Fotos, aviadores e aviões em 1933 em Lourenço Marques e mais (2/2)

Continuando o artigo anterior, diz ainda a revista "O Ilustrado" que o Major Miller convidou para um voo o Almirante Gago Coutinho e a seguinte foto dos dois faz a capa da revista publicada a 15 de Agosto de 1933. Presumo que tivesse sido nessa ocasião que tivesse sido tirada a foto aérea sobre Lourenço Marques (LM), actual Maputo mostrada no artigo anterior 

FOTO 1
Em LM: Almirante Gago Coutinho e Major Miller, dois ases 
da aviação em terra (à frente duma das asas)

Gago Coutinho, oficial da Armada Portuguesa que se tinha celebrizado na ligação transatlântica entre a Europa e o Brasil uns onze anos antes, estava nessa altura de visita a LM e Moçambique, locais que ele conhecia bem dos tempos de fazer cartas e da demarcação de fronteiras como vimos aqui, Tendo ele chegado à cidade vindo da África do Sul, não sei se o seu encontro com Miller terá sido fortuito ou combinado mas como veremos aqui Miller devia ter boas relações com os aviadores luso-moçambicanos.
Especulando sobre o que terá trazido o Major Miller e o seu Junkers W.-34 a LM, para além de possível encontro com Gago Coutinho e com os seus amigos locais, sabe-se que a sua Union Airways não tinha nem chegou a ter voo regular para LM mas ele podia andar a estudá-la. Sabe-se também que foi feito um levantamento aéreo da cidade em 1933 de que vimos fotos aquiaqui e aquiAqui diz-se que a companhia que as realizou - African Flying Service PTY, Ltd -  comprou depois de 1933 um avião Ryan S-T-A com dois cockpits abertos. Poderia então ter sido essa companhia a ter alugado o W.34 à Union Airways para vir a LM mas atendendo à limitação do seu cockpit fechado para fotografia não me parece muito plausível. 
Sobre outros aviões de passagem por LM nesse ano temos aqui uma foto de Dezembro de 1933 com um hidroavião da Imperial Airways (matrícula G-EBV). Mas tratou-se de um voo de ensaio pois como vimos aqui essa companhia aérea inglesa só em 1937  inaugurou a linha regular entre Durban (África do Sul) e Southampton (Reino Unido) e que passou a fazer escala em LM.
Ainda sobre matrículas e aviões em Moçambique foi no ano da visita de Miller que a primeira companhia do território, a AERO COLONIAL, começou a operar. Pode ver-se aqui um artigo no HoM sobre ela e nas duas fotos seguintes podemos rever os pilotos que a fundaram, também a partir da revista "O Ilustrado":


MONTAGEM 1
Armando Torre do Valle e Manuel Maria Rocha (pilotos) 
com Amadeu de Araújo (mecânico, sem o capacete), 

Os aviões mostrados são o GAZA II de Torre do Valle que era privado e o CHAI-CHAI que Manuel Maria Rocha tinha reconstruído a partir dos salvados dum aviâo sul-africano acidentado na baía de LM, tendo o segundo sido integrado na frota da nova companhia AERO COLONIAL.
Veremos agora outros detalhes sobre o Major Miller e constataremos que a sua relação com LM tinha pelo menos uns anos. Ele tinha nascido na Swazilândia (eSwatini) em 1892 e durante a primeira grande guerra, em 1916, quando ao serviço da Royal Air Force e em missão na África do Sul teve grande sucesso no recrutamento de novos pilotos (os "Miller Boys"). 
Diz-se aqui que MIller por volta de 1919, depois do fim da guerra, e de volta à África Austral fundou a companhia SA Aerial Navigation Company que pouco depois juntando-se a outra formaram a SA Aerial Transport. Esta começou a operar em 1919 mas parou em 1920 porque estava à espera de subsídio do governo sul-africano e/ou de contrato para transporte de correio, fontes de receita que não se materializaram.  
Em 1929 Miller fundou a Union Airways nessa altura com contrato para transportar correio  pelo que começou a ligar por via aérea as principais cidades da África do Sul, por exemplo a Cidade do Cabo, Durban e Johannesburg. No entanto em 1930 a companhia atravessava problemas financeiros presumo porque os passageiros eram em número inferior ao previsto e em 1932 Miller aceitou que a Junkers entrasse no capital. Foi essa a razão para ter começado a utilisar aviões dessa fábrica alemã, novos e usados, os primeiros dos quais foram o F.13 ZS-AEA e o W34 ZS-AEB no qual nos focámos nestes artigos. 
Vimos já o que aconteceu ao ZS-EAB no final de 1933 e a Union Airways teve vários outros acidentes de que resultaram perdas de aeronaves. Presumo que pelos prejuízos incorridos e certamente porque a falta de receitas se foi agravando, em 1934 Miller negociou a integração da sua companhia e que na altura operava com 7 aviões na recentemente formada South African Airways (SAA / SAL). 
Vejo nas informações encontradas que a SAA era controlada pelos Portos e Caminhos de Ferro da África do Sul pelo que a criação da DETA em Moçambique pelos CFM uns 2 anos depois da SAA não foi tão visionária como poderia parecer.
Agora uma foto do ATOM site for DRISA cuja legenda é "Port Elizabeth, circa 1954. Late Major Allister Miller at Union Airways standing on wing of Junkers W-34"


FOTO 2
Allistair M. Miller, que entretanto tinha passado a ser 
"chief publicity officer for South African Airways"

Em relação ao Port Elizabeth da letragem e como acontecia para o avião da FOTO 3 do artigo anterior, parece que todos os aviões da Union Airways inicialmente tinham essa inscrição que era relativa à sede inicial da companhia e não ao nome do avião (e aqui dar-se-ia ainda a coincidência do avião estar nessa cidade segundo a legenda). 
Quanto à foto ser de cerca de 1954 o site geni diz que Allister Mackintosh Miller faleceu em 1951 o que é confirmado aqui na wikipedia onde são dados mais detalhes sobre a sua vida (atingiu o posto de Tenente-Coronel).
Sobre a relação de Miller com Moçambique de que a notícia de "O Ilustrado" dá um lampejo e sobre como o "mundo da aviação" nesses tempos devia ser pequeno, podemos ler num artigo do site voandoemmoçambique (VeM) que tinha sido de Miller (também referido como Mac Miller) o avião bi-plano "De Havilland Cyrrus Moth” de que Manuel Maria Rocha, que ao tempo era mecânico de profissão, comprou os destroços, o CHAI CHAI da MONTAGEM 1 à direita. O motivo foi que quando em 1928 Miller fazia acrobacias sobre a baía de LM tinha falhado o motor ao avião e ele tinha amarado de emergência junto a um navio. Apesar da destruição quase completa da aeronave, Miller tinha saído incólume e por isso pudemos vê-lo de novo em LM nas fotos de 1933 e já para o fim de carreira na FOTO 2. 
Da proximidade entre Miller e Moçambique podemos também imaginar donde veio a ideia da criação da AERO COLONIAL e também ver a analogia do que lhe aconteceu com o sucedido à Union Airways. De facto essas duas companhias privadas e os seus fundadores acabaram por se integrar ou mesmo por dirigir as companhias estatais que se formaram pouco depois delas (Armando Torre do Valle foi excepção porque faleceu por esses tempos). Constata-se entâo que não havia condições para que o negócio das linhas aéreas na região fosse privado devido ao grande investimento que era necessário para a frota, elevada dependência dos contratos com o Estado para as receitas (fosse para prestação de serviços como transporte de correio ou doentes ou para subsídios directos à exploração) e parece-me também a inter-dependência entre a linhas aéreas e a construção de infraestruturas aeroportuárias - cuja complexidade ia aumentando a par da sofisticação dos aviões - e que eram a plataforma física para as sua operação.

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