MONTAGEM 1
O tema deste artigo é a concessão de terrenos atribuída pelo Estado Português à companhia britânica Eastern Telegraph (E.T.) em Lourenço Marques (LM) e em paralelo à concessão do cabo submarino e das comunicações telegráficas para o território de Moçambique.
Nos mapas disponíveis da parte alta da cidade e que são já do século XX essa concessão de terrenos não aparece claramente representada. É o caso dos três seguintes em que vemos marcado de origem o terreno da estação da E.T. que tinha um tamanho confortável para uso para o cabo submarino e só no mapa de 1903 se vê uma parcela maior para a direita dele (nos três casos são as marcas a vermelho). Mas como se pode ver mesmo essa parcela era reduzida em relação ao que se pensa ter sido a concessão que acrescentei a dois dos mapas a branco.
Nos mapas disponíveis da parte alta da cidade e que são já do século XX essa concessão de terrenos não aparece claramente representada. É o caso dos três seguintes em que vemos marcado de origem o terreno da estação da E.T. que tinha um tamanho confortável para uso para o cabo submarino e só no mapa de 1903 se vê uma parcela maior para a direita dele (nos três casos são as marcas a vermelho). Mas como se pode ver mesmo essa parcela era reduzida em relação ao que se pensa ter sido a concessão que acrescentei a dois dos mapas a branco.
MAPAS do INÍCIO DO SEC XX (20)
Marquei então nos mapas a branco e da mesma forma que na MONTAGEM 1 a concessão de terrenos da E.T. segundo o que Lisandra Franco de Mendonça desenhou na Figura 27 / página 117 da sua tese de doutoramento (referência aqui, dados completos na NOTA 4 ao fundo). Na parte inferior = sul a concessão começava nos quarteirões acima = norte da Rua Infante D. Henrique, actual Rua Nachinwea (os terrenos daí para baixo que vieram a ser do Governo-Geral e do Quartel General tinham sido antes atribuidos à companhia de Mc Murdo) e subia para norte até terminar entre um e dois quarteirões a norte da Av. Pinheiro Chagas, actual Mondlane. Aí ficava a poente do recinto do Hospital e ocupava uma largura de cerca de quatro quarteirões até à actual Av. Nyerere. Fazia aí fronteira (na direcção este-oeste) com a grande concessão de terrenos da DBLS como veremos.
Em termos actuais podemos ver esses limites da concessão da E.T. com mais detalhe na imagem de Google Earth:
Em termos actuais podemos ver esses limites da concessão da E.T. com mais detalhe na imagem de Google Earth:
IMAGEM GOOGLE EARTH
Branco: perímetro da concessão de terrenos da E.T.
Vermelho: terreno da estação da E.T. com edifício principal ao centro
Roxo: actual Av. Lumumba e continuação para a PV
Verde escuro: Av. 24 de Julho, antiga Francisco Costa
Verde claro: Rua do telégrafo, actual Av. Nduda
Carmesim: antiga Pinheiro Chagas, actual Mondlane
Laranja: antiga Av. António Enes, actual Nyerere
Laranja claro (canto inferior esquerdo): passagem do cabo desde a barreira |
Sobre as concessões de terrenos em LM feitas pelo Estado a entidades privadas nas últimas décadas do século XIX (19), Lisandra Mendonça diz o seguinte na página 163 da sua tese: "A urbanização para leste e nordeste nas terras da Baía (Maxaquene, Polana e Sommerschield) ficou condicionada pela concessão imprevidente, por parte do Governo, de grandes áreas de terreno à firma Allen Wack & Co. a Oscar Sommerschield (adquiridas sucessivamente pela Delagoa Bay Lands Syndicate, Ltd (DBLS), à Companhia Telegráfica (Eastern and S. African Telegraph) e a outros especuladores.".
Com o desenvolvimento da cidade no século XX, esses terrenos, que acabaram por ficar na sua melhor zona, tiveram uma grande valorização financeira e uma concessionária como a E.T. mais cedo ou mais tarde predispunha-se a vendê-los pois de facto não estavam ligados à sua actividade principal (o que não era o caso da DBLS). Noto no entanto que segundo foto de 1919 vista neste artigo parecia haver uma instalação com torres para telegrafia sem fio (TSF, talvez essa técnica de telecomunicações tenha sido adicionada ao âmbito do contracto da ET) no terreno da concessão da ET entre a PV e a Av. 24 de Julho. O terreno que tinha de ser reservado para tal instalação era muito grande (seria similar ao da Polana onde veio a haver TSF mais tarde e que não foi urbanisado depois originando-se daí o actual Parque dos Continuadores) pelo que a demora da urbanização dessa zona se terá devido também a isso. Mas voltando ao momento em que a concessionária se dispõe a vender os seus terrenos ao público, para tal acontecer era preciso coordenação com o município e o processo podia ser complicado e demorado (ver NOTA 1 em baixo).
Por seu lado, Alfredo Pereira de Lima (APL) no livro "Pedras" refere-se à concessão de terrenos da E.T. dizendo que foi atribuída em 1890 (data da assinatura do contrato definitivo entre o governo e a E.T., um ano depois do início da exploração da estação telegráfica) com terreno na plataforma da PV e Maxaquene (ver NOTA 2 em baixo sobre a área referida por APL) a pretexto da passagem de cabo entre a estação e o início da barreira. Ora isto justificaria, incluindo principalmente o espaço que sabemos que teve para a estação telegráfica de cerca de 180 m X 180 m, uma área de digamos 35 000 m2 de concessão. Pelo que está no mapa de Lisandra, estimei que a concessão atribuida à E.T. tivesse sido de cerca de 600 000 m2, quer dizer quase 20 vezes maior do que seria então justificado. É evidente que no ano de 1880 a zona era de mato quase selvagem mas se a E.T. estava interessada nesses terrenos e muitíssimo para lá das justificações técnicas para o serviço que iria prestar, o Estado devia ter-se perguntado porquê, mas ...
Assim e com o mesmo tom negativo que Lisandra, APL fala desta concessão como tendo sido "desastrada" e como havendo "vastíssimos terrenos que a companhia não aproveitava" e que se tornaram necessários para abrir ruas na PV e que criaram numerosos litígios para construções. APL exemplifica por exemplo que em Setembro de 1903 teve de ser acordado entre a Câmara Municipal e a E.T. a cedência de terreno para se abrir as actuais Av. M. de Mueda, antiga Bartolomeu Dias que passa em frente ao Governo/Presidência e a Av. Nyerere, antiga António Enes que liga a PV à Polana. Pode-se perceber a urgência das negociações entre a Câmara e a E.T. nesse período porque foi precisamente pelas essas duas avenidas que no ano seguinte (1904) começou a funcionar a linha de eléctrico e APL mencionava o mesmo processo para outras artérias secundárias que a Câmara iria macadamisar.
De facto essas duas avenidas já apareciam desenhadas no mapa de 1903 mostrado em cima, talvez porque estas cartas às vezes são mais planos que mapas. Vê-se também nos dois primeiros que estavam marcadas outras grandes vias nos limites da concessão que suponho a câmara podia abrir sem necessidade de acordo com a E.T.. Viam-se também as estruturantes Avs 24 de Julho e actual Mondlane atravessando a concessão da E.T. mas como não são referidas por APL ou tinham estado previstas de início ou foram objecto de acordo entre as partes entre 1890 e 1903. No entanto no interior da concessão da E.T. mais nada de relevância esteve desenhado até ao mapa de 1914 no qual e pela primeira vez aparece o seu loteamento completo, pelo menos no papel.
Naturalmente era de esperar que progressivamente os terrenos da antiga concessão da E.T. fossem loteados e vendidos aos particulares (ver no entanto em cima que uma parte estava ocupada por TSF em 1919) mas APL diz que mesmo para além de 1926 houve pequenos conflitos por causa de alguns terrenos e que a E.T. tinha sido forçada a partilhá-los (mas APL não explica com quem eram os conflitos da E.T., se com particulares ou se com a Câmara, e de que tipo eram). Suponho que depois deve ter havido "cedências" de parte a parte (veremos em baixo) e nesta foto aérea marco a situação da antiga concessão da E.T. no ano de 1933 e pode-se observar o seu desenvolvimento (tenho certa dúvida em relação à marcação na parte superior, mas é digamos com aproximação de meio quarteirão.
FOTO de 1933
Branco: perímetro da concessão de terreno da E.T.
Vermelho: terreno da estação da E.T. com ela ao centro
Roxo: actual Av. Lumumba e continuação para a PV
Verde escuro: Av. 24 de Julho, antiga Francisco Costa
Verde claro: Rua do telégrafo, actual Av. Nduda
Carmesim: antiga Pinheiro Chagas, actual Mondlane
Laranja: antiga Av. António Enes, actual Nyerere
Castanho escuro (no canto superior esquerdo):
parte sul e sudoeste da concessão da DBLS
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Como disse aqui (ver NOTA 3 ao fundo) e comparando a situação das duas concessionárias em 1933 observava-se que no que tinha sido a antiga concessão da E.T. a construção de residências estava bem mais avançada do que na concessão da DBLS. Notava-se no entanto que na da E.T. a norte da Av. Pinheiro Chagas ainda havia poucas casas mas que principalmente a sul da Av. 24 de Julho a construção era já densa.
Como já vimos em 1926 a Marconi (CPRM) foi autorizada a explorar telegrafia sem fio para Moçambique, no R.U. as sedes da E.T. (cabos) e da Marconi (sem fio) fundiram-se em 1928 e quanto a Moçambique foi decidido em 1930, presumo que com a anuência do governo português, que as comunicações inter-continentais para o território passariam a ser por rádio e a estação da E.T. em LM foi assim fechada por esses tempos.
APL menciona no seu livro uma fase decadente da E.T. ("com a partilha forçada dos terrenos, amputada de outros previlégios e por fim ... diminuída na sua importância pelo adventos dos novos circuitos via rádio ...") mas não a calendariza. Assim não se fica a saber via APL se por volta de 1930 a E.T. ainda teria ou não terrenos em sua posse, e se os tinha se houve mudança na política quanto a eles por parte da nova companhia e por isso não se fica bem a saber como se encerrou este capítulo fundiário da E.T.
Faltou também que APL nos dissesse a troco do quê, antes disso, foi a E.T. fazendo "cedências" de modo a possibilitar, pelo menos, que a área da sua concessão se integrasse no resto da cidade como parecia ser de maior interesse para a Câmara. Como sabemos o "Foreign Office" (com a Royal Navy à mão) estavam atentos ao respeito que os portugueses prestavam aos contratos assinados com as companhias e cidadãos britânicos, por isso as "cedências" devem ter tido um preço em libras.
APL menciona no seu livro uma fase decadente da E.T. ("com a partilha forçada dos terrenos, amputada de outros previlégios e por fim ... diminuída na sua importância pelo adventos dos novos circuitos via rádio ...") mas não a calendariza. Assim não se fica a saber via APL se por volta de 1930 a E.T. ainda teria ou não terrenos em sua posse, e se os tinha se houve mudança na política quanto a eles por parte da nova companhia e por isso não se fica bem a saber como se encerrou este capítulo fundiário da E.T.
Faltou também que APL nos dissesse a troco do quê, antes disso, foi a E.T. fazendo "cedências" de modo a possibilitar, pelo menos, que a área da sua concessão se integrasse no resto da cidade como parecia ser de maior interesse para a Câmara. Como sabemos o "Foreign Office" (com a Royal Navy à mão) estavam atentos ao respeito que os portugueses prestavam aos contratos assinados com as companhias e cidadãos britânicos, por isso as "cedências" devem ter tido um preço em libras.
Apesar do aspecto da concessâo dos terrenos aqui descrito e que em retrospectiva se considera negativo, facto é que a Eastern Telegraph muito cedo "meteu" Lourenço Marques no mapa-mundo das comunicações, embora num lugar marginal. Aqui uma publicidade da E.T. de 1882 em que a posição de LM não é muito precisa mas só podia ser nela o ponto de amarragem marcado entre Zanzibar e Durban.
Vermelho: presumo que LM
Amarelo: cidade de Vigo na Galiza, Espanha
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Nota-se que a cidade de Vigo em Espanha parecia ter grande destaque na rede certamente devido à sua posição geográfica nos trajectos dos cabos da E.T. para sul da Grã-Bretanha donde a maior parte deles partia.
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NOTAS ADICIONAIS
NOTA 1 - Processo de urbanização da concessão da E.T.
A construção num terreno duma antiga concessão (neste caso da E.T.) seria o passo final para os seus novos proprietários individuais, depois da sua compra à concessionária na sequência da aprovação pela Câmara Municipal da divisão da concessão em lotes, da criação de ruas/praça/parques e da instalação de infraestrutura como redes de água, saneamento, electricidade e telefones conforme fosse acordado entre as autoridades e a concessionária.
No periodo entre o ano de 1903 quando segundo APL se abriram algumas das vias principais e o ano de 1914 quando o mapa mostra a zona urbanizada, muito pode ter acontecido. A Câmara e a E.T. podiam ter chegado a acordo para abrir mais vias secundárias no interior da concessão mas por exemplo a responsabilidade por isso podia ter ficado para a E.T. e esta podia não estar apressada. Podia também acontecer, mesmo nas ruas principais que já estivessem abertas em 1903, que os terrenos tivessem sido loteados mas que a E.T. não os tivesse posto à venda ou se sim que a E.T. pedisse preços tão altos que não encontravam comprador.
Sobre contingências na relação entre a Câmara e a E.T. e relativamente ao período de entre 1905 e 1910 eu já tinha falado aqui e aqui que nesta zona da PV e Polana e ladeando avenidas que estavam já bem traçadas, viam-se ainda grandes frentes de terreno inocupadas e que isso acontecia precisamente do lado da concessão da E.T.. Num dos exemplos, por coincidência ou não, via-se na actual Av. Nyerere que do lado oeste, no que tinha sido ou era ainda a concessão da E.T., nao havia construções enquanto que do lado leste que tinha ficado na posse do Estado/município e teria sido loteado e vendido apareciam casas de boa feitura.
NOTA 2 - A área de terreno de que APL fala
APL refere 10 000 m2 concessionados à E.T. e apresenta-os como a razão para os problemas que descreve. Como essa área corresponde por exemplo à dum quadrado com 100 metros de lado, presumo que APL quisesse dizer 10 000 ares que seriam 1 000 000 m2. Em cima estimei segundo o desenho de Lisanda Mendonça que concessão da E.T. teria à volta de 600 000 m2 o que estaria na ordem de grandeza dos supostos 10 000 ares mas a diferença ainda era significativa. Isso leva-me a questionar se não haveria mais terrenos incluídos na concessão da E.T. dos Lisandra desenhou. De facto Lisandra menciona que a E.T. possuía também os terrenos que formam o actual Parque dos Continuadores, antigo José Cabral que lhe foram cedidos a titulo de serem usados para a estação de TSF, mas como isso terá acontecido já no século XX não deveria contar para os 10 000 ares que APL quereria dizer. E como a área do parque é de 70 000 m2 por si só também não explica a diferença toda. Resumindo ficam algumas questões: APL enganou-se nas unidades e teriam sido 10 000 ares ou não? Teria havido mais terrenos na concessão da E.T. do que Lisandra desenhou?
Esse artigo foi muito baseado na tese de doutoramento de Lisandra Franco de Mendonça de quem falámos aqui sobre as concessões de terrenos na zona da Polana. O foco era na concessão da DBLS que ficava a norte da da E.T. e que continuou depois para a Sommerschield mas mencionava-se também a da E.T.. Dizia-se:
Daí mais para a direita havia também uma grande zona em branco (pintada agora a verde claro) que era a concessão da Eastern Telegraph (E.T.), companhia cuja estação de cabo submarino ficava aí no canto inferior esquerdo. Na antiga vila da Ponta Vermelha que fica no canto inferior direito do mapa não havia concessão e havia edifícios do governo, quartéis e particulares. Na grande mancha verde clara que tinha sido a concessão da E.T. os quarteirões em torno da Av. 24 de Julho estavam urbanizados e construídos mas daí para norte até à fronteira sul da concessão da DBLS também não estava urbanizado, com excepção do quarteirão que ficava imediatamente a norte da Av Duquesa de Connaught, depois António Enes, actual Nyerere (azul).
NOTA 4 - Informação sobre a tese de doutoramento de Lisandra Ângela Franco de Mendonça (ligação para descarregar)
Título da tese: Conservação da Arquitetura e do Ambiente Urbano Modernos: A Baixa de Maputo
Orientadores: Professores Doutores Arquitetos Walter Rossa e Giovanni Carbonara
Coorientador: Professor Doutor Arquiteto Júlio Carrilho
Ramos de conhecimento: Arquitetura e Urbanismo/Restauro da Arquitetura
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