Casa de Ferro de LM e sistema Danly - controle térmico no interior II (6/6)

Continuamos o artigo anterior sobre o tema do aquecimento e ventilação da parede dupla das casas de Danly e por isso da Casa de Ferro (CdF) de Lourenço Marques (LM), actual Maputo. 
Começamos com uma foto do livro Edifícios Históricos de Alfredo Pereira de Lima (APL) que deve ser do início dos anos 60, recordando a CdF ainda colocada no terreno original da antiga Agrimensura, no quarteirão acima do do campo de futebol do Ferroviário que inicialmente era pântano.


FOTO 1
Fachada principal da Casa de Ferro em frente,
com a fachada lateral virada a leste para a direita da esquina
Temos uma foto do interior duma parte da CdF com uma escadaria e onde aparecem nas paredes os orifícios relacionados com a ventilação natural da casa de que falámos antes. Aqui são até mais claros dado que estão directamente à vista e não por trás duma grelha, mas parece-me que a sua configuração é igual à da do compartimento à entrada da casa no rés do chão.

FOTO 2
Orifícios ao fundo e ao lado, em dois níveis diferentes
A FOTO 2 foi tirada dentro dum corpo saliente da fachada lateral da CdF do lado leste. Ele aparece com a árvore em frente ao centro direita da FOTO 1 e quase de frente na FOTO 3.


FOTOS 3 (Getty images, Artie Ng e FB Cidade de Maputo)

Corpo saliente em frente e do lado esquerdo de que se vê o interior na FOTO 2. 
Traseira do lado direito na foto de baixo

O corpo saliente fica entre o segundo e o terceiro pisos da CdF, pelo que na FOTO 2 as paredes à direita (a que tem janela) e ao fundo (sem janela) são as exteriores e só nessas duas paredes estão orifícios, seguindo-se o mesmo princípio observado para o compartimento à entrada.
Haver dois níveis de orifícios na FOTO 2 pode parecer diferente do que se via nesse compartimento e podia-se até questionar se os do nível inferior não seriam para entrada de ar frio para o intervalo entre as placas. Mas observando com cuidado as FOTOS 1 a 3 vê-se que os orifícios nesse nível inferior correspondem aos da parte superior da parede dupla do piso inferior deste corpo saliente, que tem só 3 placas ao alto e vez das 5 do segundo piso (note-se que o primeiro piso tem 3 placas e o terceiro tem 4). Assim continuamos só a ver orifícios só nas partes superiores das paredes duplas, os inferiores estarão escondidos junto ao rodapé (que neste corpo saliente do lado exterior nem existe como tal) como disseram no pdf das casas Danly em França Braham M. e Carré G. para a casa na Fondrerie Peboco. No tecto deste corpo saliente também nâo há saídas para o ar quente pelo que o que não saír pelos orifício superiores se acumulará aí também, reforçando as "perplexidades" desse dois autores sobre a eficácia desse sistema de ventilação das casas Danly que em teoria seria importante para o conforto dos habitantes e vida útil das casas (desumidificar a parte interior das placas) .
De qualquer modo sabe-se que muitas destas casas Danly foram exportadas para países de clima equatorial e tropical, quentes e húmidos como seja o caso do Brasil e outros das Américas central e do norte onde Danly enfrentaria concorrência doutros fabricantes (a sua grande exportaçâo para o Congo em 1888 não é medidor de sucesso muito relevante pois era colónia belga). Como em muitos desses locais as condições climáticas seriam semelhantes às de LM, por esse lado não vejo que a decisâo de adquirir e instalar a CdF em LM em 1892 (e como não terá sido das primeiras casas a ser produzida tinha havido tempo para se ouvir falar do desempenho efectivo) tivesse sido injustificável. 
Se, pelo que APL disse, as autoridades tivessem concluído que o primeiro local escolhido para a CdF não era conveniente poderiam tê-la mudado para outro local, pois era também por serem desmontáveis que estas casas estavam no mercado. Mas como ficou nesse local sendo utilizada até ficar obsoleta (momento em que Alfredo Pereira de Lima terá proposto que fosse servir para museu) no final fico sem saber bem que problemas de utilização teve realmente a CdF ao início. Noto que para se avaliá-la em relação à temperatura, o termo de comparação que teria de ser a melhor alternativa, seriam suponho as construções em alvenaria que, note-se, para o final do século XIX em África não usavam a parede dupla que as casas de Danly tinham. 
No que respeita à casa de Danly que vimos já no artigo anterior na República do Salvador, no referido artigo no site elsalvador.com aparecem fotos recentes e informação referente à sua ventilação. Reforçando as ideias pelo menos teóricas do sistema Danly vistas até aqui, diz-se aí que o edifício tem os seus próprios circuitos de ventilação localizados na parte inferior de suas janelas, o que se mostra na montagem seguinte:

MONTAGEM (fotos de Menly Cortez)
Grelhas na parte inferior das paredes duma fachada que dará para
 pátio interior que presumo seja mais fresco do que o resto do edifício
Estas grelhas alimentariam então o circuito de ar no intervalo entre as placas da parede dupla, fazendo o ar quente aí criado arrefecer e/ou subir. Esta solução era melhor do que a que teria existido na CdF com pequenos orifícios algures na parte inferior das placas metálicas interiores, mas também não me parece perfeita. Vê-se que a superfície das grelhas era muito inferior ao tamanho total da parede a refrescar e não sei como se distribuia esse ar fresco no interior da parede dupla. De qualquer modo neste caso concreto do centro para o lado direito da parede não havia grelhas e o ar fresco que entrasse pelas grelhas da esquerda não chegaria lá por causa dos obstáculos constituídos pelas duas portas.
Podemos ver o interior desse edifício embora a foto seja pouco clara:

FOTO 4 (de Menly Cortez)
Talvez tivesse havido grelha inferior como as que se viu para o exterior
Na FOTO 4 não é claro que haja orifícios superiores na parede para a saída do ar quente para o intervalo nem no tecto para a sua passagem para o exterior. 
Mesmo com o exemplo desta nova casa, continua-se sem ver completamente como terá sido a aplicação (e os resulados dela ainda menos ...) das ideias de Danly para o controlo de temperatura.
Pode ver-se uma lista com algumas ligações de construções do sistema Danly em países quentes e que resistem ao passar do tempo, para além da CdF em Moçambique, do site do património belga:
- Costa Rica, San Joséedificio métalico (de 1890, espectacular)
- El Salvador, San Salvador, Hospital Rosales (de 1891)
- Chili, Coquimbo, Igreja Corazon de Maria de Guayacan
- Brasil, Belémchalé do bosque de Rodriguez Alves já visto
- Brasil, Manausestação ferroviária de Bananal
- Mexico, Orizabapalácio de ferro (espectacular). Como podemos dizer agora a partir do desenho das placas não é de Eiffel
- RD Congo, Boma, perto do aeroporto, igreja de Notre –Dame-de-l’Assomption
- RD Congo, Boma, residencia em ferro do governador (edifício actual parece ter sido ampliado em relação à construção original, mas não vejo aí placas Danly).
Concluo aqui esta série e parece-me que se pôde agora entender um pouco melhor donde veio a Casa de Ferro de Lourenço Marques, actual Maputo, quais são os seus elementos constitutivos principais, o principal de como a casa terá sido montada e como terá sido tratada a questão do aquecimento pelo menos na fase de projecto. Mas sobre estes dois últimos aspectos ficam muitas dúvidas para esclarecer para além de que deve haver muito mais pontos de que também seria relevante falar-se e que não emergiram entretanto..
Como indicado no artigo anterior aqui no google books muitas referências técnicas no livro "Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo" por Beatriz Mugayar Kühl.

Comentários