Sob tema da permissividade no porto de Lourenço Marques ao trânsito encapotado de material de guerra para os boer, recoloco aqui uma gravura humorística britânica que tinha como título "A porta aberta (e o olho fechado) em Delagoa Bay = LM":
Noto ainda como veremos em baixo que o problema para o Reino Unido não era só o dos boers = africaners importarem material de guerra e soldados (voluntários ou mercenários), era também o de conseguirem exportarem o ouro com que podiam fazer essas compras no exterior, dado que a Inglaterra devia ter conseguido controlar os circuitos bancários tradicionais de que os boer se poderiam servir.
Oficialmente Portugal era aliado da Inglaterra, posição que tinha sido reforçada pela assinatura duma declaração secreta (mas não sei quanto ...) a que chamaram Tratado de Windsor em Outubro de 1899, precisamente o mês em que a guerra anglo-boer começou. Portugal assegurou aí à Inglaterra que não declararia neutralidade e que por isso impediria o movimento de tropas e armas dos boer através de LM. Acho estranho que tais movimentos fossem permitidos a um país mesmo que fosse só neutral e perguntar-me-ia então da necessidade deste novo tratado mas segundo ele a Inglaterra também concordou em defender Portugal se atacado. Neste caso particular tal possibilidade aplicar-se ia únicamente aos boer tentarem invadir o sul de Moçambique para se apoderarem do porto e caminho de ferro de LM e por isso acho que o principal interesse deste tratado para a Inglaterra foi que se tal acontecesse ela tinha mãos livres para repelir os boer de Moçambique.
O contexto diplomático da intervenção inglesa sobre o porto de LM sob forma de bloqueio selectivo é bem explicado no livro "Field Gun Jack Versus The Boers: The Royal Navy in South Africa 1899-1900" de Tony Bridgland de que mostrei um mapa no artigo anterior e do qual reproduzo a seguir o texto seguinte do google books:
Oficialmente Portugal era aliado da Inglaterra, posição que tinha sido reforçada pela assinatura duma declaração secreta (mas não sei quanto ...) a que chamaram Tratado de Windsor em Outubro de 1899, precisamente o mês em que a guerra anglo-boer começou. Portugal assegurou aí à Inglaterra que não declararia neutralidade e que por isso impediria o movimento de tropas e armas dos boer através de LM. Acho estranho que tais movimentos fossem permitidos a um país mesmo que fosse só neutral e perguntar-me-ia então da necessidade deste novo tratado mas segundo ele a Inglaterra também concordou em defender Portugal se atacado. Neste caso particular tal possibilidade aplicar-se ia únicamente aos boer tentarem invadir o sul de Moçambique para se apoderarem do porto e caminho de ferro de LM e por isso acho que o principal interesse deste tratado para a Inglaterra foi que se tal acontecesse ela tinha mãos livres para repelir os boer de Moçambique.
O contexto diplomático da intervenção inglesa sobre o porto de LM sob forma de bloqueio selectivo é bem explicado no livro "Field Gun Jack Versus The Boers: The Royal Navy in South Africa 1899-1900" de Tony Bridgland de que mostrei um mapa no artigo anterior e do qual reproduzo a seguir o texto seguinte do google books:
"Paul Kruger (o presidente dos boers do Transvaal), sitting on mountains filled with gold ... was able to buy just about anything he wanted by way of armaments, supplies and specialist man-power from any one of Britain's rivals. And he was able to take delivery to his landlocked republic by .... Delagoa Bay. The British were fully aware that this was the only route whereby Kruger was able to obtain the means to fight them. They could easily have blockaded it if they had wished, but ... Delagoa Bay was in the neutral territory of one of their oldest friends, Portugal. .... And all the while the steady flow of trains into the Transvaal continued. ...... So, the question remained, what of Britain's right to enforce a blockade?
Here the situation was that neutral ships were carrying cargoes to a neutral port. If it could be proved that the cargoes were 'contraband of war', i.e. useful to an enemy in the prosecution of the war, then there was a right of seizure on the high seas, but the difficulty was in the proof. Britain had always insisted on the right to search, and in fact her cruisers were doing just that outside Portuguese territorial waters off Delagoa Bay.
But the searches amounted, in most cases, to little more than a sight of the bills of lading (HoM: documentos de carga no navio). These documents had become highly suspect, particularly as, after many a skirmish with the Boers, empty ammunition boxes were to be found scattered on the veldt marked 'Biscuits — Delagoa Bay' and the like.
The urging for a full-scale blockade grew, but in order to do this, it would have been necessary, as Britain herself had forcefully pointed out on many previous occasions elsewhere in the world, to declare war on the power whose coastline was to be blockaded. And here that power was an old friend. For their part, the Portuguese also found themselves in an awkward position. They could not be charged with actually conniving to assist the Boers, but it was hard to see how they could interfere with the rights of foreign subjects and foreign commerce on what was ostensibly peaceful business."
Como vimos em cima este texto tem imprecisões porque Portugal não era neutral nem simplesmente amigo da Inglaterra, era seu aliado antigo e tal tinha sido reforçado no advento da guerra embora secretamente (e a linha férrea também não tinha sido feita com capital alemão pelo menos do lado português). Mas parece-me que o texto está correcto no sentido de que não tendo Portugal declarado guerra aos Boers não tinha o direito de impedir que eles importassem produtos não militares e era pela frincha da porta aberta que apareciam as "caixas de biscoitos" no Transvaal disfarçando as munições no interior.
Here the situation was that neutral ships were carrying cargoes to a neutral port. If it could be proved that the cargoes were 'contraband of war', i.e. useful to an enemy in the prosecution of the war, then there was a right of seizure on the high seas, but the difficulty was in the proof. Britain had always insisted on the right to search, and in fact her cruisers were doing just that outside Portuguese territorial waters off Delagoa Bay.
But the searches amounted, in most cases, to little more than a sight of the bills of lading (HoM: documentos de carga no navio). These documents had become highly suspect, particularly as, after many a skirmish with the Boers, empty ammunition boxes were to be found scattered on the veldt marked 'Biscuits — Delagoa Bay' and the like.
The urging for a full-scale blockade grew, but in order to do this, it would have been necessary, as Britain herself had forcefully pointed out on many previous occasions elsewhere in the world, to declare war on the power whose coastline was to be blockaded. And here that power was an old friend. For their part, the Portuguese also found themselves in an awkward position. They could not be charged with actually conniving to assist the Boers, but it was hard to see how they could interfere with the rights of foreign subjects and foreign commerce on what was ostensibly peaceful business."
Como vimos em cima este texto tem imprecisões porque Portugal não era neutral nem simplesmente amigo da Inglaterra, era seu aliado antigo e tal tinha sido reforçado no advento da guerra embora secretamente (e a linha férrea também não tinha sido feita com capital alemão pelo menos do lado português). Mas parece-me que o texto está correcto no sentido de que não tendo Portugal declarado guerra aos Boers não tinha o direito de impedir que eles importassem produtos não militares e era pela frincha da porta aberta que apareciam as "caixas de biscoitos" no Transvaal disfarçando as munições no interior.
Em sentido contrário ao postal inglês de cima, este é um exemplo dum postal holandês rebaixando os ingleses e com a legenda nas linguas de dois dos seus rivais tradicionais, os franceses e os alemães (faltavam os russos, os espanhóis, etc).
Guerrilheiros boer fazem render combóio blindado cheio de soldados ingleses |
Idealismos, romantismos e heroísmos à parte, no final o poderio militar inglês rápidamente se sobrepôs à resistência boer = africaner que só conseguiu suportar forma clássica de luta durante menos de um ano como se confirma na imagem seguinte:
Coluna de tropas britânicas entra em Pretoria a 5 de Junho de 1900 |
Segundo o site Australian War Memorial esta coluna que acabava de conquistar a capital da República Boer do Transvaal era provávelmente liderada pelo Comandante-Chefe Lord Roberts e como se vê passava ao lado duma estação de caminho de ferro.
Imagem mais gloriosa do mesmo acontecimento:
"Lord Roberts entering Pretoria" |
Como vimos em cima a partir de 5 de Junho de 1900 os ingleses estavam em Pretória. Existe também uma foto dos Lazarus com uma parada de cavalaria inglesa (de capacete) e portuguesa (de chapéu de abas) na fronteira de Komatipoort no site da Royal Commonwealth Society:
Tropas Inglesas e Portuguesas em Komatipoort em 28 de Setembro de 1900 |
Isso significa que a partir de Setembro de 1900 a ligação dos boers via linha de caminho de ferro ao porto de Lourenço Marques e ao mundo exterior tinha terminado. Não sei que consequências isso terá tido para o desenrolar do resto da guerra, os cerca de dezoito meses em que os boer actuaram em guerrilha, isto é se o seu abastecimento e saída do seu ouro por LM era tão essencial como parecia.
Como já disse muito antes, estratégicamente teria sido conveniente para Portugal que os Boers vencessem para continuar a haver três poderes na região mais ou menos equilibrados localmente em vez de ficarem só a Inglaterra, grande potência mundial, e Portugal instável e endividado e desde há muito dependente da Inglaterra. Mas como vimos não foi assim que acabou a "partida de xadrez" e os interesses luso-britânicos acomodaram-se depois como a foto de cima indica e como já referimos por exemplo em relação à utilização e expansão do porto de LM pelo Transvaal desta feita sob controlo inglês (ponte-cais Gorjão actual entrou em construção em 1902, precisamente findada a guerra).
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