Casa de Ferro de LM e sistema Danly - componentes e montagem (4/6)

Continua a nova série sobre a Casa de Ferro (CdF) de Lourenço Marques (LM), actual Maputo que espero que contribua para que seja melhor apreciada do ponto de vista construtivo, até porque como a tecnologia do final do século XiX não era ainda muito sofisticada muitos dos seus elementos são fáceis de untuir desde que se olhe com atenção.
Esta era uma publicidade da fábrica na Bélgica onde a CdF terá sido fabricada e que provém dum artigo sobre o património belga no Brasil:

ANÚNCIO
Forja d'Aiseau fabricante de edifícios em chapa 
de que Joseph Danly era administrador e gerente
Como vimos em fotos do artigo anterior, esta fábrica localizava-se em Aiseau, perto da cidade de Charleroi na região da Valónia do Reino da Bélgica. Nesse anúncio eram destacados os pontos seguintes da criação de Danly:
a. as placas serem galvanizadas - realmente a CdF de Maputo com mais de 125 anos parece não ter tido muitos problemas de ferrugem, mesmo antes da reabilitação recente;
b. parede dupla - há uma placa metálica no exterior e outra no interior tanto para as paredes exteriores como para as interiores, o que veremos melhor com as FOTOS 3 e 4
c. montagem e desmontagem rápida sem necessidade de operários especializados. Quanto ao último ponto, segundo Alfredo Pereira de Lima vieram dois operários com o material para a montagem mas isso pode ter sido necessário dado a casa ter três pisos, por isso ser estruturalmente mais complexa que o normal. Mas como se sabe tal não foi impedimento para ter vindo de barco da Bélgica para Moçambique em 1892 e para que tivesse durado até agora mais de 125 anos de idade, tendo inclusivamente passado por uma desmontagem, o armazenamento durante alguns anos e finalmente a re-instalação em novo local, processo que veremos aqui com as últimas fotos. 
Outro preceito tido em conta no desenho de casas Danly é a instalação não requerer ferramentas especiais, assunto de que falámos já a propósito do parafuso na grade.
Quanto à forma de montagem podemos tentar percebê-la mínimamente com as fotos seguintes da Casa de Ferro, começando com uma recente do artigo do jornal Le Monde:


FOTO 1 
As placas rectangulares e quadradas das paredes perpendiculares estão ligadas 
lateralmente por parafuso - porca a peças de esquina 
Segundo os especialistas de casas metálicas franco / belgas Marc Braham e Guillaume Carré e se pode observar na FOTO 1, as casas Danly nas esquinas eram formadas por peças verticais arredondadas em quarto de círculo. Cada uma dessas peças serve dos seus dois lados mais longos de suporte para a fixação das três primeiras placas rectangulares / quadradas de cada lado da parede (a parte de fora duma parede dupla) nessa esquina. Por dentro dessas placas verticais arredondadas deve estar um pilar da estrutura principal da casa e que assegura a rigidez do conjunto. Daqui podemos fazer já uma ideia de como as placas são montadas para formar as paredes duplas mas com as duas fotos seguintes vamos ver mais casos. 
Na foto seguinte vemos ainda da parte de fora da parede (dupla) placas rectangulares grandes que através das suas margens - que no fabrico foram dobradas em ângulo recto para o lado que fica de fora quando são instaladas - são fixadas à estrutura da parede por conjuntos de parafusos e porcas enroscadas: 

FOTO 2
Preto: fixação da(s) placa(s) a barra horizontal ligeira (de perfil em "T")
Castanho claro: fixação da placa(s) a barra horizontal ligeira (de perfil em "L")
Vermelho: fixação da(s) placa(s) a barra vertical 
Laranja: penso que ligação da barra "castanha clara" a viga da estrutura principal
A barra das marcas pretas faz parte da estrutura secundária da parede feita com mais barras horizontais e verticais relativamente estreitas e tem perfil laminado em ferro em forma de "T" para suportar uma placa em cima e outra em baixo. A barra das marcas "castanho claro" faz parte tamblm da estrutura secundária da parede mas como só precisa de suportar a placa de cima, basta ter perfil em "L" em vez de "T": Noto que para simplificar não me refiro ao pequeno rebordo dobrado que parece existir na ponta desses perfis e que serve para estabilizar a ligação da placa feita por parafuso - porca.
A barra das marcas vermelhas deve ser do tipo da "castanha clara" em "L" dado que está também no limite das placas só que é vertical. Do lado oposto ao das placas, essa barra vertical "vermelha" deve estar fixada a uma coluna que faz parte da estrutura principal da construção. Similar caso acontecerá com a barra "castanho clara" mas nesse caso estará fixada a uma viga principal da construção.
Pode ver-se com mais pormenor na foto seguinte as fixações entre as placas metálicas e as barras em T ou L da estrutura secundária da parede. Trata-se de foto do lado interior duma parede dupla exterior da CdF e onde se vê os parafusos e porcas, com o pormenor de se tratar duma sua parte que rodeia uma janela. Esta situação é em tudo equivalente à que se via na FOTO 2 para o lado exterior da parede dupla na qual placas similares estão fixadas (costas com costas com estas) a uma estrutura secundária paralela e do mesmo tipo que a que se vê aqui do lado interior.  


FOTO 3
Dobra na margem da placa encaixa no perfil em ferro das barras da estrutura da parede, 
verticais e horizontais. Conjuntos parafuso - porca firmam a ligação
O site delagoabayworld publicou recentemente um artigo com fotos do Arquivo Histórico de Moçambique mostrando a segunda montagem da CdF feita em 1972 (em parte já conhecidas daqui). Elas permitem apercebermo-nos de alguns pormenores do interior das paredes duplas e que ficaram escondidos quando sua montagem foi concluída.  
A primeira dessas fotos mostra à esquerda da esquina da casa a fachada principal. Estava só em montagem o rés do chão (primeiro piso) e notam-se as vidas de base para a escadaria externa que sobe para o primeiro andar e que se pode ver aqui. Vê-se no chão em primeiro plano as grades que serão instaladas nas varandas dos pisos superiores dessa fachada principal.  


FOTO 4
Do lado direito duma porta ao centro direita da foto 
nota-se bem que a parede exterior da casa é dupla
Para lá das paredes, ponto essencial da construção da casa é a sua estrutura pprincipal. Nesta foto vê-se bem as vigas (horizontais) que complatam por cima o primeiro poso mas não se vê as colunas que farão a ligação ao segundo. Notam-se na direcção da parte superior da escadaria e acima desse primeiro piso umas peças pentagonais que parece irão fazer isso mas não dá para entender como seria. 
Ponto a notar é que nesta segunda montagem da CdF, mesmo que a aparência da casa tenha sido mantida, podem ter sido feitas alterações internas ao que existia inicialmente dado que em 1972 podem ter sido usadas técnicas, materiais e ferramentas que não estavam disponíveis em 1892. Por isso temos de ter cuidado ao tentar tirar destas fotos lições sobre como teria sido a montagem inicial, pois não temos a certeza se houve dessas alterações ou não.  
Agora uma foto da montagem vista no interior da CdF mas penso que não haverá grande diferença em relação à estrutura secundária das paredes exteriores de que falamos principalmente em relação às FOTOS 2 e 3. De novo as minhas legendas interpretativas de que não ofereço garantia de estarem correctas:

FOTO 5
Roxo: vigas (H) e pilares (V) da estrutura principal da casa, 
para as paredes exteriores  e para as mestras interiores
Castanho claro: estrutura secundária para as paredes com barras de perfil em "T" ou "L" para fixação das placas estampadas. Algumas barras aguardam instalação. 
Verde claro, na parte superior: estrutura de vigas para fixação das placas do tecto
Verde normal, na parte superior: vigas da estrutura principal da casa 

e onde assentará o pavimento do segundo piso
Azul normal: intervalo entre as placas da parede dupla exterior, de 20 cm
Azul escuro: parece ser intervalo entre as placas da parede dupla interior, de c. de 8 cm
Como se pode ver pelas FOTOS 4 e 5, as placas estampadas viradas para o exterior parecem muito mais escuras que as colocadas para o interior nas parede externas. Nas paredes internas parece que as placas são claras dos dois lados. Se isto resultava de pintura feita no local para a re-instalaçâo da CdF em 1972 ou ainda da galvanização feita no fabrico c. de 1892 não sei. 
Como se vê nestas duas fotos a casa está assente numa base de betão. Presumo que as vigas da estrutura principal penetrem nele mas ficamos a saber de que tipo terão sido as fundações.
Como dissemos aqui, APL sumarizou que os motivos para que a CdF em 1892, quando foi instalada nas Machambas (local aqui actualmentepara (vir a ser a) residência do Governador-Geral, tivesse sido rejeitada, foram "a sua situação, o seu aspecto pesado e triste, ou fosse porque fosse". A utilização seguinte da CdF foi como Tribunal, em base provisória não tendo passado a definitiva porque não foi aceite pelo Município e munícipes. Repito que os motivos invocados por eles foram que a CdF aí ficava longe (da Baixa), os acessos eram maus e para lá chegar as pessoas podiam de ter de atravessar pelo pântano pelo que se tornava inacessível e ser um "atentado contra a saúde". Por isso salvo a estética da casa, a respeito do qual as opiniões até podiam não ser unânimes, estas críticas não tinham a ver com a construção em si mas sim com a sua localização e esses pontos com o decorrer do tempo e o desenvolvimento da cidade acabaram por ser resolvidos. Por exemplo o pântano para sul da CdF foi drenado e aterrado depois, a actual Av. Guerra Popular foi completada desde a Alta à Baixa e a partir de 1904 passou a haver carreira de carro eléctrico passando pela actual Av. Josina em frente à casa. De facto a casa foi depois utilisada permanentemente e durante muitos anos, primeiro como escola e para o fim pelos Serviços Geograficos e Cadastrais como se vê no exemplo a seguir provávelmente nos anos 60 em foto do blog azimute


FOTO 6
Funcionários dos "mapas" no interior da CdF ainda na localização original
O final deste artigo com o tema da utilização conduz-nos ao primeiro dos dois artigos seguintes onde falaremos mais específicamente sobre como as casas de Danly foram projectadas para climas tropicais e que desempenho terão tido nessas condições.
Detalhes sobre este tipo de construções podem ser procurados no site de Marc Braham maisons-metalliques-francaises, parcialmente em desenvolvimento.

Comentários