O HoM tem tratado do porto de Lourenço Marques (LM), actual Maputo e dos navios que o frequentaram em tempos antigos por isso esta nova série de quatro artigos é um complemento ao tema. Recordo ter já tratado dum acontecimento marcante ocorrido no porto e na cidade durante a segunda grande guerra mundial - primeira transferência de prisioneiros em 1942.
Por acaso encontrei duas notícias de jornal do fim desse ano relativas a navios mercantes gregos ao serviço dos países aliados que foram afundados por submarinos alemães na costa sul de Moçambique e com poucos dias de intervalo. Fui ver o que existiria na net sobre isso e reencontrei o site em português aterrememportugal que explica muito bem como LM passou a ser protagonista no conflito, os actos de espionagem que aconteceram na cidade e o seu contexto nomeadamente em relação às operações no porto e aos navios. Mas para além de poder agora concretizar que navios foram directamente atingidos, muito fácilmente encontrei o outro lado da história e que parece não ter interessado aos curiosos do assunto no referente a LM. Falo dos submarinos alemães e seus comandantes que surpreendentemente trouxeram os "ventos de guerra" para a dolente costa africana do oceano Índico a milhares de quilómetros dos principais teatros de guerra.
Primeiro os dois exemplos de navios gregos afundados em 1942 perto de LM que encontrei primeiro nos jornais e que se conclui são uma pequena amostra dos afectados nesse período:
Por acaso encontrei duas notícias de jornal do fim desse ano relativas a navios mercantes gregos ao serviço dos países aliados que foram afundados por submarinos alemães na costa sul de Moçambique e com poucos dias de intervalo. Fui ver o que existiria na net sobre isso e reencontrei o site em português aterrememportugal que explica muito bem como LM passou a ser protagonista no conflito, os actos de espionagem que aconteceram na cidade e o seu contexto nomeadamente em relação às operações no porto e aos navios. Mas para além de poder agora concretizar que navios foram directamente atingidos, muito fácilmente encontrei o outro lado da história e que parece não ter interessado aos curiosos do assunto no referente a LM. Falo dos submarinos alemães e seus comandantes que surpreendentemente trouxeram os "ventos de guerra" para a dolente costa africana do oceano Índico a milhares de quilómetros dos principais teatros de guerra.
Primeiro os dois exemplos de navios gregos afundados em 1942 perto de LM que encontrei primeiro nos jornais e que se conclui são uma pequena amostra dos afectados nesse período:
1. Navio Corinthiakos (ligação ao sensacional site uboat que tem informação preciosa sobre o tema)
Cargueiro grego Corinthiakos que foi depois afundado a NE-E da Inhaca |
Como vemos em baixo a infausta notícia sobre o seu afundamento partiu de LM a 20 de Novembro e foi publicada no mesmo dia no Canadá embora com a identificação do navio um pouco alterada (o nome correcto deriva de Corinthia na Grécia, na notícia parecia relacionado com a especiaria Coriandro ou Coentro). A notícia só mencionava directamente o falecimento do comandante mas vê-se nos dados do site uboat que houve muito mais vítimas mortais.
Notícia publicada com base em telegrama do escritório da agência noticiosa British United Press em LM |
Esta notícia é confirmada pela informação do site uboat que lhe acrescenta muitos detalhes:
Resumo: Corinthiakos foi afundado a 20 de Novembro de 1942 pouco depois da meia noite a 35 milhas a NE-E da Inhaca pelo submarino germânico U-181 tendo resultado 11 mortos e 21 sobreviventes. Tinha saído de LM a 19 de Novembro e navegava para Mombassa e Aden.
Acontecimentos: At 01.24 hours on 20 November 1942 the unescorted and unarmed Corinthiakos (Master Leonidas Alexandrou Paleokraosas) was hit on starboard side (o submarino atacou do lado do oceano) side aft by one G7a torpedo from U-181 and sank within two minutes 35 miles northeast by east of Inhaca Lighthouse. The master and ten crew members were lost. The U-boat picked up a man swimming in the water and transferred him to one of the two lifeboats in which the crew had abandoned ship and questioned the men. 19 survivors reached Inhaca later that day, were picked up by the Portuguese tug Chaimite (ver aqui no Hom em 1939) and landed at Lourenço Marques at 16.30 hours on 20 November. Two survivors were picked up by the British motor merchant Gurjarat at 13.30 hours on 21 November.
Resumo: Corinthiakos foi afundado a 20 de Novembro de 1942 pouco depois da meia noite a 35 milhas a NE-E da Inhaca pelo submarino germânico U-181 tendo resultado 11 mortos e 21 sobreviventes. Tinha saído de LM a 19 de Novembro e navegava para Mombassa e Aden.
Acontecimentos: At 01.24 hours on 20 November 1942 the unescorted and unarmed Corinthiakos (Master Leonidas Alexandrou Paleokraosas) was hit on starboard side (o submarino atacou do lado do oceano) side aft by one G7a torpedo from U-181 and sank within two minutes 35 miles northeast by east of Inhaca Lighthouse. The master and ten crew members were lost. The U-boat picked up a man swimming in the water and transferred him to one of the two lifeboats in which the crew had abandoned ship and questioned the men. 19 survivors reached Inhaca later that day, were picked up by the Portuguese tug Chaimite (ver aqui no Hom em 1939) and landed at Lourenço Marques at 16.30 hours on 20 November. Two survivors were picked up by the British motor merchant Gurjarat at 13.30 hours on 21 November.
Pontos aqui a realçar para os não experts no assunto são:
- os alemães não terem feito caça ao homem para além das vítimas que resultariam directamente do ataque. Neste caso ajudaram mesmo um náufrago a sobreviver e não molestaram os outros. Era normal depois do ataque a tripulação do submarino procurar obter informação dos sobreviventes, senão a tivesse, para completar os seus registos. Noutro destes casos os alemães deram água aos sobreviventes e instruções para chegar a terra;
- os serviços de socorro portugueses funcionaram com aparente eficácia e a maioria das vítimas - para quem não teria soado a hora - estava em LM cerca de vinte e quatro horas depois (de terem de lá partido nalguns casos), traumatizadas mas vivas.
A completíssima informação do site uboat deve resultar de combinação de relatórios alemães e aliados. Houve também um relatório militar português feito no início de 1943 mas de estudos académicos portugueses mais recentes sobre o tema desconheço o que exista de comparável ao conteúdo do site uboat.
- os alemães não terem feito caça ao homem para além das vítimas que resultariam directamente do ataque. Neste caso ajudaram mesmo um náufrago a sobreviver e não molestaram os outros. Era normal depois do ataque a tripulação do submarino procurar obter informação dos sobreviventes, senão a tivesse, para completar os seus registos. Noutro destes casos os alemães deram água aos sobreviventes e instruções para chegar a terra;
- os serviços de socorro portugueses funcionaram com aparente eficácia e a maioria das vítimas - para quem não teria soado a hora - estava em LM cerca de vinte e quatro horas depois (de terem de lá partido nalguns casos), traumatizadas mas vivas.
A completíssima informação do site uboat deve resultar de combinação de relatórios alemães e aliados. Houve também um relatório militar português feito no início de 1943 mas de estudos académicos portugueses mais recentes sobre o tema desconheço o que exista de comparável ao conteúdo do site uboat.
2. Navio Evanthia
Cargueiro grego Evanthia que foi depois afundado ao largo da praia Sepúlveda (origem do nome) no litoral de João Belo/Xai-Xai |
O telegrama do escritório da Associated Press em LM foi enviado a 30 de Novembro de 1942 e a notícia foi publicada no mesmo dia no jornal duma pequena cidade dos Estados Unidos.
Notícia fala de ofensiva renovada dos submarinos alemães, o que parecia ligado à ocorrência anterior. |
Esta notícia é confirmada pela informação do site uboat que lhe acrescenta muitos detalhes:
Resumo: Evanthia foi afundado a 28 de Novembro a 70 milhas a NE da Inhaca pelo submarino alemão U-181 sem vítimas mortais. Saíu de Aden a 14 de Novembro por isso não chegou a aportar a LM.
Acontecimentos: At 22.50 hours on 28 November 1942 the unescorted Evanthia (Master C. Valmas) was hit on port side (o submarino atacou do lado do oceano) amidships by one G7a torpedo fired from a stern torpedo tube of U-181 while steaming on a non-evasive course at 10 knots in a bright moonlit night about 70 miles northeast of Inhaca Lighthouse. She quickly began to settle on an even keel and the crew of 30 men and two gunners (the ship was armed with two anti-aircraft guns) abandoned ship in two lifeboats in moderate seas within five minutes. The mast collapsed and brought the aerial down just after they had sent a distress signal. However, the Evanthia did not sink so the U-boat surfaced half an hour later and shelled her until she sank after 45 minutes. About 70 of the 107 rounds fired with the deck gun were hits, but every fourth round of incendiary ammunition was a dud. The survivors pulled their lifeboats to the nearby Praia de Sepúlveda and were later transported by road to Lourenço Marques via Vila João Belo.
Acontecimentos: At 22.50 hours on 28 November 1942 the unescorted Evanthia (Master C. Valmas) was hit on port side (o submarino atacou do lado do oceano) amidships by one G7a torpedo fired from a stern torpedo tube of U-181 while steaming on a non-evasive course at 10 knots in a bright moonlit night about 70 miles northeast of Inhaca Lighthouse. She quickly began to settle on an even keel and the crew of 30 men and two gunners (the ship was armed with two anti-aircraft guns) abandoned ship in two lifeboats in moderate seas within five minutes. The mast collapsed and brought the aerial down just after they had sent a distress signal. However, the Evanthia did not sink so the U-boat surfaced half an hour later and shelled her until she sank after 45 minutes. About 70 of the 107 rounds fired with the deck gun were hits, but every fourth round of incendiary ammunition was a dud. The survivors pulled their lifeboats to the nearby Praia de Sepúlveda and were later transported by road to Lourenço Marques via Vila João Belo.
Pontos a realçar:
- de novo os alemães não procurarem expressamente fazer vítimas mas neste ataque terem-se assegurado que o navio era completamente afundado e compreenderemos mais tarde qual a razão.
- os alemães terem usado torpedos nos dois ataques quando segundo li noutros caso havido reclamações sobre o seu (mau) funcionamento. Outras armas dos submarinos também não funcionaram bem nestas missões o que era problemático para quem estava em guerra e tão longe da base, neste caso do Evanthia a munição da peça de convés parecia estar defeituosa.
Os alemães tinham inicialmente tentado afectar as linhas de abastecimento britânicas no Indico usando cargueiros armados e pequenos navios de guerra mas concluiram que necessitavam de algo mais efectivo. Decidiram então enviar submarinos de longo alcance para a costa leste de África com a dificuldade acrescida de ficarem longíssimo das bases na Europa dado que a Alemanha já não tinha colónias em África desde o fim da primeira grande guerra nem tinha aliados nas cercanias pois até a ilha de Madagáscar tinha deixado de estar sobre controlo da França de Vichy precisamente em 1942.
Esta manobra naval germânica parece ter sido inesperada e depois dos primeiros ataques a nova realidade para os Aliados deve ter demorado a assentar. Por exemplo um dos comandantes alemães ficou surpreendido por uma das suas presas não ter tomado a precaução básica de limitar as transmissões de rádio (imagino que ao menos apagassem as luzes dos navios) parecendo desconhecer o risco. A outro nível de possível protecção, os dois cargueiros que vimos acima não seguiam em combóio nem tinham escolta, o Corinthiakos não estava armado e não se sabe se tentou fugir e o Evanthia tinha recebido armamento ligeiro mas nem sabemos se foi usado, parece que tentou escapar acelerando mas sem fazer manobras evasivas (normalmente zig zags).
De novo usando informação do site uboat podemos estabelecer para o U-181 (mas houve outros submarinos alemães na zona a fazer ataques semelhantes, veremos mais um mas poder-se-ia estudar outros para ter a visão mais completa do sucedido) a sequência de datas e posição dos seus ataques.
Primeira patrulha do U-181 no Índico
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Data
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Nome da Embarcação
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Ataque (localização aproximada HoM)
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03-nov-42
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East Indian
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SE do Cabo, entre o Atlântico e Índico
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08-nov-42
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Plaudit
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ao largo de Port Elizabeth
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10-nov-42
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K.G. Meldahl
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ao largo de East London
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13-nov-42
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Excello
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ao largo de Port St.John, South Africa
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19-nov-42
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Gunda
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NE da Ilha da Inhaca, poucos sobreviventes chegaram à Ponta do Ouro em salva-vidas/balsas
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20-nov-42
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Corinthiakos
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NE-E da Ilha da Inhaca
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22-nov-42
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Alcoa Pathfinder
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ao sul de LM, sobreviventes chegaram à Ponta do Ouro em salva-vidas
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24-nov-42
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Dorington Court
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E- SE da Inhaca
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24-nov-42
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Mount Helmos
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ao largo de LM mas muito afastado da costa
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28-nov-42
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Evanthia
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NE-E da Ilha da Inhaca
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30-nov-42
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Cleanthis
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S.SE de Inhambane
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2 Dez 1942
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Amarylis
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S-SE de LM
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Como vemos nesta tabela o primeiro ataque do U-181 e que os Aliados terão compreendido claramente ser um dado novo na costa do Índico foi a 8 de Novembro de 1942 (dando de barato que o ataque de 3 de Novembro podia ter sido mal interpretado pelos Aliados como se tivesse sido feito por um submarino inimigo que estivesse de passagem entre os oceanos). A 18 de Novembro de 1942 temos o primeiro ataque perto de LM ao navio Gunda, isto depois de dois outros ataques ocorridos depois do de 8 de Novembro ainda em águas sul-africanas. O acima referido navio Corinthiakos foi o seguinte a ser atacado mas ainda sob certo "fog of war" relativamente à aproximação dos submarinos a LM, no entanto o Evanthia foi-o uma semana depois após mais três ataques por isso já não haveria dúvidas do que estava a acontecer. Mas como este vinha para LM pouco mais podia fazer senão confiar nas suas armas e na sorte, que lhe foi madrasta. Para os navios que saiam do porto de LM a partir dessa altura é que os Aliados (neste caso ingleses e sul-africanos) podiam fazer algo mas não seria fácil organizar combóios protegidos por vasos de guerra. Nem sei se chegaram a ser organizados a partir de LM (para o porto de Durban foram e podia ser que os navios saídos de LM lá se integrassem mas era preciso coordenação) dado que pouco depois os alemães interromperam a missão no Índico durante vários meses. De qualquer modo mesmo a notícia do Corinthiakos já não manifestava surpresa pela presença dos alemães nas águas próximas de LM e a do Evanthia parecia tratar o assunto quase como sendo banal (ofensiva renovada dos submarinos alemães nas águas do leste de África).
O facto de ser o U-181 que estava envolvido nestes dois ataques não era mencionado nas notícias dos jornais que vimos em cima, talvez porque mesmo se se soubesse seria considerada informação confidencial. Mas como esses dois ataques aconteceram de noite, as identificações nos submarinos alemães não eram muito visíveis e até pode não ter havido contacto visual, é possível que os sobreviventes não tivessem ficado a saber porque submarino tinham sido atacados e que a informação precisa do autor do ataque só mais tarde tenha sido estabelecida (alguns dos comandantes comunicavam por altifalante com os sobreviventes/naufragos mas acho que seria preferivel não dizerem o seu nome).
Ainda pelo site uboat (mas confirmado por muitos outros) podemos abrir mais a porta do conhecimento deste tema para o lado alemão (e no final perdedor) da História, ficando-se a saber que nesta altura o U-181 era comandado por Wolfgang Lüth.
Wolfgang Lüth que atacou os dois navios mercantes gregos acima retratados |
O Terceiro Reich alemão fez pouco depois de Wolfgang Lüth um herói tendo-lhe sido concedida a segunda mais alta condecoração militar, a qual só foi atribuida cerca de duas dezenas de vezes. Isto principalmente pelas suas patrulhas no oceano Indico entre as costas de Moçambique e do Natal na África do Sul, a ponta sul da Ilha de Madagáscar e as Ilhas Maurícias e de que temos estado a ver as consequências e veremos ainda um pouco mais as razões. Por coincidência ou talvez não, na sua pose de cima é essa parte do mundo que no globo aparece virada para a câmara.
Ver detalhes sobre a vida de Lüth e as patrulhas do U-181 neste artigo.
O próximo artigo fala sobre espiões alemães e dos países Aliados em Lourenço Marques.
Ver detalhes sobre a vida de Lüth e as patrulhas do U-181 neste artigo.
O próximo artigo fala sobre espiões alemães e dos países Aliados em Lourenço Marques.
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