Eis um dos ex libris da antiga cidade de Lourenço Marques, actual Maputo, o Hotel Polana. Foi considerado ao seu tempo o melhor do Sul da África e ainda agora é o mais prestigiado hotel de Moçambique.
O Hotel foi recentemente renovado e pertence ao grupo Serena de um dos fundos Aga Khan. Ver dados muito interessantes sobre a construção e vida do Hotel ao fundo desta mensagem.
Vou aqui mostrar as imagens da mais recente para a mais antiga.
FOTO 1
Imagem após renovação recente Foto Miguel Cintra Machado |
FOTO 2
Antes da independência de Moçambique, anos 60-70 No topo a esfera armilar portuguesa original |
Vamos agora ver que o Hotel nas FOTOS 1 e 2 já tinha sido alterado em relação ao original que se vê nas fotos daqui em diante. Por exemplo na FOTO 3 vê-se que no quarto piso inicialmente havia águas furtadas recuadas com varanda em frente, o que foi transformado para ter a fachada contínua de alto a baixo das FOTOS 1 e 2.
FOTO 3
Hotel Polana em 1955 (foto ACTD) |
FOTO 4
FOTO 5
Santos Rufino publicada em 1929 |
FOTO 6
Os carros nas fotos 5 e 6 parecem mais ou menos semelhantes e o jardim estava práticamente na mesma por isso assumo que sejam aprox. da mesma época.
Passamos para a que me parece ser a foto mais antiga deste conjunto, pois o espaço do hotel estava ainda sem os muros e sem os portões da FOTO 6 embora os carros sejam do mesmo estilo que os das FOTOS 5 e 6
FOTO 7
Como adiantámos em cima, pudemos aqui observar que a partir da FOTO 3 inclusive não se notavam grandes alterações na frente do edifício.
INFORMAçÃO
SIPA: Arquitecto: Herbert Baker (HoM: ver análise crítica a seguir); Cronologia: 1917 - surge a ideia da construção de um luxuoso hotel na então Lourenço Marques; 1920 - 1922 - data provável da construção do edifício; 1922 - inauguração.
Alfredo Pereira de Lima (APL) no livro "Edifícios Históricos de Lourenço Marques" tem um capítulo sobre o Hotel Polana. Os dados mais importantes foram resumidos em cima pelo SIPA mas o texto de APL é pouco claro pois não explica bem a sequência de decisões e que fases houve realmente e APL também não faz uma análise crítica das informações de que dispunha, como veremos em detalhe a seguir.
Uso então a seguir a informação de APL disponível a partir da página 185 desse seu livro e que inclui como fontes, para além de algum texto próprio, um texto do jornal Guardian de 4 de novembro de 1918 (nas páginas 185 a 188), uma carta do Eng. Lopes Galvão (nas páginas 188 a 190) que por sua vez cita um artigo do jornal laurentino LM Guardian de 21 de outubro de 1918 e o discurso de Leão Cohen representante do concessionário, a Delagoa Bay Lands Syndicate (DBLS), na inauguração em 1 julho de 1922 (nas páginas 191 a 193). Junto-lhe ainda uns primeiros comentários meus:
1. A ideia de construção dum grande hotel em LM nasceu em 1917 e em 4 de novembro de 1918, quando segundo APL estava já "em adiantada fase de concretização" foi escalpelizada num artigo no jornal LM Guardian. Era aí dito que os capitalistas (da DBLS, são referidos o magnata das minas Sammy Marks e Sollie Joe e Gustav Imroth que seria o director da concessionária - ver NB3) pretendiam um hotel que custaria 50 000 GBP cujo encargo anual do capital seria 3 000 GBP (o que correspondia a juro de 6% por ano). Como segundo o articulista possívelmente haveria interessado em arrendá-lo a esse preço (pois em comparação a renda do pequeno Hotel Cardoso paga por Luis Boschian a Augusto Cardoso era de 1 000 GBP) com essa dimensão o hotel seria construído e operado sem custo para o Estado. Isto era dito pois o Estado garantia aos investidores o juro do investimento que seria então totalmente coberto pelo arrendatário. O articulista parecia estar contra um projecto que fosse mais grandioso que o planeado, isto é um que tivesse mais de 100 quartos, pois na sua opinião nessa fase do desenvolvimento da cidade um hotel desses não seria prioritário.
2. Ao concurso de desenho organizado pela DBLS concorreram sete empresas. O plano aceite foi da firma "A. W. Reid & Delbridge", de Johannesburg e do Cabo. Era para um hotel com 80 quartos de dormir e 100 compartimentos no total e custo previsto de GBP 60 000. Isto estava genéricamente em linha com a descrição do que estava planeado segundo dizia o artigo em 4 de novembro de 1918. O edificio demoraria pelo menos um ano a construir. Em segundo lugar ficou a proposta de Hill Mitchelson (1874-1958), gabinete sul-africano com muitos trabalhos que optou por sugerir o Egipto estando até essa proposta referida no artigo no site especializado artefacts.co.za.
3. O Guardian (de não sei quando) na página 190 diz que a construção foi entregue à Delagoa Bay Engineering Works (Hugh Le May) que propôs a oferta mais barata. Como se fala em Hugh Le May que já conhecemos de actividades anteriores provávelmente esta DB EW era independente da DBLS mas sem certeza, mas é óbvio que o Estado não devia ter aceite tal ligação. Todavia no discurso de inauguração (página 193) foi dito por Leão Cohen que a firma construtora foi a East Coast Engineers e da qual Hugh Le May era gerente. Ficamos na dúvida sobre quem foi de facto a firma construtora e se Hugh Le May era seu proprietário ou gerente. Leão Cohen felicitou ainda um Sr. Arquibald pela supervisão da obra, presumo que fosse da própria firma mas podia ser da WR & D ou um conselheiro externo.
4. Ainda no Guardian (de não sei quando) na página 190 a proposta vencedora para a construção era de pouco menos de 120 000 GBP e para levar menos de 19 meses. O custo total previsto era de cerca de GBP 200 000, juntando-se aos GBP 120 000 para o edifício mais GBP 80 000 para equipamentos, mobília, direitos?, ascensor para a praia (foi feito?). Note-se que isto era muito mais que o dobro da primeira estimativa de 50 000 GBP referida em 1, e não é explicado porquê, se houve aumento do tamanho, aumento dos preços unitários, introdução de mais requinte. Quer dizer a modéstia no investimento que o Guardian defendia em 4 de novembro de 1918 foi rápidamente ultrapassada, pelo menos em termos do custo total. Não sei qual seria a inflação neste período em torno do final da WWI; seriam os 50 000 GBP só para a construção? de qualquer modo os 120 000 GBP ja seriam mais que o dobro ...
5. Note-se que na inauguração foi dito (pág. 192) que o custo final ficou próximo de 300 000 GBP. Como o Estado assumiu o compromisso de cobrir a diferença entre o rendimento do Hotel e 6% do investimento por ano, como terá evoluido esse aspecto do contrato? Terá o Estado sido chamado a aprovar esses aumentos no investimento, terá a garantia do Estado permanecido só para o valor estimado ao tempo do contrato? Não sei.
Meus comentários adicionais:
A. No que leio fica-me a dúvida se o Estado promoveu um concurso para escolher um capitalista que investisse no Hotel e ficasse concessionário e que este depois se encarregaria de encontrar om terreno ou se o processo foi logo orientado para a DBLS que tinha já o terreno para a construção (ou pelo menos Sammy Marks tinha) o que facilitaria o processo. Fica-me ainda a dúvida se no caso de ter havido concurso para o concessionário se este teria de comprar o terreno à DBLS ou podia escolher outro, isto é se a localização do hotel para se aplicar a concessão estava pre-determinada pelo Estado. Mas parece-me que o projecto foi desde o início promovido pela DBLS que tentou interessar nele o Estado de modo a obter certas contrapartidas ou garantias.
B. Não se sabe como foram negociados os termos da concessão entre o Estado e a DBLS mas ficou estipulado (Guardian na página 190) que o Estado garantia ao investidor uma renda de 6% durante 10 anos sobre o capital empregue (presumo que sobre o custo de invstimento total incluindo a construção e o resto) e algumas concessões adicionais que não são especificadas mas relacionadas com licença para casino que chegou a funcionar e com impostos que se presume seria de certa forma reduzidos.
C. No discurso de inauguração foi específicamente dito pelo representante do proprietário, Leão Cohen, que o arquitecto foi Walter Reid (e como está no livro de APL transcrito na página 193). Isso reforça a ideia de que a WR & D foi não só a firma seleccionada para estruturar o plano como disse Galvão e que lógicamente seria encarregada da sua concretização mas também quem fez o desenho.
O site artefacts sa aponta no sentido dessa firma terem sido os autores escrevendo que a associação entre W REID (seria o arquitecto Walter Reid (1866-1933), o sócio principal), AH REID (o filho de Walter Reid) e WJ DELBRIDGE existiu entre cerca de 1918 e 1923 e "won the competitions for the new Medical School building in Johannesburg in 1919 and for the Polana Hotel, Lourenco Marques". Desta informação não se fica a saber se depois o envolvimento da firma no Polana continuou para a fase final mas juntando-se ao que foi dito no discurso tudo parece apontar que sim. Note-se que o artefacts para Walter Reid individualmente não inclui o projecto do Polana o que pode ser explicado por ser trabalho conjunto.
D. Dito isto estranho que o projecto tenha sido atribuido a Herbert Baker por APL num parágrafo ao alto da página 191 do livro. Para mais aparentemente APL não reparou que entrava em contradição com a transcrição do discurso de Leão Cohen na inauguração do hotel e que ele mostra na página 193. Tendo esse discurso sido feito na presença da maior parte dos envolvidos no projecto (enquanto APL fez as suas investigações nos anos 50/60) o seu teor deveria ter valor quase absoluto, salvo se houvesse informação do mesmo peso que a contradissesse. Ora se APL a tinha não a refere (e se a há eu também desconheço).
Quanto ao SIPA escrever que foi Baker, eu presumo que tenha sido induzido em erro por APL ou pelo site do hotel. Assumo que o SIPA não tenha feito investigação própria pois a sua abordagem histórica sobre LM é geralmente ligeira.
Note-se que o HPIP, o outro organismo oficial português sobre o património, já põe a hipótese de ter sido Reid como a amis forte: "Projetado, ao que se sabe, por Walter Reid (1866-1947)". Acrescenta o HPIP, "en passant", que Reid "pertenceu ao grupo de arquitetos britânicos fixados na África do Sul que incluía o famoso Herbert Baker (1862-1946)".
E. Sabemos ainda segundo Galvão e o Guardian em 1918, que o escritório de arquitectura Herbert Baker & Fleming foi um dos que concorreu para o plano do Hotel e o seu projecto "fazia lembrar as construções da Argélia"), mas como vimos essa proposta não venceu (ver NB 1).
F. Podemos ver que no site artefacts.co.za não aparece o Hotel Polana atribuido a Herbert Baker (1862-1946) e que na wikipedia também não, por isso para além de APL / SIPA não sei quem mais adiantará com conhecimento de causa essa hipótese, que penso então ser descartável.
G. No entanto a dúvida em torno do autor do Polana está espalhada, aqui diz ser Reid mas o site do hotel diz ser Baker. Certo é que Baker teve trabalhos muito mais prestigiosos que Walter Reid, por exemplo Baker projectou o Union Buildings em Pretória enquanto que para Reid nem há entrada na wikipedia (o seu sucesso profissional no sector privado foi limitado e algumas vezes regressou ao emprego inicial no funcionalismo público). Isso pode explicar a tendência dos donos actuais do hotel para preferirem a versão de pedigree mais elevado para o seu hotel de luxo, o problema é que tal parece ser feito à custa da verdade.
H. Uma passagem do Guardian que APL transcreve a meio da página 190 é a seguinte: "nós compreendemos que pela aprovação do contrato pelo Governo à construção do novo hotel da Polana pela DLBS fosse entregue à Delagoa Bay Engineering Works (DBEW)". A frase está mal construida e ficamos sem saber se o Estado teve de aprovar específicamente a selecção da DBEW ou se a sua aceitação ficou implícita na formalização do contrato de concessão entre o Estado e a DBLS, se esta tiver sido feita depois da selecção desse empreiteiro.
Quando nas informações sobre o hotel se fala dos capitalistas sul africanos que seguiram a sugestão do Coronel Galvão de de facto se fazer um hotel de luxo numa zona de LM que era ainda mato (mas a praia em baixo estava já "civilizada" há muito), não se pode esquecer a pequena mas certamente influente comunidade judaica de LM e principalmente do mundo de negócios da África do Sul (ver mais em NB3). O representante dos capitalistas em Lourenço Marques era Leão Cohen (e que tinha sido o dirigente da Associação Comercial que em 1907 organizou a recepção ao Princípe Real português porque a Câmara estava falida) que foi coadjuvado por Abraham Levy e Leon Zagury. Estas três pessoas em 1921, um ano antes da inauguração do Hotel, criaram uma instituição caritativa judaica cujos membros dirigentes eram: Direcção: Presidente – Leão Cohen; Secretário – Marco Cohen; Tesoureiro - J. H. Muller: Vogais - Abraham J Levy, Reuben Barnett, Charles Cohen e L Rygor. Assembleia Geral: Presidente - Abraham Caji; Secretários – Leão Zugury e I Berman.
Quem adquiriu o Hotel mais tarde, em 1936, e talvez fizesse parte da sociedade inicial foi Isadore W. Schlesinger (ver sahistory sobre cinema). Este foi um grande magnata de origem judaica na África do Sul que é referido juntamente com outros no livro "Behind the Walled Garden of Apartheid: Growing Up White in Segregated South ... de Claire Datnow" e de que o google oferece umas páginas de que eu mostro aqui em cima pelo menos uma parte.
E segundo Alfredo Pereira de Lima a família de Schlesinger vendeu em 1963 o hotel a uma empresa com capitais portugueses.
NB 1: Note-se que na wikipedia é dito que Baker "becoming partners with Fleming in 1910 and working together until 1918, when Baker cut ties with the South Africa office". Para aparecer a sociedade entre os dois o concurso devia ter no máximo sido em 1918 o que parece correcto e mesmo que a sociedade tivesse ganho não teria sido Baker a fazer o trabalho principal.
NB 2: O site delagoabay mostra que o desenho (planta) do Hotel Polana é semelhante ao do Hotel Mount Nelson de Cape Town projectado por Baker em 1897/98 (jardins em 1922). Essa situação tinha já sido notada por Lopes Galvão e pelo jornal Guardian em 1918 (página 190 do livro de APL) dizendo eles explícitamente que o projecto de Reid era prático mas que "não diferia do do Mount Nelson Hotel". Quer dizer para eles era claro que o grande hotel de LM não seria muito original mas que isso era suportável. Se fosse agora, colocar-se-ia ainda uma questão de plágio mas o desenho podia até tratar-se dum padrão para hóteis de luxo (Palaces) nessa época (mas note-se que decorreram cerca de 24 anos entre o desenho dos dois projectos).
No entanto essa semelhança parece ser um dos motivos para o site delagoabay reforce o seu ponto mental de partida ("Há muitos anos que oiço e leio que o Hotel Polana foi desenhado pelo arquitecto britânico Herbert Baker") e ao que parece assumir que o projecto do Polana é de Baker (".. o Hotel Polana por alguma razão, ... é praticamente omitido pelos seus biógrafos, o que não deixa de ser curioso"). No entanto o site delagoabay não explica bem donde vem essa aparente convicção, referindo simplesmente que "o seu nome (... de Baker ...) é mencionado numa memória sobre o Polana que considero credível" mas como não a identifica ficamos sem acesso a uma fonte sobre este tema que pode ser relevante.
NB 3: Sobre Sollie Joe procurei na wikipedia e não encontrei ninguém que fosse relevante. Mas aqui descubro que um Solomon Joel era um dos magnatas do Rand (Randlords) na companhia de Marks, Barnato, Alfred Beit, etc que foram mencionados aqui e aqui a respeito de Barberton e aqui como contexto para o Hotel Polana. Então procurando por Solomon Joel (1865-1931) confirma-se na wikipedia que era um dos magnatas das minas da África do Sul ("he made his fortune in connection with diamonds, later becoming a financier with interests in mining, brewing and railways" e como se pode ler investiu depois muito no Reino Unido) e era até primo de Barney Barnato que foi o seu mentor.
Gustav Imroth era também outro magnata das minas mas "menor". Era também judeu inglês e tal como Solomon Joe de origem alemã (Imroth era primo direito de Ernest Oppenheimer) e juntando a estes dois capitalistas o principal Sammy Marks (faleceu em 1920 por isso dois anos antes da inauguração do hotel) os três representantes locais (Cohen, Levy e Zaguri) é claro que a DBLS e por isso Hotel Polana foram desde o início um empreendimento de pessoas de origem judaica.
Sobre a história de judeus na África do Sul - aqui
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