Casa Amarela de LM: edifício e mais história da Praça 7 de Março (4/4)

Temos referido frequentemente a Praça 7 de Março de Lourenço Marques (LM), actual 25 de Junho de Maputo pela sua centralidade na Baixa da cidade e repomos aqui conteúdo que tinha estado disperso em artigos anteriores e o resumo dum texto de Alfredo Pereira de Lima (APL) no livro "Pedras que já não falam" de 1972.
Primeiro ponto interessante no que APL escreveu é que em 1878 a Câmara da vila de LM (criada em 1875) deliberou que "todo o lixo e entulho que não exalasse mau cheiro fosse lançado na Praça para fazer o seu aterro". Na sequência disso começaram obras em 1879 que suponho tenha sido a terraplanagem feita pelo empreiteiro Pablo Perez. Em 1888 (um ano antes da elevação da vila a cidade) a Câmara deliberou ajardinar a Praça com base na configuração proposta pelo fotógrafo-desenhista Manuel Romão Pereira (MRP) que propunha trazer árvores de natal. Como MRP (que tinha actividade privada como fotógrafo e como criador/negociante de produtos agrícolas e de animais nas horas vagas) tinha acabado de chegar ao burgo, a sua intromissão na estética pública parece não ter sido bem acolhida (segundo relatou um jornalista de O Futuro) mas a obra foi mesmo feita pelo seu desenho. Curiosamente um ou dois anos depois e como recordaremos já a seguir MRP fotografou a Praça em encomenda para o Estado - ver este artigo com essas fotos e desenhos da evolução da zona nomeadamente para sul resultante de aterros no estuário. 
Um desses casos é a foto seguinte de MRP com legenda original "Jardim Público Praça 7 de Março" e de "Lourenço Marques" vendo-se que nessa altura a Praça estava já delineada e delimitada por árvores. Atendendo o seu crescimento estas deviam ser anteriores à execução do jardim ao centro da praça com desenho de MRP e que parecia ainda em estado incipiente. 

FOTO 1
Jardim Público na Praça 7 de Março de LM (entre 1889 e 1890)

Como se tinha dialogado com um leitor quando esta foto foi apresentada pela primeira vez, vê-se à esquerda e para o fundo os telhados de dois pavilhões (em dente de serra) e uma chaminé industrial, construções que eu disse que não conhecia para poente da Casa Amarela (CA ou Residência do Governador nessa altura) o que levaria à conclusão de que na FOTO 1 não estava a CA. Mas podemos agora confirmar que essas construções deviam lá estar já em 1890 e por isso que a orientação inicial da FOTO 1, uma vista do topo norte da Praça para poente = oeste, com a CA em frente estava correcta: 


MONTAGEM 1, da FOTO 1 com DUAS OUTRAS
FOTO 1 de MRP de c.1890, para confirmar com as fotos da CA em baixo:
Fowler de c. 1886 e outra da mesma altura 

Sobre esta a Casa Amarela na FOTO 1, para além do triângulo sobre a entrada e dos dois pequenos pináculos que o ladeiam (castanhos), penso que o elemento comum mais claro entre as fotos é o pau de bandeira que existia no canto a nordeste do edifício.  
Quanto aos dois pavilhões que se vê na FOTO 1 penso agora saber localizá-los e para a chaminé a explicação deve estar associada:
FOTO 1 de MRP de c. 1890, para confirmar com a
 de Santos Rufino de c. 1929 em baixo

A segunda foto da MONTAGEM 2 foi tirada em sentido oposto ao da FOTO 1 e mostra que os dois pavilhões estavam ao fundo da Travessa do Tenente Valadim (traço verde claro nas duas fotos) validando assim que a FOTO 1 mostrava a CA. Em 1929 já não havia a chaminé junto aos pavilhões mas é de supor que ela tivesse sido de máquina a vapor que tivesse inicialmente sido instalada nesses pavilhões, os quais em 1929 funcionavam como oficina da Casa Sport.
Prosseguimos com uma interessante comparação de desenhos da Praça 7 de Março, actual 25 de Junho em dois períodos separados por mais de mais de cinquenta anos. Temos à esquerda uma planta utilizada por uma companhia de seguros e datada de 1903 e à direita o desenho da Praça em 1955, o qual mais ou menos corresponde ao actual com circulos de jardim nos extremos a norte e a sul (ver Google Maps)

PLANTAS DA PRAçA EM 1903 e 1955
Laranja: mesmos limites da Praça mas desenho da placa central modificado
Roxo: direcção da Rua Araújo, actual Bagamoyo, cruzando ou não a Praça
Verde escuro: parte aumentada à Praça inicial antes de 1903 e 
aproveitada para parte do círculo a sul no desenho da direita
Amarelo: direcção e posiçâo da Casa Amarela
Verde claro: Travessa do Tenente Valadim

O comprimento e largura totais da Praça eram os mesmos nos dois casos, o que quer dizer que em 1903 à praça inicial já tinha sido acrescentada a parte mais a sul (verde escuro) próximo do que tinga sido a praia do estuário. Essa zona - marcada com o número 14 - na planta de 1903 foi chamada Praça / Jardim Mousinho de Albuquerque de que falámos aqui e falaremos mais detalhadamente nesta série. Ela estava separada da parte a norte da Praça -  marcada com o número 12 - e que estava em frente à Casa Amarela pela ligação da Rua Araújo a nascente = leste como se vê bem aqui em várias fotos.
Na evolução do desenho de 1903 para o de 1955 o desaparecimento dessa divisão entre duas partes da Praça foi a sua primeira grande alteração. A derradeira foi a passagem dos cantos angulosos da placa central para cantos curvos e terá acontecido nos anos 40/50. Ver aqui que na FOTO 3 (de até 1944) a Praça já não estava dividida mas a placa central ainda era rectangular e que a partir da FOTO 4 que será de após 1947 que o seu topo norte já tinha forma arredondada (a placa central da Praça no desenho de 1955 tinha o formato que aparecia aqui nas FOTOS 4 e 5 com duas partes circulares nas pontas e uma parte rectangular entre elas).
Outros pontos a destacar no desenho de 1903 são na parte norte da praça três kiosks, faltando-lhe o Oriental no canto a sudeste. O Levy era o mais antigo dos três e de cerca de 1897 enquanto que o Central/Nacional e Chalet (e o Oriental) foram contruidos depois segundo D. Bayly (mas noto que há um postal aparentemente datado de 1892 com o Oriental!). Na parte sul da Praça havia mais dois kiosks, presumo que à esquerda no canto a noroeste era ainda Garnier (que foi sucedido pelo Pavilion). à sua direita era Pyramid e estava desenhado um prédio arredondado para sul deste último o qual aparece também nessa posição nas fotos dessa época. 
Podemos ver agora mais da evolução da Praça 7 de Março entre 1876 e o início dos anos 40:

Plantas da Baixa de LM de 1876 a 1940
Marcados elementos principais referenciados mais acima

Ponto interessante a recordar é que a parte sul (principalmente) da praça deve a sua existência à Fortaleza pois constituia a sua zona "non edificandi". Esse era o antigo espaço de segurança dessa construção militar que devia ter pelo menos uns 200 metros de raio, o que tinha sido referido aqui seguindo Alexandre Lobato no livro Xilunguíne. 

Comentários

Rosa disse…
Muito agradecida por este artigo tao informativo! Maravilhoso podermos aprender tanto mais do passado de Lourenco Marques de entao. Deve ter sido uma cidade muito interessante e diversa. Bem Haja por estes artigos.
Rogério Gens disse…
Cara Rosa: Obrigado pelo seu comentário, para mais positivo. Devemos agradecer a Alfredo Pereira de Lima e a Alexandre Lobato terem-nos deixado bases suficentes para agora poderemos olhar para as imagens que vão aparecendo, muitas das quais eles nunca terão visto, percebermos o que lá se passava e tentarmos tirar delas novas ilações. Cumprimentos.