona. Se fosse mesmo no local da estação, estaríamos a cerca de 1.5 km para a frente = para oeste do ponto onde a linha vinda da Moamba e depois de atravessar a savana árida e plana chega à margem direita do rio e na qual seguirá até à fronteira (aqui a estação de Incomati no lado superior esquerdo com a linha junto ao rio e ela a afastar-se dele lado inferior direito em direcção à Moamba).
Reelembro que McMurdo tinha estado convencido que a linha iria terminar nesse ponto mas concluíu-se depois que afinal ficava a 8-9 km do que foi depois definido entre Portugal e África do Sul como sendo a fronteira. 
Como já disse o rio nesta secção vai aproximadamente na horizontal em Moçambique (mais ou menos sobre o eixo leste-oeste) e vai cortar a fronteira que fica sobre o eixo norte-sul. Isso quer dizer que as duas margens do rio que se veriam na FOTO 1 se a localização estiver correcta e o que estaria daqui para a foz do rio e o daqui para montante por mais uns km eram território português, agora de Moçambique.
Passamos a outra foto com um grupo (e a esta foto APL não se referiu) e onde se vê de novo o provável McMurdo em posição central:

FOTO 2
O provável McMurdo e o grupo mais próximos do rio

A construção da linha chegou ao rio Incomáti no final de Novembro e ela foi inaugurada no início de Dezembro de 1877 e por isso estas fotos devem ser desse curto periodo. Apesar do vestuário que Mac Murdo usava não parecer muito apropriado para o verão em África não me parece que estas fotos sejam duma eventual visita anterior aos trabalhos pois o rio da foto é seguramente o Incomáti, não há outros rios no percurso da linha tão largos. Presumo assim que a roupa de Mac Murdo fosse mais uma gabardina contra a chuva do que contra o frio.
Na FOTO 2, que voltamos a ver neste artigo, aparece uma zona de terreno trabalhado mas ainda sem a linha pelo que se for mesmo do tempo da inauguração podia ser de uns metros depois da estação, quer dizer na continuação até à fronteira. 
A foto seguinte do Google Earth actual com o vale do Incomáti nesta zona dá melhor ideia de onde as FOTOS 1 e 2 devem ter sido tiradas, a FOTO 1 forçosamente para a direita = sudeste do ponto amarelo e a FOTO 2 na zona entre o ponto azul e o amarelo, a distância entre esses dois pontos sendo aproximadamente de 1 500 metros.

FOTO 3
Azul: onde a linha férrea vinda da Moamba (e passando por Movene) 
atinge o rio e muda curva ligeiramente para a esquerda
Amarelo: estação de Incomáti, onde McMurdo básicamente terminou a construção

Na FOTO 2 pode observar-se que a linha ficava bastante acima do nível do rio pelo menos nessa época do ano. 
Um ponto interessante do que se passou entre a inauguração em Dezembro de 1887 e a nacionalização em 25 de Junho de 1889 foi que finalmente em Outubro de 1888, após ter definido com o Transvaal o ponto de ligação na fronteira, Portugal deu o ante projecto dos 8-9 kms finais a McMurdo para que o finalizasse e executasse nos 9 meses seguintes. 
Mas no fim de 1888 e na primeira metade de 1889, da estação de Incomáti para a frente o pessoal presente de McMurdo fez simplesmente pesquisa do traçado nuns 3 km, limpou cerca de 1 km de mato e destruiu algumas rochas no trajecto, ao longo da margem sul do rio. A companhia de McMurdo básicamente esperava a chegada do novo empreiteiro que viria de Inglaterra para completar a linha até à fronteira. Essa inactividade foi oficialmente a principal razão para a nacionalização por Portugal mas quando explicou à Inglaterra a sua versão do que tinha levado a isso, a companhia (McMurdo tinha falecido) disse que mesmo que se tivessem construído os 8-9 km finais de nada teria valido porque o plano português não era apropriado. De facto disse a companhia que a cheia desse ano (princípio de 1889) tinha nalguns pontos sido 10 a 20 pés (3 a 6 metros) acima do nível definido no plano português para a linha, que a esse nível tinham aparecido novas rochas (não se sei se arrastadas pelo rio ou caidas das encostas) e que por isso a linha não teria resistido (para além da interrupção de tráfego que teria acontecido até as águas baixarem). Daqui se subentende que para a companhia a sua inactividade não tinha causado atraso na prática pois os 8-9 km se tivessem sido construídos teriam de ser reconstruidos (e pagos de novo) de qualquer maneira. E por aqui a companhia também justificava o atraso no cumprimento dos 9 meses dizendo que depois da cheia tinha recomeçado a planear a linha mais acima do rio e que iria ser mais difícil construir a esse nível porque ia encontrar mais rochas, etc. Por isso tinha concluido que precisava de mais três meses que tinha solicitado mas que Portugal não concedeu. Conclusão como já disse um caso bastante complicado, mas voltando às imagens é para dizer que as cheias do rio neste local podem (podiam?) ser impressionantes e que a linha férrea actual é capaz de ser acima do que se antevê na FOTO 2 pois mesmo a que tinha sido construída foi corrigida em boa extensão depois da nacionalização. 
Juntando as duas imagens de cima relativas ao "big boss":

MONTAGEM
Edward McMurdo, provávelmente, em duas fotos de Fowler.

McMurdo nasceu em 1842, em 1887 teria 45 anos e na foto parece estar nessa faixa etária, por isso neste caso não duvido da informação dada por APL na legenda da FOTO 1. Quanto ao título de Coronel, pela curta descrição da vida militar e pela longa da vida civil que aparece na biografia em baixo e pela idade, acho que McMurdo deve tê-lo comprado ...
Agora detalhes da impressionante história de McMurdo do livro Historical Dictionary of the British Empire, volume 2
Página seguinte do livro não disponível gratuitamente

Relacionado com esta linha férrea o mais interessante do texto acima é que ele primeiro tentou fazer a linha do lado boer (sul africano). 

Disclaimer: O HoM é um blog de amador, que não tem a pretensão de ser preciso nem de se comparar ao trabalho dos historiadores profissionais, para mais num tema tão complexo. A propósito Edward McMurdo escreveu uma história de Portugal nessa época, pelo que era um historiador - investidor. 
Podemos ver mais detalhes sobre McMurdo na biografia da sua esposa indicando que era uma personalidade também socialmente importante em Londres onde residia desde 1881, a época mais relevante para a sua actividade em Moçambique. Foi ela que como herdeira do maior acionista liderou a disputa com o governo português relativa à nacionalização e indemnização.

Wikisource - mulheres do século
McMURDO, Mrs. Katharine Albert, social leader, was born in the "Beckwith Homestead," the beautiful home in Palmyra, N. Y., of her grandfather, Col. George Beckwith. Her maiden name was Katharine Albert Welles. Her youth was chiefly spent in New York City, where her parents, Albert, the historical and genealogical writer, and Katharine Welles, resided, and where she became the wife of Col. Edward McMurdo, a brilliant Kentuckian, who fought for the Union throughout the Civil War. 
In 1881 they took up their residence in London, where Col. McMurdo engaged in such important and far-reaching enterprises as to make his name a familiar one throughout the financial world. He was one of the earliest to recognize the commercial and financial possibilities of South Africa, and his investments and enterprises in that country gave him almost the importance and power of a potentate. 
Their mansion in Charles street, Berkeley Square, a survival of the time of William III, into which they had introduced many modern comforts and luxuries, became the center of a generous hospitality, where scholarly, agreeable people, distinguished in letters, art or science, men notable for civil or military services, or for lineage and position, found congenial association. 
Ever a devoted student of the best books, with a mind enriched by extensive travel, a residence in foreign capitals, and acquaintance with intelligent society, with a brilliant conversational gift, and a fascinating personality, she soon won a host of devoted friends. 
The happy home in Mayfair received an awful shock in 1889, when Col. McMurdo died, without a moment's warning, from the bursting of a blood-vessel in the brain.  The Portuguese government took advantage of that event, and seized the Delagoa Bay Railway, an important line traversing the Portuguese territory in southeast Africa, from Delagoa Bay on the coast to the Transvaal frontier, which Col. McMurdo had built under a concession direct from the king of Portugal, and which from its unique position gave the man whose courage and enterprise had prompted its construction a power sufficient to arouse the envy of the Portuguese government and people. 
The seizure was made under the flimsy pretext of a technical breach of contract, and was such a high-handed outrage that the English and American governments took prompt action to protect the interests of Mrs. McMurdo and those associated with her husband in the ownership of the railway. 
Portugal admitted its liabilitv and joined with the United States and British governments in asking the Swiss parliament to appoint a commission from the leading jurists to enquire and determine the amount of indemnity to be paid tor the railway and the valuable rights conferred by the concession. That being one of the interesting diplomatic incidents of the day, with (resto não se vê).
Katherine McMurdo, herdeira da companhia. Ficou viúva pouco tempo,
também era uma pena desaproveitar tantas qualidades ...

Mais noticias da família McMurdo
New York, Dec. 28 (provávelmente em 1889) - The Evening Sun publishes a long and somewhat sensational statement in regard to possible difficulties between this country and Portugal. The substance of it is the Mrs. McMurdo of Buffalo, N.Y., widow of the late Col. McMurdo, an American citizen who organized an English syndicate and built the Delagoa railroad in African territory, now claimed by Portugal, recently waited upon Secretary Blaine, accompanied by a Western New York congressman as friend and counsel, and submitted to the secretary convincing proofs that the property rights of Col. McMurdo are being disregarded by Portugal. The secretary invited explanations from the Portugese government, but received no satisfactory response, whereupon he sent the squadron of evolution to Lisbon instead of to Havre as at first intended, and notified Lord Salisbury that the United States is ready to co-operate with Great Britain in forcing Portugal to respect the rights of foreigners in the territory referred to. Lord Salisbury at the same time ordered four British men-of-war from Malta to Lisbon.

Indiana Democrat, Indiana, Pennsylvania, dated 21 May 1890
Monday, May 18, Miss Agnes de McMurdo, daughter of the colonel of that name of Delagoa bay fame, has left Berlin for London, where she will shortly marry Mr. Silver, of Baltimore.

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