MR - Teatro Manuel Rodrigues de LM - indústria cinematográfica, Pathé e MGM (V)

Logo da Pathé Frères (evolução no youtube)
Falemos agora da indústria cinematográfica nas suas componentes de produção e distribuição que faziam chegar os filmes aos exibidores como Manuel Rodrigues (MR) para projecção nos seus cinemas primeiro em Lourenço Marques (LM), actual Maputo e depois noutras cidades de Moçambique. 
Alfredo Pereira de Lima (APL) deu o mote ao pôr em breve perspectiva no livro "Pedras que já não falam" o início da exibição de filmes em Lourenço Marques (LM). Dizia APL que em Joannesburgo (a cidade com que LM esteve mais ligada para efeitos de cinema) o primeiro filme foi exibido em 1896 mas nesse tempo ainda como atracção em espectáculos por exemplo de circo ou de ilusionismo. O site sahistory tem informação completa sobre cinema na África do Sul e diz, em linha com APL, que a exibição permanente começou aí em 1898 mas que com a guerra anglo-boer o desenvolvimento da indústria estagnou. Fica daqui a ideia que o cinema como espectáculo específico em termos de produto e de público foi aparecendo progressivamente na África Austral a partir dessa altura e o site diz que em 1903 já se podiam distinguir tipos de filmes de ficção, depois dos primeiros filmes feitos e exibidos na África do Sul e em todo o mundo terem sido de actualidades e/ou documentários. 
Voltando a APL dizia ele que em 1904 a firma francesa Pathé tinha industrializado a nascente actividade e era prácticamente o monopólio de produção cinematográfica mundial. Uma rápida consulta da wikipedia aponta no sentido de que a Pathé seria a maior fabricante de equipamento e produtora, distribuidora e exibidora de fitas no mundo. Para além de fazer filmes na base em França fazia-os pelo menos também em Londres, como os filmes não tinham voz a língua não era importante mas cada mercado devia ter as suas peculiariedades. Foi a Pathé que introduziu novas máquinas de filmagem e projecção e lançou o conceito dos filmes de ficção. Tudo isso foi acontecendo até que os dois primeiros cinemas de LM abriram em 1907 precisamente com filmes da Pathé. Curiosamente APL destaca o filme L'Assassinat du duc de Guise de 1908 que a wikipedia diz ter sido um dos primeiros filmes franceses a ter sucesso internacional e que revolucionou o jogo dos actores mas vê-se aí que esse não era da Pathé. 
Diz depois APL que Charles Chaplin (que acabou por ficar famoso pela personagem Charlot) entrou num primeiro filme em 1912  (na wikipedia vejo que que foi em 1914) e mais ano menos ano esse era o contexto em que o primeiro Teatro Gil Vicente de MR foi inaugurado, em 1913. De notar que o primeiro cine-teatro de raíz na África do Sul foi construído em Durban em 1909, por isso LM seguia com ligeiro atraso a tendência desse mercado óbviamente económicamente muito mais desenvolvido e rico. 
Passando agora para António Rosado e o seu livro "A Obra", escreve ele que MR tinha muito boas relações com o estúdio norte americano Metro Goldwyn Mayer (MGM) que o considerava "muito simpático, honesto e cumpridor". António Rosado parece exagerar sempre essas apreciações mas neste caso parece-me justificado e como nos fornece mais dados sobre a MGM vamos expô-los aqui. 
Ponto crucial a notar é que não podemos ver a relação entre a MGM do início (fundada em 1924 pelo maior proprietário de salas de cinema dos Estados Unidos - Loews - após a compra dos estúdios e distribuidores Metro, Goldwyn e Mayer criados respectivamente em 1916, 1917 e 1918) e a firma de Manuel Rodrigues como ela teria sido se tivesse começado digamos nos anos 40. Primeiro, a MGM e mesmo os estúdios que adquiriu eram mais recentes no negócio do que MR e o seu Salão Edison. Segundo, só depois de consolidar o negócio nos EUA a MGM deve ter procurado distribuir os seus filmes no estrangeiro e África não seria a prioridade. Sendo António Rosado o primeiro passo nesse continente foi a abertura duma agência na África do Sul, o que deduzo aconteceu entre 1924 e 1931. Presumo que a MGM não quisesse intermediários entre ela e os exibidores finais enquanto que outros estúdios podiam preferir colocar os seus filmes através de distribuidores locais. Essa agência da MGM nos primeiros tempos não conseguiu clientes nos cinemas sul-africanos, a razão presumo que terá sido os distribuidores existentes terem-nos chantageado ("Ai se exibes os filmes da MGM então ficas sem os outros = nossos"). sahistory fala do que se passava na distribuição mas nada sobre a entrada directa da MGM no mercado em que o magnata era Schlesinger, que acabou por acaso sendo dono do Hotel Polana. Enquanto estava bloqueada para os cinemas sul-africanos a MGM terá contactado MR que sendo estrangeiro seria imune aos constrangimentos sul-africanos e assim foi ele o primeiro e durante oito meses o único exibidor de filmes da MGM em África, até que o problema desta na África do Sul se terá resolvido. Nesse período e condições, entre o poderoso estúdio dando os primeiros passos na África Austral e o pequeno mas experiente exibidor laurentino, e englobando as firmas e as pessoas, acredito que se tenha criado a relação especial que António Rosado descreve.
Aqui o primeiro logo da MGM reproduzido da logos.wikia sob o lema "Arte Pela Arte":
Logo creado em 1916 para a Goldwyn e que foi adoptado pela MGM
Aqui e aqui a história dos leões do logo da MGM
Parece-me que MR exibia filmes doutras produtoras, pelo menos mais tarde exibiu os da 20th Century Fox americana e deve ter continuado com as europeias dos primeiros tempos mas por exemplo a instalação de cinema sonoro que inaugurou no primeiro TGV da Rua Lapa pouco antes do seu incêndio era da MGM (no entanto não sei se era exclusivamente para filmes da MGM ou se tinha havido padronização técnica anterior). Facto é que após a destruição desse primeiro TGV em 1931 a MGM esperou que MR fizesse uma nova sala apesar da pressão doutros exibidores locais (que seriam o Scala e o Varietá) para que pudessem apresentar os seus filmes. Noto que mesmo que não houvesse exclusividade contractual entre a MGM e MR, o facto da MGM decidir não exibir em LM novos filmes durante esses dois anos fê-los perder valor comercial (quando puderam ser exibidos por MR tinham deixado de ser novidade e tinham aparecido mais filmes a fazer-lhes concorrência), prejuízo com que a MGM arcou.
Indicadores de que a MGM parecia ter um papel importante para MR e recíprocamente são por exemplo que quando o novo TGV foi inaugurado em 1933 o seu gerente na África do Sul esteve presente (ver foto com a família aqui) e disse em discurso que "das muitas cidades do mundo em que tinha estado, nenhuma das do tamanho de LM tinha um teatro melhor". Também a administração da MGM enviou um telegrama a felicitar MR e outro em nome dos seus artistas sob contracto (embora esses nem devam ter sido informados), resumindo um cumular de gentilezas em 1933 por parte da MGM.
Logo da MGM em 1928 em filme (Ars Gratia Artis)
Do resto que António Rosado escreve transparece também que esses laços perduraram depois de 1933. Em 1944 no falecimento de MR, quando o peso do TGV para a agência sul-africana e para a MGM global devia ser mínimo e quando o tempo podia já ter enfraquecido os laços iniciais, a MGM enviou um telegrama de sentido pesar à família recordando os tempos passados e prometendo colaboração no futuro e o triste acontecimento foi noticiado com evidente consternação na revista sul-africana da MGM. Penso também que essa boa relação se terá consolidado, pelo lado de MR pela qualidade e interesse comercial que as produções da MGM foram tendo e pelo lado da MGM pela observação de que MR investia no negócio do cinema e que não estava nele efémeramente nem à procura de lucro fácil. 
Achei interessante tentar perceber e embora sendo muito restrito à MGM falar aqui deste tema, e este final sobre MR podia ser uma alegoria a muita coisa mas ...

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