Caça aos cetáceos na Ilha Xefina e costa sul de Moçambique - navios e animais (1/3)

Estão no site de venda de recordações delcampe.net dezassete fotos que parecem originais sobre caça à baleia na Xefina (Grande), uma ilha na baía do Espírito Santo, actual de Maputo a cerca de 5 km da costa um pouco para nordeste da cidade (google maps)
O vendedor das fotos e ao preço unitário de 37.5 EUR é a firma postaisdobons e elas seriam certamente de interesse para algum museu ou arquivo português sobre o ultramar e ou as "pescas" (para não falar dos equivalentes moçambicanos) e seriam uma migalha no seu orçamento, mas ... 
Reproduzo aqui as suas digitalizações nem sempre muito perfeitas, algumas delas corrigidas:


FOTO 1 (corrigida)
Navio baleeiro a vapor supondo-se que na praia da Ilha da Xefina na maré vazia
Note-se o canhão de arpão na proa e o cesto no mastro da frente para observação das baleias no mar. Vê-se ao fundo uma costa mas não sei dizer se é a da Costa do Sol ou da Catembe.
Mais duas fotos com esse navio em grande plano:


FOTOS 2 e 3 (corrigidas)
Navio baleeiro a vapor visto do lado da ilha com a maré a encher
FOTO 4
Canhão de arpão na proa aqui visto quase completamente virado 
para o lado de estibordo do navio
FOTO 5
Outro navio a vapor que aparecia também na FOTO 3 à direita
O navio da FOTO 5 parece ser um rebocador. Como não tinha cesto de observação nem canhão e tinha amurada muito baixa "achismo do HoM" é que fosse usado para arrastar periódicamente os cetáceos mortos pelo navio principal para a estação baleeeira de modo a que a caça no mar pudesse ser contínua mas ....
Agora uma foto duma embarcação que não me parece seja as que indiquei até agora mas podia ser outra que aparecia à direita da FOTO 2:

FOTO 6 (corrigida)
Tripulação na ponte de comando. Vê-se ao fundo presumo que 
a estação baleeira na Ilha da Xefina
Aparece na foto seguinte um cetáceo capturado sobre uma ponte de madeira. Novo achismo é que eles eram aí colocados pelo rebocador da FOTO 5 aproveitando a maré alta.

FOTO 7
Cetáceo com a cauda decepada já preso à corrente
 que o puxaria para a fábrica na ilha que ficava à esquerda
Vemos o passo seguinte das transferências dos cetáceos do mar para terra na foto de baixo. Pode ver-se que o diâmetro do animal na secção maior correspondia à altura de cerca de uma pessoa e meia:


 FOTO 8 
Cetáceo arrastado para fora da ponte de madeira pela corrente metálica presa à cauda
Veremos depois fotos mais relacionadas com a fábrica que estava para as costas do fotógrafo na FOTO 8, incluindo das máquinas que moviam a corrente metálica e puxavam o cetáceo. Nota-se também na FOTO 8 à direita outras máquinas que serviam para o mover lateralmente em relação à direcção de deslocação inicial sobre a rampa. Ao fundo da foto e lado direito da rampa, via-se o que me parecem sacos que poderiam ser de produtos da fábrica para serem exportados ou de carvão que era trazido para fazer funcionar as suas máquinas a vapor ou as dos navios da companhia. 
Quanto ao contexto passado e futuro destas fotos e da actividade que retrataram, genéricamente dum artigo da wikipedia em inglês retiro que a caça à baleia moderna emergiu com frotas especializadas no século 17, o seu estabelecimento como sistema indústrial dá-se nos séculos 18 e 19 e na primeira metade do século XX foram introduzidos os navios-fábrica. No final da década de 1930, mais de 50 000 baleias eram mortas anualmente e em 1986 a Comissão Internacional da Baleia (IWC) proibiu a sua caça comercial.
Eu tinha ideia de ter lido algo sobre caçadores de baleia ao sul de Moçambique e procurando de novo encontro na net encontrei um artigo de heritageportal da África do Sul com algumas referências a tal actividade na costa do Índico. Diz-se aí que a partir de 1800 e durante décadas, ainda nos tempos de veleiros e arpões de mão, pescadores norte-americanos operaram na Baía de Delagoa (junto a Lourenço Marques, actual Maputo).
Sobre a história diz ainda esse artigo que foi o norueguês Svend Foyn que em 1864-70 modernizou a actividade passando a utilisar navios movidos a vapor (baleeiros) armados de canhão de arpão giratório e as fotos que aqui se mostram são já dessa fase da indústria.
Fala-se nesse artigo do heritageportal muito de "sperm whales" capturados na costa do Índico e de que em português não há tradução directa, talvez sejam os chamados cachalotes mas não tenho a certeza. Falo por isso de "caça aos cetáceos" neste artigo pois o artigo da wikipedia em inglês explica também que pesca não pode ser porque a baleia é um mamífero e não um peixe. Aqui um artigo que justifica porque as "sperm whales" frequentavam a costa de Durban e eram assim por aí caçadas.
Percebo zero de biologia e por isso não consigo identificar os animais destas fotos mas segundo a wikipedia há duas sub-ordens de cetáceos:
- a. Myticeti que são as verdadeiras baleias. Em vez de dentes como a maioria dos mamíferos têm "barbasou seja "cerdas de material queratinoso, com a função de filtrar a água e recolher o alimento". Aqui e aqui vê-se que essas "barbas" por serem de material elástico mas forte tinham alguns usos por exemplo na estrutura de corpetes de senhora. Chama-se-lhe por vezes "ossos de baleia" mas não são. De notar que também havia utilização dos verdadeiros ossos de baleia;.
 - b. Odontoceti, cetáceos que têm dentes, são caçadores activos e que incluem por exemplo os golfinhos, orcas e os cachalotes os quais são confundíveis com baleias. 
Como referi acima no artigo seguinte falarei mais da fábrica e do que lá se produziria a partir dos animais caçados no mar. 
Sobre esta indústria há uma extraordinária canção (aqui) ecológica de Roberto Carlos (composição: Roberto Carlos / Erasmo Carlos) de 1981, As Baleias. Clicando aí pode ver-se o video original com imagens chocantes e com a letra de que se pode ver análise académica à linguagem cognitiva aqui.
A ver também imagens (foto e video) de cetáceo que deu à costa na Beira em 2017 (aqui também).
Texto do livro Manual of Portuguese East Africa Cornell University Library (Internet Archive)


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