Disse no primeiro artigo e no anterior desta série sobre concessões de terrenos que a área que agora faz parte do bairro da Polana de Maputo, antiga Lourenço Marques (LM), digamos de meio do Hospital Central até à Av. Nkrumah, antiga Rua de Nevala, tinha sido de um médico norueguês chamado Oscar Sommerschield que em 1896 a tinha vendido à firma Delagoa Bay Lands Syndicate (DBLS).
Sobre a forma como Sommerchield aparece em LM encontro dois dados. Como se pode ler aqui um Dr. Oscar Somershields - que certamente seria ele - teria estado em MacMac, a primeira zona do antigo Transvaal, na parte que é o actual Mpumalanga, onde a partir de 1873 houve produção de ouro ("payable", em quantidade suficiente para exploração indústrial). Não sei exactamente em que anos essa estadia aconteceu (depois de 1878?) mas como em 1880 ele ainda exercia a profissão de médico em Londres só desse ano em diante poderia ter partido para a África do Sul.
A informação mais concreta sobre a sua presença é todavia de Barberton, cidade do ouro também no Transvaal e posterior a MacMac e que lhe fica a uns 100 kms para sul - sudeste. Oscar Somerschield viveu aí pelo menos entre 1886 e 1887 pois diz-se neste site que privou com Emily Fernandes da Piedade, por acaso uma antiga residente em LM, e com Cockney Liz, uma "vamp" que chegou a Barberton em 1886 e que partiu no final de 1887. Ficamos então com a ideia de que Sommerschield teria partido da Europa para o leste do Transvaal, região onde MacMac e Barberton ficam, entre 1880 e 1886 e que em 1886/87 ele devia residir em Barberton.
Quanto a convicções pessoais vimos já no CV de Somershields / Sommerschield que era anglicano e membro da maçonaria e quanto a hobbies num desses sites via-se que era grande aficionado de póquer e geólogo amador. Nenhuma dessas facetas o "predestinava" a conseguir uma enorme concessão para agricultura / plantação de árvores em LM mas facto é que tal aconteceu e não sei em que data exactamente (acho que neste tema haveria muito para os académicos estudarem ...). Como LM era o porto de mar mais próximo de Barberton e centro relativamente desenvolvido mais próximo, devia haver muita ligação entre as pessoas das duas cidades, embora nesse tempo anterior à linha de caminho de ferro que só apareceu nos anos de 1890, entre o litoral e o interior houvesse únicamente a estrada de LM para Lydenburg (Lidemburgo). Pode ver-se aqui o traçado dessa estrada que passava abaixo de Ressano Garcia e por isso relativamente perto de Barberton para onde devia haver um curto caminho de acesso pelo vale do rio Kaap.
Deixemos por agora a pessoa do Dr. Sommerschield e o último quartel do século XIX (19) e voltemos a 1912, o ano em que foi negociado com a Câmara Municipal de LM o plano de urbanização da parte mais a sul da concessão que nesse tempo era da DBLS mas que presumo, tal como a parte norte que foi urbanisada mais tarde, que tivesse antes sido inteiramente antes de Sommerschield. Focar-nos-emos no espaço dessa concessão que depois veio a ser ocupado pelo Hotel Polana de que revemos a seguir a fachada principal nos anos 40:
Hotel Polana visto para leste, para lá da Av. António Enes e com os terrenos em frente, da concessão da DBLS ainda desocupados |
Este hotel, de que a DBLS era proprietária mas a quem o Estado tinha garantido um rendimento mínimo em função do capital investido e outras concessões, foi construído a partir de cerca de 1920 para ser inaugurado em 1922. Isto foi pelo menos uns 8 anos depois da preparação do plano de urbanização da sua zona de que vemos em baixo um pormenor, tendo por isso havido tempo para alterações, trocas e compras / vendas de terrenos em relação ao que é aí apresentado, o que como veremos parece ter sucedido. Com os números estão marcados os lotes de terreno que poderiam ser vendidos pela DBLS mas do lado direito da imagem = leste geográfico estão terrenos que tiveram outro destino, uma parte desses teria sido do Estado mas foram envovidos em trocas coma DBLS como veremos.
PORMENOR do PLANO de 1912 para junto à barreira da Polana
Verde escuro: para onde esteve primitivamente destinado ser o Parque (para lazer, presumo) do Governo mas que ficou depois a pertencer ao Hotel Polana Verde normal: actual Parque dos Continuadores, onde estava previsto serem lotes para residências mas terá havido troca do Estado com a DBLS depois Carmesim: frente do terreno do actual Hotel Polana, da qual o edifício principal que aparece na FOTO 1 ocupa a parte central Rosa: Rua de Nevala, actual Nkrumah Laranja claro: Av. Massano de Amorim, actual Tung Azul médio: actual Av. Nyerere, antiga da Polana depois António Enes |
a. a sua parte a sul (vê-la no google maps, que penso pertencia ao hotel e foi mais tarde usada para a construção duma estação de serviço agora explorada pela Total) utilisou uma parte do terreno que estava marcado no PLANO de 1912 como sendo de Samuel Marks,
b. a parte central do que veio a ser o terreno do hotel e que é onde o edifício principal que se vê na foto de cima se encontra, estava no PLANO de 1912 prevista para ser um parque;
c. a parte norte do terreno do hotel, onde está nas traseiras uma construção auxiliar alongada e que podemos ver aqui está a ocupar o que teria sido a metade mais a sul da continuação da actual Av. Tung para lá = leste da actual Nyerere que não chegou a ser feita
Pode assim constatar-se que para o hotel ter aí surgido houve muitas alterações ao PLANO de 1912, de facto a DBLS não tinha aí terreno onde o pudesse construir. Em relação às parcelas acima referidas como b. e c., dada a associação entre o Estado e a DBLS para a construção do Hotel (ele era considerado estratégico para o desenvolvimento do turismo em LM) compreende-se que as alterações terão sido facilitadas e penso que elas são evidentes olhando para o PLANO e para a realidade subsequente. Como já tinhamos mencionado no artigo 2, o que terá acontecido é que o Parque público (para lazer) que estava previsto ser na marca "verde escura" passou para os terrenos da DBLS "verde normal" que estavam para ser vendidos, de modo que a DBLS pudesse ficar com o terreno "verde escuro" que até era melhor para o Hotel dado que oferecia vista directa sobre a baía (já falámos disso no segundo artigo desta série) - ver NB 2.
Quanto à parcela a. o seu proprietário Samuel (Sammy) Marks (1844-1920) como se vê aqui Leão Cohen disse no discurso na inauguração que ele foi um dos capitalistas da DBLS que desenvolveu o hotel. Terá então havido algum tipo de transação entre ele Marks, a DBLS e a eventual empresa do Hotel mas não conheço dados sobre isso (ver NB 1). Marks era o grande magnata do ouro e diamantes anglo / sul-africano e que por algum motivo se interessou por LM entre o século XIX e XX. Por exemplo um resumo dos melhoramentos do porto publicado em 1902 na pág. 68 refere que a sua firma, com um primo, (Isaac) Lewis & (Sammy) Marks no final do século XIX esteve interessada em obter a concessão do porto de LM, quer dizer apesar de bilionários procuravam ainda novos negócios (também ver NB 1). O livro Anglo Africa Who's Who fala desta companhia e dos seus múltiplos investimentos e menciona o seu interesse no porto de LM, mas podemos dizer que especulativamente dado que não desempenharam aí papel nenhum pelo menos de relevo e como sabemos no início do século XX o Estado Português resolveu assumir sózinho o desenvolvimento do porto.
Já falámos sobre a presença da firma Lewis & Marks em Barberton cerca de 1886/87 e à paixão que Marks teve nessa cidade por Cockney Liz. No primeiro artigo desta série dissemos também que presumívelmente a maior parte dos terrenos de que aqui falamos (pelo menos todos o que ficavam para oeste da avenida "azul") tinham sido originalmente do Dr. Sommerschield que os vendeu depois à DBLS. Ora como dissemos o Dr. Sommerschield viveu em Barberton onde conheceu Cockney Liz e certamente também Sammy Marks, pelo que dando-se neste artigo umas voltas entre o Transvaal e LM e aparentemente tratando de assuntos distintos (relações pessoais e terrenos) acabamos por encontrar uma ligação pelo menos indirecta entre tudo isto (todavia da presença de Liz em LM não ouvi falar).
Em foto do artigo da wikipedia podemos ver (Isaac) Lewis e (Sammy) Marks ainda jovens mas mostro a seguir a foto desse artigo com Sammy Marks já idoso e com a sua familia em 1903:
Sammy Marks, esposa Bertha e seus filhos |
No que respeita a telenovelas, o filho mais velho de Marks, Louis de pé à direita, nasceu em 1885 por isso quando "segundo reza a lenda" Marks cortejou Cockney Liz em Barberton entre 1886 e 1887 ele já era casado.
NB 1: Tanto Sammy Marks como Barney Barnato, outro magnata das minas e principal acionista da companhia que fundou a DBLS (que obteve a concessão de terreno e que veio a construir o Hotel em LM) eram de confissão judaica. Em relação à DBLS tinha falado aqui dessa dimensão dado os seus dirigentes em LM serem os senhores Leão Cohen, Abraham Levy e Leon Zagury, portugueses e membros destacados dessa comunidade. E pode ver-se mais aqui sobre outros magnatas sul-africanos pelo menos com origem judaica, Alfred Beit que quis mesmo casar com Cockney Liz mas foi rejeitado por ela e Ernest Oppenheimer.
NB 2: A definição sobre que terrenos na zona a nordeste da Polana ficariam para o hotel e para arruamentos não deve ter sido simples. Por exemplo numa planta que Santos Rufino publicou nos seus álbuns em 1929 em relação à Av. Massano de Amorim, actual Tung está ainda representada a situação anterior à definição final do terreno do Hotel.
Como já disse em cima nesta PLANTA e marcado a "laranja claro" ainda estava previsto prolongar-se a Av. Massano de Amorim, actual Tung para leste da antiga da antiga Av. da Polana depois António Enes mas metade desse espaço depois passou a fazer parte do terreno hotel (ver aqui). Também se vê que parecia estar ainda previsto prolongar a Rua Bayly para leste o que não foi feito (ver aqui), assim e mesmo em relação ao que estava desenhado em 1929 parece ter havido alterações posteriores e para seu benefício o hotel acabou por ficar em espaço mais alargado para norte e sul do que o inicialmente planeado.
Mais sobre os interesses de Lewis and Marks em LM: THE DELAGOA BAY CONCESSIONS. ON BRITISH PRE-EMPTIVE RIGHTS. The Cape Times, commenting on the acquisition of Cohen's Pier concessions at Delagoa Bay by Messrs Lewis and Marks, says Emissaries are now proceeding to Lisbon for the purpose of obtaining the conversion of the concessions into a monopoly. The British Colonies cannot afford to treat the matter with contempt, the Cape Colony and Natal having built railways, relying upon British pre-emptive rights over Delagoa Bay.
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