Casa de Ferro, Institutos D. Amélia e João de Deus na ex Av. 5 de Outubro de LM

FOTO 1
Casa de Ferro no local original

Sobre a Casa de Ferro (CdF) de Lourenço Marques (LM), actual Maputo começamos pela fonte principal de informação, um texto de Alfredo Pereira de Lima (APL) no livro Edifícios Históricos de Lourenço Marques da página 65 em diante assim resumido: "A Bélgica ensaiara no Congo e com bons resultados um novo sistema de casas de ferro pré-fabricadas. O Governo Português encomendou em 1892 uma e que veio a ser a Casa de Ferro (CdF). Vieram dois operários para montá-la na Av. D. Manuel, depois Av. 5 de Outubro, agora Josina no local que se chamava Machamba e que era junto ao pântano. Finalmente não foi utilizada para o previsto que era ser residência do Governador-Geral e instalou-se nela em 1892 o Tribunal Judicial. Mas o público e o Município não acharam bem por o edifício ser feio e ser longe do centro (a Baixa) obrigando a atravessar o pântano e usar estradas acidentadas e de areia solta
Então o tribunal foi para outro lado e o Governo cedeu a CdF à Igreja Católica que aí instalou uma instituição de beneficiência e ensino para raparigas que se chamou Instituto Rainha D. Amélia, inaugurado em 1895. Quinze anos depois (em 1910) foi proclamada a República Portuguesa, foi extinto esse Instituto e a CdF cedida à Sociedade 1º de Janeiro que lá criou o Instituto João de Deus. Mas este em 1912 foi entregue à Beneficiência Pública e foi colocado no edifício da Av. 24 de Julho onde depois de 1918 funcionou o Liceu 5 de Outubro. Por isso em 1912 puderam-se instalar na CdF na Av. 5 de Outubro os Serviços de Agrimensura (depois Geográficos e Cadastrais). 
Sobre o que APL escreveu três comentários: 
1. quanto ao objectivo inicial, em 1892 o Governador-Geral que era Rafael Jácome de Andrade residia na Ilha de Moçambique onde estava a capital. Por isso uma casa em LM para residência de Governador-Geral podia ser para os seus serviços, podia ser para as suas visitas ao sul ou podia estar já planeado que Lourenço Marques se tornasse capital dentro em pouco; 
2. Quanto à utilização como tribunal, conforme se pode ver neste artigo pelo menos as actuais avenidas Samora e Josina estavam abertas desde final de 1888 pelo que em 1892 algum acesso havia à CdF mas provávelmente seria ainda em terra. Para quem tivesse de se deslocar para lá da Baixa a pé ou mesmo de burro ou de riquexó não devia ser muito confortável, para mais comparando-se com o que presumo fosse a instalação desse tribunal na Baixa que seria a mais desejada pela população. 
3. Segundo artigo no Le Monde o fabricante belga da CdF terá sido Joseph Danly que em 1885 obteve uma primeira patente para a construção de casas em chapa de ferro. Essas casas desmontáveis exportadas por Danly (as fabricadas na Bélgica para todo o mundo excepto para França e suas colónias que eram fabricadas sob licença nesse país) foram usadas em 1888 para parte da construção da capital do Congo Belga, Boma (ver a sua igreja) pelo que se confirma a introdução do texto de APL.
A FOTO 2 é de quando a CdF estava já a ser usada pela Sociedade 1º. de Janeiro em 1912 para o seu Instituto João de Deus.  

FOTO 2 (Cunha em 1911)
Oferta da Sociedade 1º de Janeiro ao Governador do Distrito de L.M.
dois anos depois da proclamação da república em Portugal

Via-se que se tratava dum instituição de ensino misto mas os mais velhos eram raparigas. Os poucos rapazes devem tem entrado só a partir de 1910 quando o Instituto deixou de ser dirigido pelas freiras católicas (penso eu de que).
Para confirmar que na FOTO 3 está a CdF veja-se a grade da varanda e o resto do primeiro andar.

FOTO 3
Também se confirma que a CdF foi re-montada em 1972 
conforme o original pelo menos no topo aqui observado

O MAPA em baixo é de 1903 por isso ainda tem o Instituto D. Amélia. Mas pode-se ver aí como a CdF ficava com as faces mais compridas, a do norte virada para a Av D Manuel e a do sul virada para o pântano (devem ser os terrenos para sul com uma cor esverdeada) e essa vista era uma das razões para o governador ter decidido ir para outras paragens e depois para a CdF não ser o tribunal. Pode-se imaginar que se tivesse sido aqui a residência do Governador-Geral (ou de outro quadro de topo do Estado) como previsto inicialmente, esta zona teria sido a zona nobre da cidade em vez da Ponta Vermelha e que a cidade teria sido muito diferente do que foi e é.

MAPA de 1903
Recinto do Instituto D. Amélia com Casa de Ferro
Vermelho: antiga Av. D. Manuel, actual Josina
Azul: edifício comprido de alvenaria com a torre de observação 
que aparece nas fotos da Agrimensura
Branco: Posição exacta da CdF com os topos mais curtos à esquerda e direita 
e as fachadas principais em cima
Caminhos mais directos da CdF para o  coração da Baixa:
Roxo:
 antiga Av. General Machado, actual Guerra Popular
Castanho: antiga Av. Paiva Manso, actual Magaia

Temos outra imagem no SIPA da CdF ainda na Av. 5 de Outubro, actual Josina em que se pode ver a mesma varanda onde tinham estado as raparigas em 1911. Esta foto deve ser já dos anos 20 ou 30 pois as carrinhas parecem bem evoluídas. Como vimos em cima, desde 1912 o edifício era usado pela Agrimensura o que é aqui confirmado pelas matrículas das viaturas. Se for a Av. 5 de Outubro que passa à esquerda este topo da CdF estava do lado poente = oeste = Alto-Maé. 

FOTO 4
Casa de Ferro colocada desde cerca de 1892, 
na antiga Av. 5 de Outubro, actual Josina.

Vê-se na foto de cima que a CdF estava assente sobre uma grande sapata de betão. A matricula DSA na camionete devia ser Direcção dos Serviços de Agrimensura
E a foto seguinte foi publicada em 1935 mas não sabemos quanto tempo antes terá sido tirada:

FOTO 5
Casa de Ferro instalada no local inicial,
Av. 5 de Outubro, actual Josina

Conseguimos ver a Casa de Ferro ainda na Av. 5 de Outubro ao longe e assim localizá-la melhor  nos seguintes artigos: este (da tribuna do batuque de 1907)este (da torre do Hotel Carlton) e este (a partir do jardim botânico). 
Voltamos noutro artigo à Casa de Ferro instalada na zona actual na Av. Samora, com fotos actuais e outras relativamente antigas. Sobre a Sociedade  de Janeiro ver também.
O nome João de Deus que aqui só foi aplicado por dois anos de 1910 a 1912 veio ser dado a uma escola primária no fim da Av. 5 de Outubro. quer dizer para poente de onde foi o Instituto João de Deus. E foi também dado a uma das avenidas na zona embora não imediatamente adjacente. Ver no mapa, a Av. João de Deus era a "vertical" para a esquerda da antiga Luciano Cordeiro (actual Luthuli) e chama-se agora a Av. Romão Farinha. O Instituto João de Deus foi também o nome de colégio na Namaacha mas aí já totalmente criado pelo Estado.
Ver artigos mais pormenorizados sobre a CdF e os seu fabricante nesta série.
Para ver a maioria dos artigos onde se fala da da Casa de Ferro - aqui.

Texto de APL, livro Edifícios Históricos de Lourenço Marques da página 65 em diante, depois de alguns cortes
"A CASA DE FERRO 
Em fins do século passado chega noticia de que a Bélgica ensaiara no Congo um sistema novo de casas de ferro pré-fabricadas, corn bons resultados. Na verdade, uma fábrica se montara já na Bélgica onde tais casas eram feitas em chaparia e montadas no local que se pretendesse, sem grandes dificuldades. 
Foi por essa ocasião que o Governo Português resolveu encomendar uma de tais casas desmontâveis e despachá-la para Lourenço Marques para residência do governador-geral. Seria do tipo maior, de três pisos. 
Meses depois era finalmente satisfeita a encomenda e corn a casa desmontada vinham dois operários especializados para a erguer. Era a maior nesse género de casas que até então se montavam em Lourenço Marques. 
A Casa de Ferro, que seria a residência do governador, foi pacientemente armada, chapa por chapa, na Av. 5 de Outubro (então Av. D. Manuel); e, ou fosse pela sua situação, pelo seu aspecto pesado e triste, ou fosse por que fosse, o certo é que depois de armada não a quiseram utilizar para o fim em vista. 
Não se sabendo o que fazer corn a Casa de Ferro, instalou-se nela provisóriamente, em 1892, o Tribunal.... Mas o que era provisório pretendeu-se converter em definitivo e nesse sentido oficiou-se para Lisboa, certo de que se achara a solução própria para o enorme edificio. Seria definitivamente o Tribunal Judicial. ...
Nâo agradou, porém, à Câmara essa solução ...” (dado que havia) ... dos habitantes de Lourenço Marques o interesse ... de concentrar no centro da cidade todas as repartiçôes públicas, nâo podendo, por isso, esta Comissâo Municipal conservar o Tribunal na referida Machamba, obrigando todos os interessados para ali irem a atravessar o pântano, e, no caso mais feliz, a seguir pela Avenida Central e a de D. Manuel, que, coma se sabe, é acidentada e de areia solta, o que me leva afoitamente a afirmar que o Tribunal é inacessivel na pior época do ano. Tanto mais que, além das reclamaçôes que temos ouvido do público, já o primeiro número do jornal que acaba de se publicar nesta terra, não só mostra as inconveniências que para bem do público o Tribunal seja dali mudado. Ainda que por momento o Tribunal não possa ser convenientemente instalado é, sem dùvida, preferivel a atentar contra a saúde dos municipes.» 
O governador-geral Rafael de Andrade, lembrou-se então de que para (a Casa de Ferro) talvez achasse serventia ..... Oferecia-o para qualquer fim de beneficência (ao) bispo (para) ... instalar na Casa de Ferro um estabelecimento de beneficiência e ensino. Pouco depois era ... criando o instituto de ensino para o sexo feminino regido por irmâs hospitaleiras. Denominou-se Instituto «Rainha D. Amelia...., e onde se ministr(ava), além da instruçâo elementar e complementar, português e trabalhos de costura, as linguas inglesa e francesa, bem como música. (a quem) ...  foi cedida a Casa de Ferro ..., bem como o terreno anexo que lhe pertence.
O  instituto .. foi solenemente inaugurado a 18 de Agosto de 1895. Proclamada a Republica, a 5 de Outubro de 1910 ... a 24 do mesmo mês, foi extinto o Instituto Rainha D. Amélia, revertendo à posse do Estado a célebre Casa de Ferro. Outra portaria, publicada na mesma data, entregava a casa e anexos à Sociedade de Instrução e Beneficência 1.o de Janeiro. 0 novo Instituto passou a denominar-se «João de Deus». O instituto foi, mais tarde, por portaria de 12 de Maio de 1912, entregue à Comissâo de Beneficência Pública e instalou-se no edificio onde funcionou o Liceu 5 de Outubro, conservando-se ali até 1918. Por essa altura - cerca de 1912 - instalaram-se na Casa de Ferro os Serviços de Agrimensura, hoje Serviços Geogrâficos e Cadastrais..."

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