Casa de Ferro de LM e sistema Danly - casas nas Américas e catálogo (3/6)

Continuamos a análise da Casa de Ferro (CdF) de Lourenço Marques (LM), atual Maputo e do contexto em que foi projectada e produzida na Bégica e exportada e instalada em Moçambique e comparando-a com outras da mesma origem. 
Relativamente à exportação do sistema ou modelo de Danly, ponto essencial levantado por Bernard Pirson é que por as paredes das casas serem formadas por placas moduláveis eram de fácil acomodação em caixas para embarque marítimo. De facto pelo que vimos em vários exemplos as placas maiores teriam no máximo 1.5 metros de comprimento pelo que seriam muito mais fácilmente manuseáveis do por exemplo casos de casas préfabricadas em que as paredes fossem inteiras. Resolvido o problema das paredes, restava o das peças para a estrutura das casas e diz Bernard Pirson que as suas dimensões foram também controladas na definição do sistema, mas esse é um dos pontos em que me falta informação. 
Conclui Pirson que foram assim criadas as condições para o sucesso na exportação da fabrica de Danly, as Forjas d'Aiseau, que "realizaram a maior parte da construção da cidade de Boma, a primeira capital do Congo desde 1888 (casas, hotel, igreja, prisão, lojas, edifícios administrativos, etc.). Com esta experiência e sua participação sistemática em exposições internacionais, realizaram casas na Bélgica, França, Argentina, Brasil, Peru, Venezuela, Guiné Equatorial, Moçambique e Indonésia, mas também várias construções importantes principalmente na América Latina"
De notar também que Danly participou e foi medalhado em diversas exposições internacionais a seguir ao registo em 1887 da sua patente principal, pelo que a reputação que as suas construções aí ganharam deve ter contribuido para algumas das vendas para países distantes,
Revemos em baixo a fachada principal da Casa de Ferro, a casa de Danly de Moçambique referida em cima. Como vimos as placas das paredes de todas as casas tem o mesmo modelo de relevo, veremos agora se outros elementos das diferentes casas serão também idênticos:

FOTO 1
Vê-se as varandas do 2o andar em cima e do 1o em baixo,
à direita a escadaria exterior que vai do rés do chão para o 1o andar

Segue-se um pormenor do que se vê em cima em foto mais ou menos recente:

FOTO 2
Pormenor da grade na escadaria na Casa de Ferro de LM / Maputo e que é igual à das varandas

Para comparar com a grade de ferro da CdF de LM que vemos em cima temos uma casa na América Latina (Central), mais precisamente em São Salvador a capital do El Salvador (República do Salvador). As suas fotos (de Menly Cortez) e informação fazem parte dum artigo publicado no site elsalvador.com. Como veremos em baixo na FOTO 7 as placas exteriores dessa casa não deixam dúvida de que pertence ao sistema Danly. Para mais é dito no artigo que a casa veio de Charleroi, próximo da qual ficavam as Forges d'Aiseau de Danly. 
Vejamos então primeiro uma escada com grade nessa casa, inicialmente um hospício (asilo) para rapazes:

FOTO 3
Escadaria na casa de ferro de Danly do El Salvador

E segue-se o pormenor duma grade nessa casa, que talvez seja a de cima noutro ponto ou noutra escadaria, também em foto de Menly Cortez com a devida vénia:

FOTO 4 
Espiral em ferro forjado no gradeamento duma casa Danly do El Salvador

Repare-se no pormenor da espiral estar ligada à coluna e ao corrimão por porcas e parafusos. A soldadura eléctrica existia no final do século XIX quando estas casas foram produzidas e montadas, pelo que podia ter sido aplicada nessa junta. Penso então que não tinha sido soldada na fábrica para facilitar o transporte em pequenas peças e que não foi prevista soldagem no local para evitar a necessidade de energia eléctrica, de ferramentas e técnicos especilizados, um dos preceitos seguidos neste sistema (não havia electricidade pública em LM quando a CdF foi lá montada em 1892/93, só em 1897).
Não sei se na Casa de Ferro de LM se podem ver pormenores do tipo da FOTO 4 mas pode-se dizer que os seus elementos em ferro forjado são bastante diferentes dos da casa do El Salvador. Na grade de LM as espirais têm a ponta em cunha, a secçâo superior da grade é simples enquanto que a inferior mais junta ao pavimento é fechada com placas e "flores" embutidas, elementos que não existem na grade da casa das FOTOS 3 e 4.  
Há poucas casas Danly que ainda existem com varandas para pode estender um pouco mais a comparação com a da CdF. Uma delas é a Casa de Ferro de Poissy cuja varanda era feita de ferros direitos mas do Brazil podemos ver a varanda do Chalé do Bosque em Belém do Pará em foto de António Athayde:

FOTO 5
Chalé de Danly de Belém do Pará com varanda de ferros com curva

Nota-se que tal como na CdF de LM o piso térreo desta casa era muito mais baixo que o superior, que certamente teria a área nobre da casa mas em relação ao desenho das grades fácil é de constatar que sâo diferentes das da CdF de LM e da do El Salvador. 
Podemos ver mais grades nas varandas do sumptuoso Palácio de Ferro de Orizaba no México e essas são desenhadas em "corações encaixados", padrão que também não vimos nos casos anteriores.
Não sei se estas diferenças resultam das casas nestes casos serem de modelos de catálogo diferentes e se cada modelo tinha as grades com de desenho bem definido ou se elementos como estes eram deixados à escolha do cliente e daí a variedade observada. Não vi esse aspecto coberto nos sites e artigos "consultados" para esta série do HoM, mas estas diferenças levam-me a pensar em como se encomendariam estas casas. Suponho que depois do cliente escolher um modelo de base no catálogo da fábrica, os seus técnicos e desenhadores deviam estudar como deveria ser a sua configuração em função da área total útil e do número de compartimentos que o cliente pretendesse, do terreno que tivesse disponível, etc. e fazer uma proposta mais avançada ao cliente e assim se caminharia para o acordo final. Mas seria por exemplo possível combinar numa casa partes de diferentes modelos do catálogo ou seria isso rígido? Seria possível escolher pormenores como o desenho das grades ou nem isso? 
Podemos ver um pormenor no interior da casa Danly de Belém do Pará da FOTO 5 de novo em foto de António Athayde:


FOTO 6
Escada metálica em espiral certamente ligando dois pisos no interior 
com chão de madeira em redor

Olhando para as placas metálicas dos degraus, e se não estou em erro, os desenhos da casa do Brasil parecem diferentes (os T mas afastados) do que os da placa da casa do El Salvador. Como estes padrões não seriam algo que interessasse muito escolher ao comprador, haver padrões diferentes à escolha não constituiria grande vantagem comercial mas por outro lado indicam que a padronização de elementos secundários como estes, a meu ver, podia ter sido maior.
Relembro que a CdF de LM tem também uma escadaria interior mas é totalmente diferente das duas que aqui se vêm, pois é em lanços e com degraus e grade / corrimão em madeira, mas se esses elementos e materiais são de origem ou não, não sei.
Falando do componente principal das casas, as placas para as paredes exteriores e interiores, o desenho tinha a mesma base pois a sua produção tinha de ser feita em série dado o alto custo de punções e matrizes aplicadas nas prensas de estampagem. Isso também implicava que só eram produzidos certos tamanhos e formatos de placas, escolhidos de forma tal que as placas podessem ser combinadas permitindo formar grande parte das casas que seria expectável os clientes pedirem. Mas se a mecanização da produçâo das placas e presumo que de parte dos elementos da estrutura e a adopção dum sistema modular tinham como vantagem a redução de custo e a maior rapidez e facilidade de instalação (que eram factores de escolha importantes destas casas para regiões pouco desenvolvidas e com climas inóspitos) tinham também a desvantagem de não permitir casas feitas 100% por medida. 
Quanto ao aspecto exterior, podemos ver a casa na cidade de São Salvador das grades das FOTOS 3 e 4 em tempos antigos:

FOTO 7
Casa de ferro com placas de Danly de dois pisos no El Salvador

Apesar do desenho das placas ser sempre o mesmo, parece que havia muitas possibilidades de alterar o aspecto de conjunto, por exemplo apareciam aqui colunas nas janelas do Rés do Chão que não vi noutros exemplares. Noto que a nivel das casas completas não encontrei fotos de duas que fossem iguais ou até semelhantes, pelo que presumo que para além das possíveis variações de pormenor o catálogo já oferecesse vários modelos de base para cada tipo de uso. Os usos previstos eram bastante alargados pois, segundo o artigo em pdf de M. Braham, R. Le Roux, G. Carré que se pode carregar daquium anúncio de 1893 mencionava que estavam disponíveis no método de Danly "chalés, pavilhões de caça, casas de guarda, hangares, igrejas, oficinas, etc".
Sobre o catálogo das casas de Danly podemos ver uma das amostras aí incluídas. Curiosamente a foto vem (via o já referido artigo de Bernard Pirson) do "Guia do colono para África portugueza, Porto, 1891" de J. BENTES CASTEL-BRANCO - pagina 233 onde o produto era mostrado como exemplo de casa para África mas com o senão de ser cara. Pode então ter sido deste livro de 1891 que veio a ideia de se comprar a Casa de Ferro para Moçambique em 1892 e ao fundo da foto, que deve ter sido tirada no espaço em redor duma das fábricas, aparece um exemplar parecido com a Casa de Ferro, pelo menos na altura e no formato alongado, mas de desenho mais simples. Note-se também à esquerda o que deviam ser os caixotes onde as peças das casas eram embaladas para o envio aos clientes: 

FOTO 8
Casa número 435 de Danly em pilotis e com varanda em redor 

As placas desta casa tinham a estampagem que já conhecemos mas na legenda eram ditas ser de aço enquanto normalmente dizia-se que eram de ferro. Na legenda voltava-se a falar de serem dobradas para fora e galvanisadas e da parede dupla. Todavia a parte interior da parede podia ser em madeira, material cerâmico ou presumo em placas de gesso, mas não fica claro se esse acabamento seria colocado sobre as placas interiores metálicas habituais ou se estas eram substituidas por esses materiais. Segundo Marc Braham e Guillaume Carré essa possibilidade para o interior das casas só existia para as que eram vendidas na Europa, as que eram exportadas para outros continentes tinham sempre as duas paredes feitas com placas metálicas.
No próximo artigo tentaremos falar sobre a constituição e montagem destas casas do chamado sistema de Danly.

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